sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O ano que se vai

Em 2010, eu me mudei para uma casa minha e de minha mulher, no centro de São Paulo. Descobri alguns limites (físicos e psicológicos) importantes. Superei dois cálculos renais de 15mm, não sem muita luta, dor, e apoio de quem me ama. Ministrei o melhor curso de minha vida, Literatura Portuguesa 1, com foco em Camões. Descobri que posso cantar, e que tenho escritos publicáveis. Fiz uma disciplina sobre canção popular com Luiz Tatit que mudou tudo o que eu pensava sobre música popular. Divorciei-me oficialmente. Terminei todas as disciplinas EAD do curso de Pedagogia da Uninove, mas não consegui terminar todos os estágios, nem o TCC. Cuidei de seis disciplinas em plataforma EAD na FIP, e aprendi um pouco mais sobre essa modalidade de ensino.
Algumas coisas também ficaram para trás. O ano de 2010 foi meu último ano de trabalho na EMEF Dona Chiquinha Rodrigues, e meu último ano de residência no Campo Belo, alojado pelo inesquecível Senhor Alberto.
Algumas coisas que ainda não colhi em 2010 esperam-me em 2011. Continuarei meus estudos sobre canção, almejando doutorado. Esperarei algumas chamadas de concursos realizados. Resolverei minhas pendências com a Uninove e conseguirei minha terceira graduação. Tenho, ainda, muitas expectativas em relação a novas perspectivas profissionais, e em relação à pós graduação em CIEJA, que inicio em fevereiro.
2010 foi um ano de muita sementeira, muita espera, e também muito sofrimento. Para um batalhador, como eu, teimoso, insistente, sempre apto a ir até o fim em todos os assuntos da vida, foi um ano de incomparável aprendizado. Mas eu quero mais e melhor. Dos frutos que sei que colherei em 2011, ainda extrairei sementes para novas sementeiras.
A grande lição de 2010 foi: cuide bem de si mesmo, pois isso depende mais de você que de qualquer outra pessoa. Se eu não cuidar de mim, não posso cuidar de mais ninguém.
Que venha 2011. Eu me sinto pronto. Não por ter todas as armas, mas por estar apto a aceitar todos os fados.
Feliz ano novo a todos os meus leitores.

Feliz 2011

Feliz 2011 a todos.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Índice da série "Balanço da eleição"

Acabo de finalizar a série de postagens "Balanço da eleição". Para que não seja lida de trás para frente, esquematizei a sequência correta, já linkada, para quem tiver a disposição de acompanhar o raciocínio até o fim. Sei que o assunto já deu, mas acho que o esgotamento possibilita, no fim das contas, uma análise mais lúcida, menos apaixonada do que ocorreu. Segue a lista das postagens, conforme o prometido no plano, há mais de mês. Para ler, basta clicar em cima:

1) a campanha do medo;
2) a campanha da mídia;
3) o menosprezo do adversário;
4) a ausência geral de programas;
5) a questão do aborto;
6) as derrotas da democracia;
7) as pesquisas;
8) o presidente Lula;
9) a religião e o estado laico;
10) as escolhas que fiz e por que as fiz.

Em outro blogue: o caso da bolinha de papel.

Obrigado a todos pelas leituras.

Balanço da eleição -10 - As minhas escolhas

Eu sempre voto, pois creio que, por mais defeitos e imperfeições que carregue, a democracia não é uma farsa. Ela pode ser insuficietne, excludente, cheia de problemas, mas ela é sempre um indicativo mais seguro e honesto que as outras formas de representação. Por isso, não voto nulo, e também tenho consciência de que faço uma escolha entre as possibilidades oferecidas, e não uma adesão cega a uma ideologia. Posso criticar quem ajudei a eleger, sem problemas. Faz parte do jogo.

Para deputado estadual, votei em Eduardo Amaral, do PSOL, porque o conheço muito bem (fui seu colega na Faculdade de Filosofia) e sei de sua defesa apaixonada pela educação pública, gratuita e de qualidade. Sei também que ele faria oposição consciente e consistente à gestão Alckmin nessa área (eu já tinha bem claro que Alckmin seria eleito). Votei na pessoa, com ressalvas em relação ao partido, e ele não se elegeu.

Para deputado federal, votei em Ivan Valente. Também um coerente defensor da educação, Ivan fez um bom papel na última legislatura, e achei que ele merecia um segundo mandato. Eu tinha dúvidas sobre a eleição de Dilma, então achei que um deputado do PSOL seria oposição em qualquer circunstância, e a causa da educação não estava bem representada em nenhuma das candidaturas com chance de vitória. As mesmas ressalvas ao partido que fiz no caso do Eduardo valem para o Ivan, que conseguiu se eleger.

Para governador, votei em Aloísio Mercadante, porque representava uma possibilidade de rompimento com a sequência de governos tucanos em São Paulo, que, para mim, já esgotou sua viabilidade. Não gosto do que Aloísio pensa em relação à educação, aprovo sua visão de segurança pública e tenho ressalvas ao PT paulista, que não se estendem ao PT nacional. As outras opções, considerei-as incógnitas políticas: Skaf e Russomano (este último, sem chance, por estar na legenda de Maluf). Aloísio não foi eleito.

Para senadores, votei em Marta Suplicy, por suas ideias sempre arrojadas e por ter gostado de sua atuação como prefeita, e em Marcelo Henrique, do PSOL, por exclusão e quase como um voto na legenda. Excluí da lista Aloysio, por ser tucano, Quércia (descanse em paz), pela administração questionável, Tuma (descanse em paz), por discordâncias fundamentais, e Netinho, embora fosse o segundo nome da coligação do PT, por considerá-lo fraco como artista, como figura pública e, principalmente, como vereador, sendo sua candidatura mero oportunismo eleitoral do PC do B. Sobrou votar na pequena esquerda, e entre PCO, PSTU, PV e PSOL, fiquei com o último. Ok, PV não é de esquerda, não nesse momento, concedo. Marta foi eleita, Marcelo Henrique, não.

Para presidente da República, votei em Dilma Roussef, porque estava satisfeito com o governo Lula e não via perspectivas reais de continuidade com melhoria nem em Serra, nem em Marina. Admiro Marina como figura pública, mas considerava impossível que ela governasse com a configuração de Congresso que se desenhava, e tinha sérias dúvidas sobre a formação de sua equipe, que, no final, é quem governa. Não considerei a hipótese de votar em José Serra porque, a despeito de respeitá-lo como figura pública e político tarimbado, entendi que sua coligação abrigava o que havia de pior e mais atrasado no conservadorismo brasileiro. Dilma foi eleita.

Não me arrependo de nenhum voto, porque papai dizia que só devemos nos arrepender do que não fizemos. Mas não estou seguro de nada, e entro em 2011 como um genuíno cidadão brasileiro, apto a cobrar resultados e exigir o cumprimento das plataformas dos nossos representantes. Espero poder continuar contribuindo com a democracia mesmo depois do final das eleições.

