domingo, 26 de julho de 2009

Todos choram na TV

Estive de cama estes últimos três dias. Em tempos de gripe suína, a gente não pode bobear. Com o corpo doendo, e problemas de respiração, me coloquei em estado de observação, até melhorar ou ir definitivamente ao médico. Nesse período de repouso, li uns livros, assisti a alguns filmes, mas, principalmente - coisa que só tem como acontecer nas férias - vi vários programas de televisão.
Fiquei incomodado com o fato de muitos dos programas que vi insistirem numa mesma fórmula apelativa: fazer chorar seus participantes. Na TV por assinatura, vi dois programas relacionados à aparência das pessoas, um chamado "10 anos mais jovem" e o outro "Esquadrão da moda". As meninas que protagonizaram esses programas queriam mudanças em seu visual, para parecerem mais belas ou mais sexys. São reality-shows interessantes, sem dúvida, cujos ápices são as transformações finais e o ganho de autoestima das participantes. Pergunto: nos dois casos, qual foi a reação que coroou essa mudança para melhor diante das câmeras? Resposta: o choro agradecido de ambas.
Além desses programas estrangeiros, vi os shows de auditório de Luciano Huck, Netinho de Paula, Silvio Santos, e outros de que não me lembro o nome. Em quase todos, há alguém despossuído, pobre ou desempregado solicitando algo, que lhe será dado em frente às câmeras - em troca de alguma apresentação, ou mesmo sem contrapartida - para que esse ser humano possa se sentir melhor de alguma forma. Novamente me chamou a atenção que o clímax dessa boa-vontade televisiva é, em 100% dos casos, o choro, mais ou menos contido, do beneficiado.
É impressionante o quanto o choro das pessoas comuns é explorado nos programas de televisão a que assistimos. Se é, na maioria dos casos, um choro de comoção pela conquista de algo, menos mal. Mas, depois de algumas horas na frente da tela, o telespectador fica com a impressão de que já viu aquela cena, e não poucas vezes. Será que a comoção não perde um pouco de seu efeito quando fica inserida numa lógica tão evidente, pouco criativa e previsível?
É curioso isso me incomodar, porque sou extremamente emotivo e choro com facilidade. Se o choro parece um recurso superexplorado até para alguém como eu, é porque tem havido, por certo, exagero. Creio que há outras manifestações da emoção humana tão transbordantes quanto as que tem sido exaustivamente exploradas pelos "shows da vida" que invadem nossas casas.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Três reflexões a partir de Barry Lyndon

