segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Dez razões pelas quais não leio Veja mais

O título ficou bonitinho com a rima.
O que posto abaixo carece totalmente de fontes, mas não de fundamentos. Se eu tiver um dia acesso a edições antigas, posso localizar as coisas que cito aqui. Por ora, importa-me apenas apontar as ideias gerais. Além disso, tenho outras coisas a fazer no momento. Mas retornarei a esta postagem quando der. Quem tiver uma coleção antiga da Veja e quiser me ajudar, enviando referências das fontes, terá minha gratidão sincera pelo resto de meus dias.

1) Veja tem uma linha ideológica completamente diversa da minha. Seus jornalistas políticos e colunistas estão cada dia mais claramente alinhados com o PSDB e a ideologia neoliberal, e até puxam as orelhas do partido quando ele se afasta desse ideário. Não concordo com esse conjunto de ideias, e acho que esse alinhamento, nos últimos anos, caminhou para a distorção da análise da realidade, como se pode ver nas matérias sobre economia brasileira, que muitas vezes teimam em não reconhecer que os avanços sociais foram alcançados em função da adoção de paradigmas diferentes dos fixados no Consenso de Washington.
2) Veja apoiou quase irrestritamente a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, abraçou em alguns momentos a hipótese de armas químicas em território iraquiano e comprou a ideia de que tudo isso nada tinha a ver com petróleo. A revista chegou ao ponto de, ao questionar o presidente Bush, dizer que era preciso saber se ele "mentiu ou apenas exagerou um pouco" (isso é textual, mas infelizmente não lembro em que edição li). Para ser justo, Roberto Pompeu de Toledo sempre se posicionou de outra forma em seus comentários, muito mais lúcidos que os dos outros colunistas.
3) Veja embarcou no modismo perigosíssimo que era a dieta de Atkinson, dando a essa forma amalucada de perder peso capa, destaque, e quase nenhuma abordagem crítica. Não colaborou para uma discussão científica a respeito, e pode ter influenciado muitas pessoas a cometerem terríveis gafes alimentares.
4) Veja, numa edição especial de que não me lembro o número, afirmou que os irmãos Wright eram os inventores do avião, questão extremamente polêmica e curiosamente definida em favor dos americanos - que criaram uma máquina incapaz de levantar voo sozinha - contra o brasileiro Santos Dumont - mundialmente aclamado como "Pai da aviação" e criador de uma máquina capaz de decolar com força própria, como um avião digno do nome.
5) Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo são dois dos colunistas de maior destaque de Veja. O primeiro, além de sustentar opiniões completamente contrárias às minhas - como a de que os Estados Unidos não pensaram em petróleo ao invadir o Iraque - perdeu toda a credibilidade para mim ao quebrar o off de uma de suas fontes. O segundo escreve de forma absurdamente agressiva e várias vezes irresponsável, e é declaradamente antipetista, antilulista e pró-serrista, ou que é um problema grave, pois nem tudo o que o PT faz é ruim e Serra não é nenhum primor de político. Os comentários de ambos são extremamente tendenciosos, às vezes até meio hiperbólicos e descomedidos, no caso de Azevedo.
6) Veja detonou Maria Rita numa de suas matérias de uma forma tão veemente que um leitor que nunca tivesse ouvido rádio no Brasil poderia pensar que a moça era uma cantora sem talento, pendurada na fama da mãe, a maravilhosa Elis. Goste-se ou não de Maria Rita, nem o mais ácido dos críticos poderia colocar a questão dessa forma.
7) Veja apoiou explicitamente o "não" na votação sobre o desarmamento. Visto se tratar de uma campanha política, era minimamente sensato que a revista se propusesse a examinar os dois lados da questão, ou, pela ética jornalística, que fizesse uma matéria de esclarecimento, e não um panfleto ideológico. Tudo bem que assumisse uma posição, mas o principal, nesse caso, era informar, e não convencer.
8) Ainda que Nassif possa ter comido bola num ou noutro momento - acredito que raríssimos -, o que ele expõe no Caso Veja é sério demais para não ser devidamente apurado, pois é uma investigação conduzida com o apoio de toda uma comunidade de colaboradores, com muita seriedade.
9) Veja tinha uma linha mais moderada de redação sobre política. Quem lê edições da revista na época da primeira eleição de Lula e lê as matérias de quatro anos depois verifica que a agressividade aumentou de tal forma, o tom subiu tanto, e as opções ideológicas ficaram tão explícitas que não parece se tratar do mesmo veículo de comunicação. Os textos fazem acusações pesadas e nem sempre se preocupam em documentá-las. A linguagem ficou apelativa, emocional, inconveniente para um veículo que se propõe a fazer jornalismo.
10) Essa é a mais forte de todas. Quando eu comecei a trabalhar na Prefeitura, a escola em que eu estava recebia um suplemento chamado Veja na Sala de Aula. Nessa época, houve os ataques de 11 de setembro. Veja obviamente teve matérias sobre os atentados. E o suplemento citado apontava maneiras de utilizar essas matérias nas aulas de História. Foi nele que li uma frase cujo conteúdo nunca esquecerei, embora não possa reproduzir exatemente. Algo como: mostre aos alunos que o ataque contra as torres gêmeas, nos Estados Unidos, é, na verdade, um ataque à civilização ocidental. Naquele dia, senti-me nas cruzadas, de espada na mão. Mas que fossem cruzadas contra o mau jornalismo, porque aquilo era passar de qualquer limite possível ou imaginável.
Sei que haveria mais, mas isso acho que já é suficiente. Viva a internet, viva a blogosfera.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Quem sabe, faz ao vivo