Balanço da eleição - 9 - A religião e o Estado

A dois dias da vitória de Dilma Roussef, quando a eleição encaminhava-se já sem grandes sobressaltos para a confirmação do que as pesquisas vinham apontando nas semanas anteriores, uma orientação do papa Bento XVI indicava ser legítimo à Igreja intervir em questões políticas, guiando o voto dos fiéis. Não sou Católico, embora tenha passado por quase todos os sacramentos, e considero legítimo, sim, que as Igrejas, enquanto instituições religiosas, se pronunciem sobre os assuntos que entenderem importantes do ponto de vista da fé. Mas uma coisa me incomodou muito, muito mesmo.
O grande debate do início do segundo turno da eleição foi a já aqui analisada questão do aborto. E, dentro desse debate, víamos as instituições religiosas pronunciarem-se de forma taxativa e absoluta, por meio de seus líderes locais, dizendo que candidatos X ou Y não mereceriam o voto por se colocarem em posição não taxativa ou dúbia em relação a essa questão. Vejo desequilíbrio nesse caso. Isso não é orientação. Orientação seria pedir para que os devotos considerassem também essa questão na hora de votar. Definir para o devoto em quem ele deve votar é fazer propaganda política, é tomar partido explícito e justificar por razões de fé.
Mas esse desequilíbrio do líder parece-me ter uma raiz no desequilíbrio psicológico da sociedade em geral. Não considero normal que uma pessoa, por mais fé e devoção que tenha, defina seu voto pela fala de um padre ou de um pastor. É claro que ninguém se considera em condições de debater com Deus, mas considerar os líderes religiosos como infalíveis e inquestionáveis representantes de Deus na Terra é assustador numa sociedade democrática e pluralista. Até porque, dentro das mesmas Igrejas, diferentes pastores e padres fazem diferentes pregações, abordam diferentes temas, têm diferentes visões de mundo.
Parece-me, entretanto, que esta eleição revelou à sociedade civil seu inimigo ideológico mais nocivo: o fundamentalismo religioso. Enquanto ele foi utilizado para arrancar dinheiro de fiéis, ou garantir presença em grandes eventos, ou realizar grandes intervenções coletivas, ele não pesou politicamente, não incomodou, permaneceu como uma incógnita. Mas, convocado pela campanha de Serra, esse modo doentio de encarar a realidade revelou ser a visão de mundo de milhões de brasileiros, em várias partes do país. A relevância política do fundamentalismo religioso poderia ser encarada como mais uma das forças de mobilização da sociedade, mas existe algo nela que me incomoda em particular, que é o fato de que a palavra religiosa dos líderes não é alvo de crítica, especulação, debate, ou contestação possível.
A intervenção do papa Bento XVI é, na verdade, correspondente às dos pastores evangélicos em suas áreas de influência, com a diferença de que o Catolicismo é mais centralizado. E ela se dá num contexto histórico específico: a Igreja Católica está se aproximando do fundamentalismo e está disposta a exercer maior influência política nos países em que predomina. Essa é uma equação tão perigosa quanto a associação de quadros dos partidos às igrejas evangélicas, resultando, como se sabe, em dúzias de concessões de rádios e emissoras de TV para as mesmas.
Eu acredito em Deus e considero Jesus Cristo a figura mais fascinante da Humanidade. Posso discutir minhas crenças e meus valores relacionados ao que tenho de mais místico, sem nenhum problema. Mas entendo, perfeitamente, que a religião oferece-me uma visão alegórica, incompleta, necessariamente parcial da realidade. A religião não é o arbítrio, a religião não é a verdade. Podemos nos conduzir por ela, mas ainda seremos nós os condutores, e ela, o instrumento. O fundamentalismo religioso tira do indivíduo sua responsabilidade sobre o mundo e sobre si mesmo, porque lhe oferece escolhas prontas, e não elementos para que ele as realize.
Nesse contexto, combato, em nome da democracia, todo e qualquer tipo de fundamentalismo religioso, e toda ação que se encaminhe para isso. Assim como considerei suja e inconsequente a campanha que demonizava Dilma como abortista e Temer como anticristo (o fundamentalismo tem muito de imbecil, como nesse caso), considerei inoportuna a intervenção de Bento XVI. Ele poderia ter dito isso depois da eleição, ou bem antes dela. Não foi coincidência, foi uma tentativa de medir poder. Eu posso criticar o papa porque não sou católico, e não sou candidato a nada neste Brasil majoritariamente católico, mas acho que as palavras do católico presidente Lula são perfeitas como resposta: "o Brasil é um Estado laico". E tem de ser um Estado laico. E num Estado laico, as Igrejas são respeitadas, têm liberdade para suas pregações e seus ensinamentos. O Estado respeita a religião.
Por isso, a contrapartida precisa ser verdadeira: a Igreja precisa respeitar o Estado. Precisa respeitar os processos democráticos, que implicam divergências, debates, convivência de opiniões contrárias. Se a Igreja quer contribuir com o jogo democrático, e, em consequência, com o Estado, pode adentrar nesse campo para oferecer subsídios às divergências, aos debates, às opiniões que se contradizem. Se a Igreja, entretanto, entende que deve entrar no jogo com as cartas marcadas, aproveitando-se da liberdade que tem em relação ao Estado para diminuir o espaço do embate de ideias, creio que presta um desserviço à democracia, e desvia-se de sua função precípua, que é a condução da humanidade por um caminho mais digno e edificante.

Balanço da eleição - 8 - O presidente Lula

Escrever um texto sobre o peso do presidente Lula na eleição de 2010 seria chover no molhado. Lula foi a eleição. Mesmo considerando todos os méritos de Dilma Roussef, e não são poucos, sem o apoio e a participação do presidente na campanha ela não teria a mínima chance contra José Serra. Dilma não era conhecida, não era uma figura popular e, como Serra, não transparecia aquele carisma que é a marca inegável do atual presidente.
A alguns dias do primeiro turno, Mônica Waldvogel (vídeo editado aqui, o não editado é encontrável também) entrevistou dois cientistas políticos conceituados, perguntando a eles quais seriam as estratégias da candidatura Serra para evitar a derrota. Eles não sabiam dizer, e consideravam improvável um resultado que não fosse a vitória de Dilma. Mônica chegou a se irritar com o que afirmavam os especialistas, mas eles faziam, ali, seu papel de intelectuais: analisando os fatos, a verdade é que o apoio de Lula definiria a eleição. Mesmo nos momentos iniciais do segundo turno, quando o jogo parecia ter embolado, não houve nenhuma diferença entre Serra e Dilma que indicasse qualquer outro resultado que não a vitória da ministra.
Quem deu a resposta que Mônica queria foi a equipe de campanha de Serra. Era preciso atacar Dilma, e tomar cuidado para não atacar Lula. A tática funcionou. A figura de Dilma, descolada da de Lula, passou a ser sistematicamente atacada no ethos, no caráter, na essência. O golpe foi forte e baixo, como sabemos, e, associado ao crescimento da não-atacada Marina, construiu as condições para o segundo turno.
Mas no segundo turno, Lula engajou-se ainda mais, ganhando as ruas com sua candidata, atacando Serra no caso da bolinha de papel, mostrando-se o grande fiador de sua criação. Serra ficou de mãos atadas, pois não poderia apresentar-se como adversário de uma figura com tamanha aprovação popular.
A associação de Dilma com a continuidade da gestão de Lula era tão evidente que a vitória da ex-ministra foi concomitante ao atingimento dos mais altos índices de aprovação por parte de Lula. Expondo-se publicamente, aparecendo na campanha, Lula se tornou ainda mais popular.
É impossível não considerar Lula como o grande vitorioso da eleição. Fernando Henrique Cardoso conseguiu duas vitórias contra Lula, mas Serra fez de tudo para se desvincular de sua imagem quando disputou as eleições pelo PSDB. FHC não tinha condições políticas de fazer seu sucessor, e isso era decorrência dos problemas de administração no seu segundo mandato. Lula, pelo contrário, fez sua sucessora, e fez isso com alguém que não tinha, em 2010, nem um décimo da popularidade que Serra já tinha em 2002.
Se quisesse, Lula conseguiria um terceiro mandato. FHC mudou a Constituição e fez uma série de desastrosas negociações para conseguir seu segundo mandato, que acabou manchado pelos compromissos políticos assumidos para obtê-lo. Lula, ao contrário, tinha o trabalho de negar que pensava em mudar a Constituição e candidatar-se mais uma vez para uma vitória certa, possibilidade que era aventada por pesquisas que indicavam que a maior parte da população tinha esse desejo. Inteligentemente, e com a preocupação de consolidar as instituições democráticas, Lula preferiu o caminho da construção paulatina de um sucessor. Os tucanos não acreditavam nessa aposta, e declararam, várias vezes, que Dilma não poderia vencer um político já tão conhecido e tarimbado como José Serra. Dilma não poderia, evidentemente, mas Lula pode. E venceu.
Esta foi a primeira eleição direta, desde o fim do regime militar, em que o nome de Lula não aparecia na cédula. Mas, depois das derrotas para Collor e FHC, e das vitórias sobre Alckmin e Serra, parece que a candidatura Lula se tornou permanente, vitalícia, sendo apresentada como dele mesmo ou como de um representante de sua forma de governar. Em 2014, saberemos se essa perspectiva se consolida, ou se o povo esquecerá os 87% de aprovação de seu líder mais carismático.