Barry Lyndon é um belíssimo filme do diretor Stanley Kubrick, menos celebrado que O iluminado, 2001, e outras obras-primas, mas igualmente brilhante. Redmond Barry é o protagonista da história, que se passa na Europa do Antigo Regime, e mostra o percurso de um homem em sua tentativa de estabelecer-se social e financeiramente.
Com música e cenários primorosos, narra-se a pequena odisseia desse homem comum, suas aventuras, seus amores, seus desafetos, sua busca incessante de colocação. Não vou contar nada do enredo, isso é feio de fazer. Mas proponho três questões para discutir a atualidade da obra.
1) Kubrick trabalha o tempo todo com a ideia de que, para Barry, a inserção no mundo da elite europeia, ao qual aspira, depende de um esforço descomunal e de uma esperteza atenta aos vícios e concupiscências dos seus membros. Barry alcança estabilidade financeira porque se especializa no jogo de cartas e em seus truques, aproveitando-se do vício irrefreável de apostas comum a tantos nobres daquele tempo. Penso se não podemos traçar um paralelo entre esse comportamento e aquilo que vemos, por exemplo, em relação aos poderes paralelos da sociedade atual. Por exemplo, quando vemos traficantes e chefes de facções manipularem uma rede de influências que abarca advogados, juízes, policiais, deputados, empresários. Quando vemos, por exemplo, espertalhões que enriquecem com contrabando sendo chancelados, defendidos e até admirados pela alta sociedade, como no caso da Daslu. Pergunto-me se essa figura meio gatuna, meio bajuladora, meio bandida, uma espécie de penetra intocável, seria a resposta velhaca dos excluídos à hipocrisia vaidosa das elites, patente no descompasso entre o discurso de validação do poder e o violento processo histórico de consolidação dessa condição.
2) Kubrick, no finzinho do filme (isso posso contar porque não tem influência na história) coloca uma frase bonita, mais ou menos assim: "Bonitos ou feios, ricos ou pobres, bons ou maus, estes homens e mulheres aqui retratados são, hoje, todos iguais". Não sei se posso dizer que se trata da questão da morte como fator de nivelamento último dos homens. Acho que é mais que a morte: é a finitude da vida. Seja quem for, seja qual for a época em que viveu, cada ser humano é limitado por um tempo de estar no mundo, e um de seus maiores desafios é dar um sentido a essa limitação. A busca por esse sentido, que é diferente para cada indivíduo, é o que de certa forma o singulariza perante os outros. Mas, por outro lado, é também aquilo que ele tem mais evidentemente em comum com outros indivíduos, de outras épocas e lugares. Creio que, no fundo, quando nossas vidas forem olhadas da distância de séculos, pareceremos, em todas as nossas peculiaridades e escolhas, homens procurando algo, homens aprendendo a viver, homens descobrindo a si próprios. Será que essa é uma noção que não temos porque não olhamos nossas vidas de fora, nem de um tempo posterior, no qual já não estaríamos preocupados com o sentido imediato das coisas, e sim com o sentido que elas têm para o conjunto de nossa obra?
3) Barry, no filme, chega a cidades esvaziadas, onde encontra mulheres cujos maridos foram à guerra para retorno incerto. Com elas, tem relações passageiras, fugazes, desenganadas. O narrador diz que, para essas mulheres, foi necessário aprender a amar com certo despreendimento, para que pudessem tocar a vida sem a mágoa da perda (isto é uma paráfrase, mas o sentido é mais ou menos esse). Fiquei pensando se essa não seria uma reflexão sobre relacionamentos amorosos: se as formas de amar, ou aquilo que nós identificamos como amor, não dependem também, em grande medida, de nossas experiências históricas, de nossa cultura, das particularidades do tempo em que vivemos. Será que verdadeiramente compreendemos o modo de amar dos gregos, dos povos pré-colombianos, dos celtas? Se pensarmos que cada indivíduo tem uma história de vida a considerar: será que entendemos o que é o amor para outras pessoas? Se pensarmos que mesmo os conceitos têm uma história a considerar: será que isso que chamamos de amor é uma boa generalização para tantas formas diferentes de lidar com as paixões pelos outros?
Não cobro de Kubrick que essas questões sejam respondidas satisfatoriamente. Ele não precisa nem me dar pistas. Barry Lyndon tem tudo o que espero de um grande filme: ele me pede que eu reconsidere o que sou. Ele conversa com minhas inquietações.
Se você não viu, vale a pena.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Homens bonitos