O bordão do Faustão dos tempos do bom Perdidos na Noite sempre ressoou nos meus ouvidos como uma verdade incontestável: quem sabe, faz ao vivo. Uma situação de show, de espetáculo, de contato com o público, aquela ocasião única, para a qual o fã se prepara por anos, é o diferencial maior entre as bandas que ouvimos e as bandas que nos marcam. Porque há músicos bons, há grandes performances, mas é difícil alguém conquistar o status de memorável, quanto mais de inesquecível.
Vi ótimos shows na minha vida, alguns muito marcantes, como os de Milton Nascimento e Ray Charles, ambos no Parque do Ibirapuera, já há alguns anos. Mas gostaria de comentar dois eventos que tive a felicidade de ver num espaço de poucos meses de diferença, e que me conduziram à reflexão do primeiro parágrafo deste texto.
Entre as bandas da atualidade, posso apontar várias de que gosto, e entre elas estão, sem dúvida alguma e em lugar especial, Coldplay e Keane. Melódicos, melodiosos, emotivos, emocionantes, esses caras sempre me pegaram com suas músicas. Numa hierarquia de gosto, eu sempre curti mais o Coldplay, sempre achei que eles tinham as composições mais viajadas e tocantes.
Entretanto, em 2008, Coldplay e Keane vieram ao Basil, e eu contava com alguns trocados a mais passíveis de alimentar a extorsão que são os preços via Ticketmaster. Comprei ingresso para os dois shows, e admito que só fui ao Keane porque minha namorada queria muito vê-los, e achei justo acompanhá-la nesse show, visto que ela me acompanharia no Coldplay, em quem a pequena não via muita graça.
Pois não é que os shows viraram minha cabeça? O Coldplay é bom ao vivo, mas não é marcante, não é empolgante, não faz a gente pirar. As músicas são excelentes, a banda é muito boa, mas é bem melhor no estúdio. Presencialmente, eles são até meio distantes, meio burocráticos. E tenho a impressão de que Chris Martin tem vocais delicados e difíceis demais para uma situação de gritaria de fãs e várias horas de palco. Já o Keane mata a pau. Tom Chaplin é o vocalista mais incrível que já vi em ação. Canta sem miséria, põe voz mesmo. E comanda o show com uma vitalidade impressionante. As músicas parecem melhores quando eles tocam ao vivo. A banda faz você esquecer de absolutamente tudo que não seja o que estão tocando. Fui com uma expectativa menor ao show deles, e saí completamente conquistado. Eles têm uma cara mais pop, menos melancólica, menos, digamos, profunda e trabalhada que a do Coldplay, e a crítica desgosta disso, no geral. Mas em situação de palco, de show, de apresentação, eles dão um banho. A empatia, a alegria, o carinho com o público são absolutamente únicos.
É verdade que travo muito mais contato com essas bandas por download e audição das canções que por apresentações. Mas a impressão do show é a que fica. O Coldplay vem ao Brasil de novo ano que vem. Não vou. Um show deles me bastou, já estou contente. Entretanto, de semana em semana invado a página do Keane no Orkut para saber quando eles voltam. É humano e saudável sempre querer reviver momentos que nos pareceram mágicos e encantadores. Essa é uma das formas que a arte tem de revitalizar pessoas como eu, que associam a música a climas, momentos, lugares, encontros, situações, pedaços da vida.