Balanço da eleição - 7 - As pesquisas

Um dos temas mais comentados durante toda a eleição foram as discrepâncias de números entre as principais pesquisas de opinião, o IBOPE, o Datafolha, o Sensus, o Vox Populi. Muitos dilmistas achavam os números do Datafolha e do Ibope incoerentes com a ascensão da candidata petista, mostrando saltos bruscos e vertiginosos. Os serristas consideravam o instituto Sensus e o Vox Populi como sem credibilidade, especialmente o último, por ter sido o que mais distante ficou do resultado de urna do primeiro turno.
Vamos aos fatos. O primeiro turno apresentou, em seu final, um quadro de queda da candidatura Dilma e de ascensão da candidatura Marina. Esse quadro se acentuou nos últimos dias, e os institutos mostram tendências, não resultados efetivos. Todos os institutos mostraram essa tendência, embora nenhum deles tenha conseguido prever onde ela acabaria. No resultado final das urnas, houve uma surpresa, mas nada que não estivesse sendo detectado, inclusive como possibilidade real, pelas pesquisas.
Muitos aproveitaram esse momento para desqualificar e vilipendiar os institutos de pesquisa. Curiosamente, uma semana depois, estavam os dois lados da briga lá, em frente à telinha, esperando ansiosamente as novas informações advindas das fontes que desqualificaram.
O segundo turno mostrou um índice de acerto muito maior das pesquisas. Umas acertaram em cheio, outras dentro da margem de erro. Institutos de pesquisa vendem credibilidade, e não podem errar de forma grosseira em hipótese nenhuma. Pode ser que uma ou outra pesquisa tenha tido um acerto aqui, ou um erro ali, mas os institutos não podem manipular tão descaradamente a informação, sob pena de perderem o cliente, que quer dados confiáveis.
No geral, os institutos acertaram, como era de se esperar. Na maioria das vezes, eles acertam.
O que me chamou a atenção, entretanto, foi a exagerada relevância dada pela mídia e pelas equipes e apoiadores dos candidatos às pesquisas de opinião. Os marqueteiros pautaram nelas a propaganda política, inclusive as guinadas ideológicas, o que eu considero absurdo. Pesquisas indicam tendências, mas candidatos não são meros produtos do mundo do espetáculo. Há muito mais em jogo que a adequação aos padrões psicológicos imediatos do inconsciente coletivo. Dois anos antes da eleição, a Folha publicava pesquisas com José Serra na frente. Que importância tem a posição de um candidato numa pesquisa realizada dois anos antes da eleição? A um mês da eleição, Dilma estava com o dobro dos votos de Serra nas pesquisas, e o PT considerava a eleição ganha. Quem pode vencer uma eleição um mês antes? E, acima de tudo isso, que raio de postura política é essa que não confia nos próprios valores, tentando reencapá-los cada vez que um sinal de derrota é evidenciado?
A única pesquisa que tem valor definitivo é a da urna. As outras receberam mais atenção que essa, injustamente.

Balanço da eleição - 6 - As derrotas da democracia

As postagens anteriores já apontaram alguns dos fatores que considerarei como problemáticos para as instituições democráticas, dentre eles a cobertura tendenciosa da mídia, a exploração fundamentalista de questões importantes, a ausência dos planos de governo, a agressividade desenfreada no lugar do debate de propostas. Quero ressaltar, entretanto, que o próprio fato de conseguirmos eleger, por decisão soberana, um presidente da República pela sexta vez seguida é notável, dada a nossa extensa lista histórica de ditaduras e eleições com cabresto. No saldo geral, é evidente que a democracia venceu. Mas creio terem havido algumas baixas nessa batalha.
Além das questões que citei no parágrafo anterior, creio que saímos desta eleição com um vazio de pautas. Há duas tendências hegemônicas na política brasileira: o lulismo-petismo, e a tucanagem. Ambas amadureceram politicamente e construíram seus espaços, maiores ou menores conforme a oportunidade. Entretanto, ambas as tendências são muito mais estruturas de agrupamento ideológico para manutenção do poder que correntes de sensibilidade política, ou algo que valha. Elas digladiam-se entre si, mas não por ideias, propostas, busca de pontos em comum, convicções. Soninha saiu do PT e apoiou Serra para presidente; mudou radicalmente de lado sem maiores consequências, em menos de dois anos. Gabriel Chalita fez o caminho inverso: pulou do PSDB para a campanha de Dilma, chegando a ajudá-la na questão do aborto. Roberto Freire, uma das mentes mais lúcidas do comunismo brasileiro, descambou para um antilulismo estranho, tosco, infeliz. É perfeitamente possível que as pessoas mudem de opinião, mas é curioso notar como elas pulam livremente de um lado para o outro sem pudores ou tempo de maturação/adaptação. Para mim, isso é sinal de que qualquer um dos lados pode abrigar e acomodar o discurso de Soninha, de Chalita, de Freire, exatamente porque não há convicção programática, política ou ideológica nem no bloco lulista, nem no antilulista. Os blocos são grandes guarda-chuvas políticos, e não agrupamentos por valores e modos de compreender o mundo. Evidentemente, há diferenças, e elas não são poucas nem desprezíveis; mas há, também, muitas semelhanças, há consensos possíveis, há valores em comum. Há muita coisa que às vezes pode até ruir em função das rusgas e trincheiras pelo poder.
Eu espero há tempos uma terceira via, uma uma via alternativa, um projeto novo de poder e de sociedade, que possa mostrar-se digno da confiança da população. Marina pareceu a muitos essa alternativa, mas ela ficou no meio termo, acenando ora para um lado, ora para o outro, e não chegou a apresentar algo efetivamente novo. Até porque, vencendo, ela teria de compor com essas tendências hegemônicas, e seria muita cara de pau negá-las completamente nessas condições. O PSOL tem quadros interessantes, mas seu programa ainda não me convenceu por completo.
Enfim, torço para que os próximos anos vejam o surgimento de novas forças políticas e o crescimento de partidos com propostas inovadoras. Porque senão, a julgar por esta eleição, os debates serão ainda mais pobres em matéria de ideias. E democracia, para mim, é muito mais a possibilidade de existência de minorias que a garantia da vitória das maiorias.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Balanço da eleição - 5 - A questão do aborto