Vivo numa geração em que problemas com a própria aparência são coisa tão universal que nem vale a pena falar deles. Como muitíssimos adolescentes hoje trintões, foi complicado para mim aceitar minha magreza (depois, meu peso excessivo), minha pele cheia de espinhas, minhas cicatrizes de operação no ombro, minha brancura. Eu não tinha problema com nada disso, na verdade, mas não sabia como lidar com as críticas que tocavam nesses pontos. Como muitos rapazes introvertidos sem olhar 43 que os salvassem, essas críticas me fizeram crer que eu não poderia ser atraente para as garotas, que, provavelmente, prefeririam os caras fortões, malhados, bem nutridos e bem vestidos.
Ocorre que os anos me fizeram descobrir que as coisas não são bem assim, que há muitas belezas possíveis para um indivíduo e - a mais encantadora das descobertas que fiz nesse sentido - que as mulheres em particular têm uma sensibilidade especial para identificar atrativos diferenciados nos homens.
Há um tempo atrás, li uma postagem do Idelber em que ele falava da beleza das mulheres de BH, comparada à aparência não destacável dos homens (na verdade, Idelber não cita esse aspecto, mas a tendência de eles serem desinteressantes no geral; eu já estive em BH, e fica por minha conta afirmar, pelo que vi, que, realmente, as mulheres de lá são muito mais atraentes que os homens, rsrs), e ressaltava que, nessa cidade, era muito comum ouvir a frase "mas o que essa mulher extraordinária está fazendo com esse zé-mané?". O texto era muito divertido, falava de homens e mulheres de várias partes do mundo. Mas, de tudo o que li, foi essa frase que me ficou na cabeça, talvez porque, no fundo, em algumas das situações por que passei, achei que ela pudesse se aplicar a mim...
Penso que essa sensibilidade diferenciada feminina que citei anteriormente faz com que a figura do homem-objeto sexual, fisicamente atraente, seja menos universalmente desejada que a da mulher-objeto sexual, com as mesmas características. Na academia que frequento, há muitos homens muito sarados, alguns com corpo totalmente trabalhado. É curioso notar que boa parte deles não faria nenhum sucesso com a maioria das mulheres do meu círculo de amizades. Qualidades como gentileza, bom gosto, erudição, delicadeza, têm muito mais condição de chamar a atenção dessas mulheres que um bíceps torneado. Sei que isso está longe de ser regra, mas percebo que há vários exemplos de homens que não são padrões de beleza mas são sempre citados como atraentes, em função de certos traços de suas imagens públicas que têm um apelo intenso, por vezes indefinível. Vou citar alguns, e vou tentar explicar o que vejo neles, que pode ser o que as mulheres veem também.
1) Ferreira Gullar. Esse homem, já na casa dos 70, é um grande poeta, um grande intelectual, mas ele tem um algo mais. Ele, falando, é muito envolvente, muito bonito. Ele deixa transbordar o sentimento do que fala. Lembro de ter ido a uma palestra que ele fez na USP. Em dado momento, ele disse que era, por sorte, casado com uma poetisa bem mais jovem do que ele. Não acho que seja sorte. Gullar encanta as pessoas com sua experiência de vida e a intensidade que emite. Talvez seja sorte dos dois. A verdade é que muitas pessoas concordam comigo nesse ponto: ele é um homem bonito, com seus longos cabelos brancos e seu rosto envelhecido, que parecem trazer ainda mais intensidade à sua figura.
2) Roger Federer. Outro dia vi Federer numa lista de homens mais elegantes do mundo. Em segundo lugar, mais precisamente. Não acho que ele seja nenhum modelo fotográfico. Se você vasculhar o tênis atual, vai descobrir corpos muito bem talhados, como o de Nadal, ou caras muito bonitos no geral, como Tommy Haas. Mas pergunte às fãs de tênis qual o tenista preferido. A resposta, aposto, será Federer. A chave desse sucesso está, acredito, no charme desse cara: ele é elegante jogando, falando, caminhando, atendendo fãs, chorando, fazendo o que quer que faça. É alguém que emana boas vibrações, que se mantém sempre sereno, que respeita os adversários e que tem uma postura absolutamente invejável para quem sofre a pressão do esporte de ponta. E é alguém que tem muito sucesso no que escolheu fazer, aspecto que, de forma alguma, pode ser considerado irrevelante. É alguém que tem elementos de sobre para ser admirado. E a admiração pode muito bem servir ao desejo, como sabemos.
3) Bono Vox. Bono tem traços de rosto superfortes, e creio que não teria tanto cartaz com as garotas se só o conhecêssemos pelas fotos. Mas Bono é extremamente carismático. É um tipão, inteligente, articulado, com um ar meio sério, meio irônico, meio misterioso. Quando ele sobre no palco, não há como desgrudar os olhos dele. Sem contar que se trata de um ser humano muito rico, cheio de ideias e boas intenções, e de um cara talentoso pra burro. Admito, ele sabe construir uma imagem bacana também, com um figurino sempre meio rebelde, e aparições constantes nos mais diversos eventos politicamente corretos. Eu acrescentaria uma outra coisa: acho que ele tem algo de intenso, de bruto, de explosivo, que também contribui para a construção de um aspecto másculo de sua personalidade.
Vou ficar com esses três exemplos, mas teria muitos outros. Em relação a estes, o que fica para mim é a noção de que, se as mulheres são, como dizem, misteriosas em seus desejos, talvez haja uma chance de homens que não são padrões de beleza terem alguma coisa mais intimamente deles e menos visivelmente de todos capaz de dialogar com esse mistério feminino.
Eu diria, assim, que a expressão que o Idelber citou como comum em BH é perfeitamente justificável em relação aos homens a que me referi. Se, para esses casos, eu ouvisse um: "Como pode aquela mulher com aquele cara?", teria como responder: "Pode, sim, meu amigo".
O machismo muitas vezes nos cega para a beleza dos outros homens, nas várias formas que ela pode tomar. Ter descoberto isso depois de adulto pode não ter sido tão grande vantagem no fim das contas, mas com certeza serve para orientar uma opção permanente pela autenticidade e pela confiança no próprio potencial, e para repensar essa paranóia coletiva da indústria do corpo perfeito.

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A Manu também leu a postagem do Idelber, e se manifestou aqui, como boa belorizontina que é. Obrigado, Manu. Seu comentário, aliás, me fez perceber que a parte final do texto, mais especificamente o vocativo "meu amigo", pode dar a entender que estou criticando o Idelber, como se ele subscrevesse o machismo a que me refiro adiante no texto. Só para não ficar parecendo outra coisa: o "meu amigo" é para o indivíduo que não se permite ver as belezas não padrão de outros homens. O Idelber, como fica bem claro na postagem, não é desse tipo, e não usa a expressão que destaquei no sentido que eu quis aproveitar aqui no blog. Para deixar isso mais evidente no texto, fiz umas alterações em azul, mantendo o original em negro, tanto quanto possível, e recuperando o que o Idelber escreveu com mais justiça e precisão.
Viva, Manu! Saúde e felicidade a minha querida amiga de BH!