Por causa de um caldo de cana

Meu ônibus não passava e resolvi tomar um caldo de cana num ponto próximo do metrô. Sentei-me na cadeirinha giratória do balcão com aquele desleixo que é minha marca, e espalhei carteira, pasta e braços antes de pedir o que queria. Não deu vinte segundos, sentou-se um indivíduo maior que eu, moreno, forte, barba por fazer, cara meio inchada, e me pediu que lhe pagasse um conhaque. Instintivamente, peguei minha carteira que dava sopa no balcão e botei no bolso. Eu tinha separado cinco reais para pagar o caldo, e a nota estava na minha mão esquerda. O rapaz já tinha visto, evidentemente.
- Não.
Costumo ser seco e direto nesse tipo de abordagem, principalmente quando percebo que se trata de intimidação. Era o caso. O olhar firme do sujeito, a postura corporal de avanço, a noção de que eu era menor, a certeza de que eu tinha dinheiro suficiente em mãos. Mas mais que isso, o discurso posterior: hoje você está por cima, amanhã está por baixo, amanhã eu posso te encontrar na rua numa outra situação, e tal. Eu podia simplesmente sair dali, ou insistir que não pagaria. Mas sinto que não consigo comunicar firmeza para as pessoas, e por isso sou abordado muitas vezes e de forma muito insistente, por pedintes, vendedores, marqueteiros, pessoas que querem que eu quebre algum galho delas, e afins. E foi o estigma dessa insegurança que me fez não querer sair de onde eu estava: era como se eu quisesse sinalizar que ele não tinha me intimidado, para dizer a mim mesmo que eu não titubeio, ou que não seria assim daquela vez. E quando o moço perguntou de novo se eu não podia pagar o conhaque dele, devolvi algo que o irritou.
- Poderia pagar seu conhaque, mas não quero e não vou.
Ele sentiu a afronta e começou a falar mais alto, mais e mais. Começou a discursar, disse que eu o estava humilhando porque ele era pobre e só queria um conhaque e ele tinha problemas com a justiça e a família e outras coisas de que não me lembro, porque naquele momento eu estava com medo e raiva eu mesmo tempo, dele e de mim, por não saber lidar com essas situações. A verdade é que fui realmente grosseiro na minha negativa, desnecessária e vinda da mais profunda incerteza em relação a conseguir me impor. Mas agora é que eu não ia pagar nada mesmo. O homem crescia para cima de mim, e agora era um jogo de forças no qual ceder, na minha cabeça, significaria aumentar as possibilidades de ser achacado por esse cara em outras oportunidades. Dessa vez, fui didático e honesto:
- Você não pediu comida, você pediu um conhaque. Eu não bebo, não pago bebida nem para mim, por que pagaria para você, que nem conheço?
Senti-me um pouco melhor, porque agora as palavras estavam bem colocadas. Mas isso funcionou só para mim. O rapaz não me ouviu. Trocou os argumentos pela ameaça pura e simples. Disse que ia pedir um conhaque e pronto. Eu reiterei que não ia pagar. Ele disse que acabaria preso se eu não pagasse o conhaque. Eu lhe disse que, se assim era, que não pedisse. E aí já era puro braço de ferro de insistência contra convicção. Então eu fiz o que devia ter feito já no início de tudo: fui sentar numas mesinhas lá no fundo do bar. O rapaz não veio atrás de mim. Passou a perturbar o balconista, a agredi-lo, xingá-lo, esmurrou o balcão, disse que queria um conhaque, e outras barbaridades mais pesadas. Conseguiu que um outro rapaz, que estava de saída, interviesse na situação, e se propusesse a pagar a bebida que ele queria. Se pagou ou não, nem sei, porque a essa altura eu já tinha tragado sem nenhum prazer o caldo e me dirigido ao ponto de ônibus, de onde nunca deveria ter saído. Fiquei lá uns minutos, esperando a chegada do transporte.
Dali a pouco chegou o rapaz do conhaque. Nem falou comigo, nem fez menção de ter me visto. Ficou lá, perguntando às pessoas que ônibus ia para o Aeroporto. Não estava nem aí para mim, pois eu já não servia para resolver nenhum problema dele. Até subir no meu ônibus, quase nem nos olhamos. De minha parte, posso dizer que não estava com medo nem com raiva. O problema não era ele. O problema era o incômodo que sinto por não saber tomar as atitudes convenientes e firmes nas relações com pessoas que me pressionam. Desse ponto de vista, devo admitir que a insistência ameaçadora daquele moço contribuiu, de certa forma, para que eu tivesse de refletir a respeito de algo que escondo até de mim mesmo. Continuei achando que não deveria pagar conhaque nenhum, mas fiquei com a sensação de que sou meio infantil às vezes, querendo provar para meu ego que sou melhor do que sou. Se eu tivesse sacado isso a tempo - e havia de ser eu na situação, porque uma pessoa dominada pelo vício não tem condições de fazê-lo - teria tomado minha garapa sem susto e sem pressa noutro lugar. Na verdade, creio que se eu conseguisse aceitar determinadas falhas de caráter que tenho, teria maior capacidade para corrigi-las ou conviver com elas. Fico com essa ideia. Página virada.