Aproveitando a (já comentada) ausência do programa partidário petista como projeto de governo, o final do primeiro turno assistiu a uma das mais bem montadas armadilhas políticas de que já tive conhecimento. Trata-se da questão do aborto.
Para explicar o porquê de considerar essa questão uma armadilha política, tratarei do assunto com um pouco mais de abrangência, explicitando minha posição íntima, minha posição de cidadão, minha compreensão da profundidade da questão, a posição dessa discussão no debate político e as razões pelas quais considerei a forma como esse debate foi conduzido uma leviandade eleitoral.
Em primeiro lugar, explicito minha posição particular. Não sou a favor do aborto por convicções religiosas e filosóficas, e por experiências que tive em minha vida, que sempre me indicaram que a interrupção da gravidez devesse ser a última opção. Acho que não preciso entrar em detalhes nesse caso.
Em segundo lugar, explicito minha posição como cidadão. Sou a favor da descriminalização do aborto até o quarto mês da gravidez. Explico. Minhas convicções particulares, exatamente por serem particulares, não podem ser estendidas para toda uma sociedade. As mulheres abortam por inúmeras razões, desde econômicas até físicas. Não é possível estabelecer, para cada caso, uma lei específica, que diga respeito à situação em questão. Além disso, é preciso ser razoável. O aborto já é ilegal e continua sendo praticado. Não é a permissão ou proibição da lei que mudará a prática do aborto na sociedade. Mas a proibição tem grandes desvantagens, como o despreparo dos hospitais para atender às mulheres que abortam, o estabelecimento de níveis diferenciados de assistência para mulheres pobres e ricas, a impossibilidade de atuar sobre o grande número de complicações pós-aborto que costumam ocorrer, a impraticabilidade de uma oferta de assistência educacional e financeira do estado para as mulheres que manifestassem dúvida em realizá-lo. Por tudo isso, e por entender que a descriminalização é, na verdade, uma forma de salvar vidas (de mães e filhos), porque permite maior atuação do Estado, creio que esta seja a melhor saída nos dias atuais.
Devo deixar claro aqui, ou, no caso de já estar claro, devo explicitar com mais ênfase que não sou abortista por convicção, mas acredito que o aborto seja muito mais um problema de saúde e educação que de legislação criminal.
Em terceiro lugar, é preciso compreender que essa é uma questão muito profunda e delicada. Alguns pontos precisam ser discutidos quando se fala de aborto, e esses pontos tendem a ser pouco pacíficos. Alguns deles: o que é o direito à vida e até onde ele pode ser estendido? O que é o direito da mulher sobre seu próprio corpo? Qual a obrigação do Estado diante da iminência do nascimento de um novo cidadão? Por que o aborto é uma prática social tão disseminada? Quais são as ações educacionais que devem ser tomadas para garantir uma decisão esclarecida das mulheres? Quais são as ações que devem ser tomadas para garantir o aborto, caso seja legalizado, como direito para as mulheres que querem realizá-lo? Instituições vinculadas a grupos religiosos podem se recusar, por princípios éticos, a realizar abortos em hospitais que financiem? O Estado é laico mesmo quando a sociedade é religiosa? O código de ética dos médicos garantiria o direito dos mesmos a fazer ou não fazer a intervenção abortiva?
E haveria mais uma penca de perguntas a se fazer, porque há muitos problemas envolvidos. Essa questão exigiria um amplo debate nacional, uma mobilização permanente de vários setores da sociedade, uma disposição de ouvir religiosos e laicos, esquerdistas e direitistas, engajados e alienados, e tentar encontrar soluções, se não consensuais, pelo menos mais abrangentes. Não seria possível reduzir uma discussão tão profunda e importante a uma questão legal, e muito menos querer encontrar uma solução definitiva levantando-a como bandeira no meio de um debate polarizado e programaticamente pobre como foi o do pleito presidencial.
A última afirmação requer certo cuidado no texto. Alguém poderia contra-argumentar: "mas o aborto é uma questão social importante, e devemos saber o que os candidatos pensam a respeito". Não tenho dúvidas disso. O problema é que a questão do aborto não foi apresentada como um tópico de discussão entre outros, mas sim como uma questão resolvida, encerrada e evidente por si mesma, por meio da qual se distinguiriam as pessoas do bem (contrárias ao aborto) e as do mal (favoráveis). Foi uma questão usada pelas linhas auxiliares do candidato Serra para demonizar a candidata Dilma Roussef.
Essa utilização de um tema como definidor dual do caráter dos seres humanos como alinhados ao bem ou ao mal pode ser tranquilamente associada ao grande câncer dos tempos modernos: o fundamentalismo. É notoriamente fundamentalista a abordagem utilizada para a questão do aborto. Só é do bem, só é bom, só tem caráter, coração, decência, quem for explicitamente contra. Tanto é que Dilma, percebendo a enrascada em que a haviam enfiado, declarou-se contra, assinou documentos mostrando que era contra, posicionou-se contra, e ainda foi cobrada... por ter mudado de ideia! O fundamentalismo é assim: ninguém pode mudar de ideia, ninguem pode titubear, ninguem pode dizer que não tem posição definida. Nenhuma posição é legítima se não for a que o fundamentalismo considera legítima.
O leitor deve se lembrar do horror que eram os e-mails antiabortistas. Eram uma ramificação religiosa da campanha do medo, utilizando tons ameaçadores, fotos repugnantes, imprecações desmedidas. É assim que se deve discutir uma questão de saúde pública, que envolve vidas, posturas, opções?
Dito isso, exponho o que coloco em quarto lugar na sequência do texto. Creio que o debate político deve tratar de questões como aborto, eutanásia, suicídio, depressão, síndrome do burnout, e outras, sim. Mas creio que deva tratá-las como questões de saúde pública, em princípio, e de interesse social, em um segundo momento. Esta não pode ser uma questão de sim e não, de certo e errado, de puros e impuros, ou de qualquer radicalização que a desfigure. As pessoas precisam conhecer argumentos, números, conjunturas, ideias diferenciadas, projetos de melhorias para a área da saúde. A razão precisa sobrepor-se ao medo nesse caso. Uma eleição presidencial não é um plesbiscito. Uma questão como a do aborto não seria resolvida, jamais, pela eleição de Serra, Dilma ou Marina, longe disso. Essa questão deve estar atrelada a uma política de saúde e assistência social, que oferece muito mais resultado que uma mudança na lei.
Concluo, então, argumentando pela leviandade do que aconteceu na última eleição. A questão foi apresentada de forma leviana, como já resolvida, e como definidora do caráter moral dos candidatos. A questão foi discutida de forma leviana, porque causou estrago nas pesquisas, e porque proporcionou mais respostas vazias que indagações pertinentes. A questão atacou a democracia de forma leviana, ao invocar o fantasma do fundamentalismo religioso e dos radicalismos de direita, adormecidos no inconsciente coletivo do brasileiro. A questão saiu da mídia de forma leviana, quando a eleição acabou, como se sua importância dissesse respeito apenas à possibilidade de influenciar um resultado de urna.
A presidenta Dilma Roussef conseguiu uma grande vitória nas urnas, apesar de ter sido colocada em xeque por essa armadilha eleitoral. Entretanto, sua vitória não apaga a tremenda derrota da sociedade civil ao ver uma questão como essa ser tratada de forma tão baixa e perigosa. O posicionamento cuidadoso e temeroso de Dilma durante a campanha é índice claro dessa derrota.

Balanço da eleição - 4 - A ausência dos programas de governo

Outra das características fortes do pleito presidencial de 2010 foi o debate sem pauta. Nós não tivemos acesso aos planos de governo, mas sim às listas de intenções políticas de cada pleiteante. Talvez em função da polarização partidária, talvez em função do medo de fechar questão em pontos polêmicos, a verdade é que se se perguntasse a um petista, um tucano ou um verde, mesmo a poucos dias da eleição, quais eram as propostas efetivas para áreas como Educação, Saúde, Energia, Desenvolvimento Urbano, ninguém sabia dizer.
Essa falta de programa oficial, ou de pauta clara de opções administrativas e políticas, foi marca de todas as candidaturas. Os eleitores sabiam mais ou menos de que lado estava cada um dos atores, mas quase ninguém poderia dizer que implicação isso teria em questões específicas, porque as propostas, quando haviam, eram tão gerais que abrigavam também seus contraditórios. Dizer que a educação é prioridade, todos disseram, por exemplo. José Serra prometeu um milhão de vagas nas Escolas Técnicas. Mas o eleitor não ligou para isso. Por quê? Por várias razões. Em primeiro lugar, por conhecer gestões tucanas anteriores e saber que o investimento em educação nunca foi tão vultoso (na gestão FHC, por exemplo, as técnicas estavam sucateadas). Em segundo lugar, por estar habituado a promessas que não se cumprem, ou se cumprem pela metade, ou são esquecidas, sem cobrança alguma nem por parte da sociedade nem por parte da mídia. Em terceiro lugar, porque a proposta é vazia: criar vagas como? Onde? Ampliando ou construindo novas unidades? Contratando mais professores pelo mesmo salário ou flexibilizando direitos para contratar mais por menos? Não é uma questão que se resolva simplesmente com uma declaração de intenções. É preciso explicitar caminhos. Ampliar as escolas técnicas é, sem dúvida, importante, mas seria prioridade em relação, por exemplo, à formação de professores em universidades públicas, ou à erradicação do analfabetismo funcional nas escolas fundamentais? Ou haveria verba para fazer as três coisas ao mesmo tempo? Decisões implicam ganhos e perdas, sempre, e é preciso que ambos estejam claros para o eleitor. Quando não estão, surge o contraditório: quem defende a Educação pode investir em escolas técnicas e não investir em ensino fundamental? Pode abrir um milhão de vagas e não valorizar profissionalmente o professor?
Esses sinais dúbios foram captados pelo eleitor, que entendeu sagazmente que os candidatos tinham medo do compromisso político. Obama, quando candidato à Presidência dos Estados Unidos, defendeu aberta e publicamente reformas no sistema de saúde, que eram e são polêmicas, e que custaram ataques e ofensivas à sua credibilidade. Ele sempre deixou claro quais seriam essas reformas, o que visavam, a quem atingiriam e de que forma julgava que devessem ser feitas. Uma postura como essa custa alto politicamente, mas oferece ao cidadão a segurança de que se sabe com quem se está lidando.
Creio que nem Dilma, nem Serra, nem Marina, nem Plínio conseguiram oferecer uma pauta mais detalhada, um programa de governo mais explícito em pontos fundamentais. Marina, na reta final, teve mais clareza de posicionamento que os outros, mas mesmo assim o eleitor tinha dúvidas, pois seu partido, o PV, por vezes sinalizava programaticamente ou politicamente na direção oposta à da ex-senadora. Plínio falou de operários, camponeses, tansformações políticas, mas a verdade é que não teve tempo para detalhar como seria um governo de classes populares no contexto atual do planeta. Dilma não tinha programa de governo detalhado, pronto ou definido até o segundo turno; se tivesse, não teria caído na armadilha eleitoral do aborto. Visão administrativa ela obviamente, como cabeça do governo Lula, tinha e tem, mas uma coisa é saber governar, outra é saber convencer a população disso. O PT, embora tenha vencido a eleição, não deu a importância devida a esse contrato programático do governante com o governado, que é um lastro de confiança republicano, e que deveria pautar definitivamente as escolhas políticas que fazemos.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Balanço da eleição - 3 - O menosprezo do adversário

Na comunidade "Brasil" do orkut, em dezembro de 2009, um gaiato resolveu comemorar a imensa dianteira que o candidato José Serra tinha nas pesquisas. A essa altura, o tucano pontuava 44%, adjetivados como "inacreditáveis" pelo membro que abrira o tópico.
Quando a eleição se definiu, no segundo turno, em novembro de 2010, Dilma cravara 56% nos votos válidos, contra 44% de Serra. Um petista sacana ou espirituoso deu um "up" no tópico de quase um ano antes, brincando com os números que apareciam nas pesquisas. Gozador, ele encarnava no internauta que saudara os percentuais de Serra, chamando-o de profeta e elogiando a capacidade de acertar índices com tanta antecedência.
O episódio citado serve para mostrar uma das características que fizeram desta uma eleição singular. A verdade é que Serra não acreditou em Dilma, o PSDB não levou a candidatura dela a sério e os gurus políticos do partido erraram monstruosamente ao pensar (e por vezes declarar sem nenhum pudor) que a boa avaliação do presidente Lula não transferiria votos. Faltou aquele bom senso básico de entender que uma eleição só "esquenta" quando os candidatos se definem e passam a ser conhecidos dos eleitores. E mais: faltou respeitar Dilma e o PT. Em certo momento, parecia que os marqueteiros tucanos tinham nos bolsos e nas mangas as fórmulas mágicas que pulverizariam, com denúncias e comparações, toda a possibilidade de Lula fazer seu sucessor. Não se pode tratar assim uma força política da dimensão do PT. Goste-se ou não, o adversário tem força, tem peso, tem armas. Minimizar o potencial eleitoral do outro é um passo para a própria destruição.
E não é que isso aconteceu também com a própria candidatura vencedora? A um mês da eleição, pesquisas indicavam uma diferença gigantesca de Dilma em relação a Serra, advinda de um crescimento assombrosamente rápido. Muitos acharam que o jogo tinha acabado. Eu conversava com petistas de carteirinha e outros menos exaltados, e a sensação geral era de que a rejeição de Serra e a percepção popular de Dilma como continuidade de Lula haviam estabelecido um quadro praticamente irreversível. E foi então que Serra reagiu. Mudou seu programa na TV, parou de tentar associar-se a Lula, partiu para ataques mais inflamados e, principalmente, arquitetou uma subcampanha de bastidores das mais baixas já presenciadas, mas das mais eficientes, sem dúvida. Os marqueteiros de Dilma não deram bola; li recentemente uma entrevista com João Santana, inteligência maior da campanha, em que ele revelava que acreditou na vitória em primeiro turno até o dia da apuração*. O PT tomou um susto com o resultado das urnas, e quase que não reage a tempo diante da chacoalhada. Serra tinha muitos problemas como figura pública de presidenciável, mas menosprezá-lo, duvidar de seu potencial e, sobretudo, não se preparar para um desespero-vale-tudo na reta final por parte dele foi ingênuo demais por parte da campanha de Dilma.
Menosprezar o adversário nunca é bom negócio, porque as forças políticas que se apresentam numa campanha têm história, têm ideias, têm simpatizantes, têm espaço conquistado na democracia. Como diria Luxemburgo: "não tem time bobo mais, não!".