domingo, 15 de novembro de 2009

Pensando em um diálogo do filme "Olga"

Não li o livro Olga. Vi o filme, e não o considero nenhuma obra-prima. Mas constatei que ele poderia ser bem adequado para embasar aulas sobre o governo Vargas, o Nazismo, e regimes autoritários, e resolvi utilizá-lo em minhas aulas de História. O resultado tem sido de médio para bom.
Depois de tê-lo visto umas dez vezes foi que reparei em um diálogo que me pareceu o mais instigante do filme. Olga (interpretada por Camila Morgado) está supostamente indo da prisão para o hospital, dentro de uma ambulância, para dar à luz. Com ela vai uma companheira presidiária, conforme promessa do capanga de Filinto Müller, proferida publicamente diante da reação negativa dos detentos, que organizaram uma resistência à retirada da ativista. Olga pergunta à outra moça: "Você acha que o mundo quer ser mudado?". Não há resposta convincente, e Olga dá a entender que às vezes pensa abandonar a militância dentro das fileiras comunistas para ter seu filho e ser feliz com seu marido, Luis Carlos Prestes. Essa cena é muito forte, porque antecede um momento dramático e terrível, que é o envio de Olga à Alemanha nazista, de navio, numa traição da promessa anteriormente citada. Olga paga um preço alto - e cruel, e injusto - por sua luta, vindo a falecer posteriormente na câmara de gás de um campo de concentração.
Não consegui entender essa fala de Olga como um momento de fraqueza. Penso nela como detonadora de uma reflexão profunda. Qualquer um de nós, que estudamos humanidades, que temos sensibilidade de reconhecer os direitos de outros seres humanos, que acreditamos na possibilidade real de melhora das vidas das pessoas e num mundo com mais justiça social, nos perguntamos, em algum momento, se nossas convicções geram frutos, indicam caminhos, constroem soluções, enfim, se mudamos minimamente um pedacinho do mundo. Parece-me que faz todo o sentido perguntar se o mundo quer ser mesmo mudado. Sinto que tenha de admitir que a resposta é negativa: as pessoas têm enorme tendência de aceitar os sistemas em que vivem, adaptar-se a eles, julgarem-se beneficiadas e tornarem-se pouco sensíveis em relação aos excluídos em geral. A vontade de realizar mudanças e implementar sistemas mais justos não me parece natural ou inata nos indivíduos. As convenções, na maioria dos casos, vencem as revoluções, e o resultado é isso que vemos, um planeta em que há enorme concentração de recursos nas mãos de poucos e enorme controle desses que pouco têm por meio da conivência fabricada e dos instrumentos de alienação. Parece, então, que a vontade de mudar o mundo não vem espontaneamente, mas, na maioria dos casos, só depois do desenvolvimento de uma consciência crítica, e, paralelamente, de um caráter eticamente responsável.
Por outro lado, pessoas como Olga, ou Prestes, ou Chico Mendes, ou Gandhi, não conseguem ficar paradas olhando a marcha da História. Pessoas assim tendem a entrar de cabeça, a utilizar seu ímpeto de inconformismo para criar situações especiais, em que conceitos são revistos e conquistas se estabelecem. E é aí que a revolução enfrenta as convenções. E quando isso acontece - e isso só pode acontecer quando PESSOAS agem nesse sentido -, há ações necessariamente não convencionais, que incomodam, que chateiam, que soam estranhas. Acredito que, nesse momento, os revolucionários tornam-se inconvenientes. Exatamente isso: não são convenientes para a sociedade, para o poder, para os que não têm o poder mas o querem, para os que não têm o poder mas acreditam-se beneficiados por ele. E creio, sinceramente, que isso nunca vai mudar, que as pessoas que querem mudanças serão vistas como os chatos, os impertinentes, os perigosos, os estranhos.