* Justiça seja feita. Rodrigo Vianna e Renato Rovai, blogueiros pró-Dilma, tinham visões sensatas e sabiam dos perigos do otimismo desenfreado de antes do primeiro turno.

domingo, 14 de novembro de 2010

Balanço da eleição - 2 - A campanha da mídia

Já se passaram alguns dias do final do processo eleitoral brasileiro de 2010, e parece-me que muitas das ondas de excitação e inquietação já se abrandam. Entretanto, guardo como incômodo permanente e não sanado pelos resultados de outubro e novembro a percepção de que algo precisa mudar em relação à chamada grande imprensa.
Creio que esta talvez tenha sido a última eleição presidencial que ainda poderia ser decidida pelos grandes veículos (Globo, jornalões, Record, megaportais de internete). Em 2012, nas eleições municipais, o perfil já será outro. Em 2014, acredito que a internete já terá criado estruturas muito mais sólidas de manejo de informação, e que estará acessível a muitos mais brasileiros. Em 2010, entretanto, o quadro não era tão descentralizado. As conversas com as pessoas no trabalho, nos encontros e nas ruas evidenciavam que ainda são poucos os que leem os blogues de política, ou espaços alternativos de discussão de ideias, e que, quando leem, dificilmente trazem para o debate face a face as argumentações lidas, porque não reconhecem nessas fontes a mesma credibilidade de outros veículos mais tradicionais. Ou seja: é socialmente conveniente comentar numa roda algo que passou no Jornal Nacional ou no Globo Repórter, mas uma informação de um blogue terá menos impacto, porque a audiência na rede é mais dispersa.
Curiosamente, em setembro, eu participara de um fórum de debates de blogueiros e percebera otimismo a respeito das possibilidades para uma nova imprensa jornalística a partir das revoluções digitais da última década. Havia confiança geral de que a movimentação dos blogues na internete poderia fazer contrapeso às distorções propositadas e tendenciosas que a grande mídia veiculava, e de que isso já estaria acontecendo neste ano.
Creio que houve empolgação demais, e pouca cautela. Rodrigo Vianna, do blogue O escrevinhador, e Luiz Carlos Azenha, do blogue Vi o mundo, ambos ex-jornalistas da Globo, não estavam tão otimistas, e tinham toda a razão. O que se viu no segundo turno foi exatamente o contrário do que se dizia entre os blogueiros: as distorções, as calúnias e a falsa informação se disseminaram justamente pela rede, em apoio ao que repercutia a grande mídia, ou até mesmo sem lastro lógico com ela. A grande dose de contaminação negativa e de má fé da informação eleitoral foi ministrada por usuários das facilidades mais banais do mundo virtual, como listas de e-mails, multiplicadores de mensagens para redes sociais, blogues anônimos e afins. As campanhas mostraram-se despreparadas para lidar com esse material difamatório e, mesmo com todas as possibilidades de acesso à informação qualificada que se tem nos dias de hoje, muitas pessoas repercutiram esse lixo pseudojornalístico.
Mas talvez o grande fator complicador deste processo eleitoral tenha sido mesmo o comportamento francamente tendencioso de uma parcela considerável de nossa mídia. Não é segredo para ninguém que o Estadão declarou apoio a José Serra ainda antes do final do primeiro turno, numa atitude correta e esclarecedora. Esse foi um apoio explícito de um meio de comunicação. Houve também apoios não-explícitos, como os da Folha, da Veja, das Organizações Globo. Qualquer dos leitores ou espectadores desses veículos concordará com a constatação de que eles estiveram, embora não declaradamente, muito mais próximos da candidatura Serra que da candidatura Dilma. Não chego a ver grande problema nisso, embora considere que não declarar apoio quando se apoia tão evidentemente é uma cautela inútil. Para mim o problema consiste na distorção de fatos e no desequilíbrio das coberturas. Que um órgão de imprensa declare, ou deixe quase declarado, apoio a X ou Y, vá lá. Mas que deturpe fatos, crie montagens fictícias, apresente dados sem verificação, enfim, que DESINFORME o cliente em função da linha editorial, isso é inadmissível. E foi justamente isso o que mais aconteceu, chegando às raias da insanidade, como no caso que gerou o #Dilmafactsbyfolha do Twitter, ou a ficha falsa do DOPS, ou os sete minutos no Jornal Nacional para provar que um objeto maior que uma bolinha de papel havia sido atirado na cabeça do candidato Serra. Se, nas lidas da perscrutação jornalística, se encontrava um problema de extensão real e investigação indispensável, como o das quebras de sigilo, a atuação dos jornalistas limitava-se a estender a repercussão até o ponto em que se pudesse prejudicar a candidatura não preferida; depois, quando se percebia que a coisa poderia ficar feia para os dois lados, simplesmente não se investigava mais. Jornalistas podem e devem ter opinião, ter ideias, ter posicionamentos. Mas não podem fazer campanha dentro do espaço jornalístico, sob pena de perda de credibilidade.
Haveria, entretanto, uma saída honrosa para que se pudesse revelar posicionamentos a partir da informação, ao invés de revelar informações a partir de posicionamentos. A saída seria a explicitação de uma agenda editorial, de uma pauta de valores e princípios que fundamentasse certa lógica de raciocínio e argumentação de produtores de conteúdo. Mas não temos isso na imprensa brasileira em geral. Temos adesões e repúdios, mas não discussão de ideias, de propostas, de projetos. As linhas editoriais são simpatias partidárias, o que coloca a discussão num nível emocional, sentimental, de afecções. Nesse nível, o debate racional fica prejudicado, inclusive a necessária presença da antítese para a produção dialética do conhecimento. A demissão de Maria Rita Kehl do Estadão, por publicar artigo discordante da linha editorial do jornal, mostra o quanto essa postura irracionalista pode ser perigosa para o pluralismo de ideias. Com uma agenda explícita e bem concatenada no lugar de uma postura maniqueísta, o jornal poderia abrigar posicionamentos discordantes em suas páginas sem percebê-los como uma ameaça aos valores que defende ou sustenta.