Entretanto, tenho convicção de que nós, que acreditamos em mudanças, podemos legitimamente tentar mudar o mundo À REVELIA DA VONTADE DO MUNDO. Precisamos estar preparados para que nos estranhem, e muitas vezes nos julguem inconvenientes. Precisamos agir segundo nossas convicções ainda que elas não sejam as convicções que garantem aceitabilidade social. Seremos ridicularizados, perderemos oportunidades, teremos portas fechadas em certos círculos? Infelizmente sim. É parte do jogo. E é humano e compreensível que nos cansemos de jogar, nalgum momento, ou que recuemos, para defender aquilo que temos como sagrado e fundamental. Olga queria ser feliz, todos queremos. Olga queria sobreviver e criar seus filhos. Nada mais justo. Isso tudo, na verdade, torna sua trajetória ainda mais admirável.
Não sou Olga, não sou Prestes, sou um cidadão comum que carrega no peito sua dose de indignação. Mas é interessante ver que o dilema da manutenção das convicções pessoais reaparece em questões muito menos pungentes e desesperadoras que as vividas por essas grandes personalidades. Pequenas decisões que fazem enorme diferença, como não comer carne, ou não consumir bebidas alcoólicas, ou não carregar compras em saquinhos plásticos, ou não imprimir nada desnecessariamente, ou não usar drogas, ou não tentar obter benefícios ilícitos, transformam-se em letra morta rapidamente, porque queremos ser sociáveis, porque queremos praticidade, porque nos convêm ou até simplesmente porque ninguém está olhando no momento em que fazemos. Um vegetariano tem de se justificar o tempo todo quando vai a um churrasco. Um abstêmio pode se sentir peixe fora d'água nalguns grupos. Quem leva a própria sacola ao mercado demora mais para ajeitar as compras, e as pessoas na fila chiam. E assim vai, de forma que lidar com as próprias convicções implica lidar também com a incompreensão de muitas pessoas. Honestamente, já desisti de muitas coisas que julgava necessárias e boas porque me senti sozinho, discriminado, ou esquisito demais. Lamento ter procedido assim, mas isso não é a pior coisa do mundo. A grande derrota é quando alguém desiste de si mesmo. Essa é a pessoa, do ponto de vista da sociedade, mais conveniente de todas. Mas é a de que menos o mundo precisa.
Minha irmã disse uma vez: "Não confio em quem não fala palavrão". Achei engraçada a frase, e queria recuperar o espírito dela para o que escrevi nesta postagem: "Não confio em pessoas perfeitas". Porque elas não transformam nada. Só são transformadoras as pessoas inconvenientes, ou chatas, ou complicadas, ou que fazem alguma coisa estranha. Essas são fundamentais.
Há alguns dias, encontrei um amigo meu, César Augusto, que é dessas pessoas fundamentais. Esta postagem é minha homenagem à força de caráter que ele demonstra quando defende suas convicções. Quero aprender a ser assim.