Mas é o viés irracionalmente tendencioso de nossa mídia que vem predominando, e isso não se relaciona exclusivamente com o período eleitoral. A campanha começou antes da campanha, creio eu. Não há outra forma de explicar a enorme abertura dada a jornalistas e articulistas tão francamente engajados quanto os que vimos encontrando em rádios, TVs, revistas e jornais. Há posições governistas e antigovernistas, há simpatias e antipatias, concordâncias e discordâncias, que se revelam nas intervenções, nas análises, nas reportagens. Mas há posturas inacreditáveis, que redundam em situações que beiram a insustentabilidade. É possível entender o que motiva um jornalista de economia a criticar sistematicamente o governo Lula durante oito anos, mesmo com todos os indicadores apontando para bons resultados? Ou um jornalista de política colocar todas as suas fichas na desarticulação e esfacelamento da candidatura governista num contexto de aprovação recorde do presidente da República? Má fé ou incompetência? Seja o que for, isso tem feito mal à imprensa. As coberturas são desequilibradas, as análises são desequilibradas, e qualquer um que releia revistas e jornais de um ano atrás perceberá que há mais expectativas e apostas sem nenhum lastro de lógica que prognósticos sensatos e conscienciosos. Dar espaço jornalístico de comentários políticos a uma figura esquizofrenicamente antipetista como Reinaldo Azevedo, para ficar apenas com um exemplo, é como dar ao torcedor fanático de um clube a prerrogativa de comentar, como se fosse especialista, aspectos técnicos de uma partida de futebol. Pode-se conseguir uma linguagem mais próxima do leitor/ouvinte/espectador, mas a análise será, invariavelmente, medíocre. Talvez seja interessante, nesse sentido, uma pesquisa séria e bem dirigida sobre o que foi dito na imprensa por esses pseudoespecialistas no decorrer dos últimos dez anos e o que aconteceu de fato: quais análises conseguiram detectar problemas e tendências verdadeiramente relevantes, quais fizeram água nas muitas ondas que quebraram na praia.
O resultado desse mau jornalismo crônico foi a criação de uma subagenda, oculta, mas onipresente, no decorrer dos anos. Nessa subpauta, surgiram itens que beiram a aberração. No esforço de crítica a todo custo, certas manobras, de tão irracionais, criaram espaços vazios de reflexão, e impossíveis de serem preenchidos com uma pauta positiva, real, que servisse a uma eventual candidatura a ser posteriormente referendada pela mídia e seus interesses. Exemplifico: houve, todos se lembrarão, um esforço dramático e quase paranóico de se culpabilizar Lula pelos acidentes aéreos da TAM e da GOL. A verdade é que a responsabilidade federal nesse caso fica completamente diluída no emaranhado de falhas, problemas e infelizes coincidências que resultaram nessas tragédias. Mas ainda que se possa atingir a imagem de um presidente ou de uma administração com essa proposta, a contraproposta, que faria o papel de pauta positiva, a ser assumida por uma oposição, não funciona. Porque, ainda que haja falhas na esfera federal no setor aéreo, sanar essas falhas não garante que acidentes não mais acontecerão. Nenhum candidato de oposição poderia propor isso, ou afirmar que sua eleição evitaria que aviões caíssem. Isso, obviamente, pulveriza qualquer tentativa de culpabilização exclusiva, porque não é possível excluir os outros fatores que não estão ao alcance do governo. Portanto, não há agenda positiva viável para essa pauta, que é, por sua natureza, deletéria e ideologicamente ineficiente. Mas é curioso notar que, mesmo em relação a temas relevantes, a produção de antipauta não conseguiu promover o estabelecimento de uma pauta positiva. Exemplo: houve também grande esforço de divulgação de escândalos pessoais e financeiros envolvendo figurões que apoiaram o governo, como Sarney e Renan Calheiros. É, sem dúvida, papel da mídia fiscalizar o Legislativo e denunciar todo o tipo de falcatrua que acontece por lá. Mas seria ingênuo crer que essa investida contra as lideranças governistas não tivesse também motivações outras (quem não se lembra do frenesi da imprensa com a eleição do inepto oposicionista Severino Cavalcanti para presidir a Câmara dos deputados e de sua decepcionante queda por falcatruas do mesmo naipe?). Do ponto de vista de uma pauta positiva, isso deveria ressoar no leitor/ouvinte/espectador como um "não a esses velhos medalhões da corrupção", bordão saudável e valoroso. Entretanto, como pode um candidato oposicionista defender essa ideia sem comprometer apoios de campanha e até aportes financeiros? Como saber se uma dessas figuras, saindo do barco dos governistas, não poderia passar para a oposição? Nesse caso, como lidar com as críticas veiculadas? Como lidar com os palanques? O candidato teria de assumir uma postura de "corrupção zero" ou "zero escândalos", ou que é praticamente impossível, pois não tem poder sobre o arbítrio dos homens, nem certeza absoluta sobre suas personalidades, nem conhecimento pleno sobre suas histórias pregressas, nem independência de fato em relação a suas esferas de influência. Uma postura desse tipo se esfacelaria diante da primeira denúncia minimamente fundamentada. E os veículos de comunicação não têm como criticar apenas um dos lados, ignorando completamente o outro, sem incorrer no perigo de atingir futuros aliados ou poupar perniciosos homens-bomba, além, é claro, de perder a credibilidade. A luta contra corrupção é um item de agenda positiva; a luta contra a corrupção praticada por aliados do governo seria um subitem. Mas o subitem sozinho não se viabiliza, se o silêncio de condescendência o contradiz.
Há que se ressaltar, ainda, que essa postura tendenciosa da imprensa tradicional teve efeitos na nova mídia, com o crescimento do número de blogues de campanha, tanto de um lado quanto de outro. Parece-me, entretanto, que o debate na internete foi muito mais democrático, embora igualmente radicalizado e muitas vezes tão passional quanto o dos grandes veículos. É que a internete é descentralizada por natureza, e a audiência depende em muitos casos mais da relevância dos textos que do peso do veículo que os divulga. Mas mesmo na velha mídia houve uma reação à postura de "torcida organizada". Carta Capital, Isto é, Record claramente se contrapuseram a Veja, Época, Globo. Capas atrás de capas respondiam-se mutuamente. Matérias atrás de matérias sacudiam redações e estúdios. Em certa medida, isso pode parecer positivo, como um indicativo de que os espaços podiam tender ao equilíbrio. No entanto, o que se viu foi, muitas vezes, um acirramento da postura partidária, gerando caldo ainda maior de desinformação e passionalidade. Se isso era necessário em nome do debate, para compensar uma investida completamente afinada com a candidatura da oposição, é algo a se considerar. Mas o que ficou foi um recrudescimento da sensação de desequilíbrio, de apego partidário, de excitação desarrazoada.
Não acredito que os próximos anos verão cobertura midiática similar de eleições presidenciais. A tendência é uma mudança radical, embora não tão imediata, das formas de circulação da informação jornalística, associada ao aumento dos usuários das tecnologias digitais. Os grandes jornais não vão morrer, a TV provavelmente ainda centralizará a maior parte das atenções, mas haverá mais e melhores canais de expressão de ideias para mais pessoas, dentro e fora da política. Os veículos de comunicação têm a obrigação ética de fazer melhor do que fizeram neste processo eleitoral, com mais equilíbrio, ponderação e integridade, e têm o compromisso de dar um salto de qualidade em seus projetos editoriais, sob pena de perderem espaço para os milhões de pequenos formadores de opinião que estão chegando.