sábado, 7 de novembro de 2009

Segundo lugar

Ser segundo colocado em alguma disputa é uma honra. Sempre pensei dessa forma, e antes que alguns me acusem de falta de fome de vitória, devo ressaltar que essa característica também pode ser positiva, ajudando criaturas como eu a valorizarem o próprio esforço e não se lamentarem de serem superadas quando atingiram o máximo do que poderiam oferecer.
Ser segundo lugar significa, em minha opinião, ter o obtido o melhor de todos os resultados, menos um. E pode ser, às vezes, feito tão ou mais extraordinário que ser vencedor. Depende da meta que foi traçada, depende do caminho que foi trilhado, depende da expectativa do desempenho.
Vi e revi, diversas vezes, no YouTube, a prova do Mundial de Atletismo, na Alemanha, em que Usain Bolt cravou 9s58 nos 100m rasos. A performance de Bolt é absolutamente espantosa, não resta dúvida. Mas a corrida de Tyson Gay, americano que chegou imediatamente depois de Bolt, é igualmente impressionante, e até mais assustadora. A concentração de Gay antes da largada, as passadas seguras e violentas e a expressão corporal mostrando um indivíduo disposto quase a destruir-se dentro da pista para chegar na frente são de uma dramaticidade épica, e chamaram minha atenção desde a primeira vez em que pude ver a corrida toda. A premiação posterior mostra um atleta decepcionado com a medalha de prata, cena curiosa que contribui ainda mais para a impressão de que Gay deu tudo de si. Na verdade, deu o máximo de si e mais um pouco: fez um tempo de 9s71, o melhor já registrado por um corredor americano (Carl Lewis, Asafa Powell e Donavan Bailey, por exemplo, nunca atingiram essa marca). Deve ter doído nele saber que correu tão bem e mesmo assim não levou o ouro. Respeito essa dor. No entanto, não consigo achar outra palavra que não seja "vitória" para definir com justiça o desempenho de Tyson Gay. Quando dois atletas competem num nível tão alto, com uma dedicação tão grande e resultados tão significativos, não é possível falar em perdedores.
Isso funciona como uma inspiração adicional para mim. Tive de penar muito para aprender que não posso e nem devo querer acertar tudo em todas as coisas da vida. Hoje, posso rir de frustrações curiosíssimas que vivi, agradecer por não ter atingidos certas metas que me consumiram muito e reconhecer que o aprendizado da luta valeu mais que os louros da vitória em boa parte de meus empreendimentos. Para mim, tanto faz voar pelo estádio como Bolt, ou por sobre a sombra de Bolt, como Tyson Gay. O importante é manter-se voando, dando o melhor de si.

domingo, 1 de novembro de 2009

Fafá e os bichinhos

Observando os bichinhos de estimação da casa de minha mãe e assisitindo com certa frequência o Animal Planet, tenho podido aprender muito sobre a beleza da vida dos animais. Como comentei com uma amiga minha há duas semanas, é incrível que eles possam parecer até mais humanos que nós em certas situações. Entre as coisas que me aproximam de cachorrinhos e gatinhos está a incapacidade de esconderem sentimentos, o que os torna mais confiáveis que muita da gente que conheço. Hoje, fiquei pensando que eles não podem articular palavras, e que isso, se por um lado é uma limitação, por outro lado poupa do incômodo de dizer coisas erradas em horas erradas e acabar machucando pessoas.
Quando passei, hoje de tarde, pelo portão da casa de meus pais, pude avistar a Fafá deitada gostosamente em cima de uma caixa de pizza vazia. A Fafá já tem certa idade para uma gata, e criou manias e rotinas que dificilmente perderá. Nós a respeitamos como uma decana, e por isso fui incapaz de despertá-la de seu sono em pleno dia com um carinho de cumprimento. Eu invejei a Fafá, pensando comigo que gastei no começo do ano uma fortuna com uma cama nova que pudesse ajudar a diminuir meus problemas de insônia. Mas assim são os bichinhos. Admiro como eles precisam de tão pouco, e se divertem, e levam a vida adiante. Admiro como nossas relações com eles podem implicar muito mais carinho e compreensão que as que mantemos com outros primatas da nossa espécie. Seria tão mais fácil se pudéssemos pegar uns aos outros no colo e acariciar, e aninhar, e lamber, sem outra qualquer preocupação, até nos sentirmos preparados para uma nova brincadeira ou descoberta!
Tá, eu sei, é exagero. As convenções sociais são importantes e nos garantem muitas coisas, inclusive nas relações humanas. É que hoje deu de me sentir um pouco assim, carente de cuidado. Amanhã passa.