sábado, 6 de novembro de 2010

Balanço da eleição - 1 - A campanha do medo

Talvez seja inútil reproduzir neste espaço o que já foi escrito sobre o baixo nível geral desta campanha presidencial e a transformação dos candidatos em entidades ameaçadoras e potencialmente monstruosas. As análises dos diversos cientistas políticos podem dar conta dessa lástima com muito mais recursos de argumentação. Apenas ilustrarei essa constatação deplorável com relatos de experiências pessoais relacionadas ao pré-eleição.
Quando apareceram os primeiros escândalos midiáticos, relacionados a quebras de sigilo e coisas afins, percebi que o debate político, que até então vinha pontuando as discussões dos candidatos, estaria em breve abandonado. Percebi isso não em função dos escândalos em si, mas da forma como foram veiculados, como se fossem os pontos cruciais para a decisão definitiva do eleitor. Resolvi abster-me desse debate, porque não levaria a nada. Eu estava, então, com receio de que essas picuinhas administrativas tomassem o lugar das necessárias exposições de propostas sobre educação, habitação, saúde, transporte, recursos energéticos, agricultura.
Foi uma intuição, mas que me deu apenas o aviso de "caia fora". O que vinha depois disso era muito, muito, muito mais tenso, grave e absurdo do que eu pudera captar. O que vinha não era simplesmente a colocação das pautas em segundo plano, mas a destruição absoluta de tudo o que pudesse ser programático na campanha. Uma catástrofe do ponto de vista das ideias. Uma vergonha.
A cada dia, eu, que já sabia em quem ia votar desde julho, sentia-me mais intensamente derrotado, achacado, agredido. Não foi só não ter escrito no blogue durante esse período: eu deixei de falar com as pessoas, eu deixei de discutir política, eu deixei de acompanhar os programas eleitorais e a internete. Eu não conseguia ler absolutamente nada. Cada vez que lia alguma matéria, ficava arrepiado, depois tenso, depois desesperado. Os fantasmas do machismo, do fascismo, da calúnia, da antipropaganda dominavam meus sentidos e meu coração. A campanha me fazia mal, posso afirmar com segurança. Conhecendo meus limites, me afastei tanto quanto pude.
Foi um enorme sofrimento. Eu queria discutir questões relevantes, eu queria conversar a respeito dos programas, eu queria participar do processo com alguma contribuição conscientizadora. Simplesmente não consegui. Sentia-me impotente, sem forças, sem ânimo. Cada sentença ameaçadora ou irracional proferida por alguém me colocava em estado de alerta, me corroía interiormente. Lamento muito constatar, mas passei o fim da campanha em absoluto silêncio, e sei que isso não é meu normal. Eu estava com medo, muito medo. Ao meu redor, uma verdadeira guerra, e eu incapaz de levantar as mãos para pedir que o tiroteio cessasse.
Há pessoas que, em situações semelhantes, dão o melhor de si, porque são justamente guerreiras, aguerridas, beligerantes. Elas dão a cara para bater porque conseguem devolver e restabelecer o equilíbrio de forças. Não é o meu caso. Eu apanho e sofro, tenho dificuldade em agredir.
Meu caminho foi esconder-me e bolar um mantra mental, aquecido por uma voz interior: está tudo bem. Se meu candidato ganhar, não acontecerá nada do que está sendo previsto. Se o outro candidato ganhar, não haverá alterações tão drásticas. Está tudo bem, eu me dizia. Nenhuma catástrofe à vista. Nenhum monstro. Nenhum demônio. Nenhuma desgraça. Apenas seres humanos, com seus erros e acertos, e suas crenças e descrenças, disputando a condução do meu país. Seres que, por mais que fizessem, não conseguiriam destruir aquilo que os últimos anos haviam trazido de bom. Está tudo bem, eu ouvia lá do fundo do coração.
Embalado por essa fé cega e irracionalista, atravessei todo o período de anticampanha evitando ao máximo contagiar-me pelo clima que me cercava. Não posso dizer que consegui, apenas que sobrevivi psicologicamente. Mas estou cheio de sequelas, como se tivesse saído de um massacre. Em 31 de outubro, saí menor que quando entrei.
Mas saí, enfim.
E pude, então, relembrar fatos que me indicavam o quanto esse clima estava realmente no ar, e as outras pessoas também o captaram.
Pude lembrar da imagem que eu tinha de Dilma Roussef, a da resposta brilhante à maliciosa intervenção de Agripino Maia, defendendo os que, como ela (e Serra também, que fique claro), lutaram pela democracia que justamente permitiu a eleição da qual participava. E o momento da campanha foi o de esconder essa Dilma, em função da pejorativa associação sustentada pela mídia entre esses combatentes da ditadura e tudo o que de mais nefasto se poderia afirmar deles. A Dilma de que eu lembrava ficou guardada no bolso ou no cofre da Dilma que eu via nos debates e na propaganda eleitoral. O medo de perder diminuiu Dilma.
Pude lembrar também do José Serra de anos atrás, homem duro, obstinado, teimoso, mas com o discurso calcado em valores democráticos e história política marcada pela competência de administrador, bem entendido, naquilo que se propunha a fazer. Um homem que eu não temia. Um homem que lamentei não ter disputado com Lula a eleição anterior, pois considerava mais apto à disputa que Alckmin. Um homem que, se me dissessem em 2002 que um dia chegaria à presidência, não me causaria estranheza nem repugnância. O momento da campanha foi o de esconder esse homem, e mostrar um Serra destemperado nas agressões, desastrado nas teatralizações, e associado ao que havia de pior no conservadorismo brasileiro, inclusive o fundamentalismo religioso e as estratégias mais rasteiras de subcampanha. Tenho certeza de que o Serra presidente não poderia ser assim, mas esse estava guardado no bolso ou no cofre do Serra orientado por marqueteiros e desorientado pelo comportamento obsessivo. O medo de perder diminuiu Serra também.
E então saquei que os que as pessoas discutiam nas ruas, nas casas, nos ambientes de trabalho, era irreal. As pessoas discutiam dois candidatos diminuídos, reduzidos a estereótipos e frases feitas, que não podiam encarnar, dessa forma, os valores que sempre defenderam em suas trajetórias políticas. Sem nada a perder, e portanto não diminuída pelo medo de perder, só Marina cresceu nesse mar de lama.
E percebi também que os diálogos refletiam esse desentendimento geral das pessoas. Quando conversavam os meus colegas professores, entre os intervalos de aulas, justificavam suas escolha sempre na base do medo. Quem ia votar em Dilma, era por medo do Serra. Quem ia votar em Serra, era por medo da Dilma. Eu mesmo estava percebendo que, se tivesse entrado nesse clima, teria definido meu voto pelo medo. Eu, que sempre fora tão racional nessas escolhas.
E esse desentendimento geral tomou formas várias. Não houve espaços de análise desapaixonada nem na internete (nos blogues que eu vinha lendo) nem na mídia tradicionalzona, nem em lugar nenhum. As mentiras, calúnias, estereótipos e fantasmas eram repetidos por quem já tinha decisão tomada, e eram quase só o que era oferecido aos indecisos, mais os confundindo.
E todo mundo bebeu desse medo de uma forma que quase esquecemos de que o desemprego diminuíra, o Brasil crescera, passáramos muito bem pela crise e as perspectivas eram e continuariam sendo as melhores.
E o saldo dessa cruel descampanha eu pude perceber, em forma de síntese, num diálogo coletivo que travei com meus alunos da faculdade, depois do segundo turno. Eles me perguntaram se eu estava feliz com o resultado da eleição. Eu disse que sim, mas que estaria bem se o resultado fosse outro também. E então eles ficaram, percebi, um pouco desnorteados na discussão, porque esperavam uma intervenção apaixonadamente positiva ou negativa, como as que eles estavam preparados para fazer. E efetivamente fizeram. Diziam que tudo iria para o buraco com Dilma, que o país estaria muito mal. E os que votaram em Dilma diziam que estava tudo ruim, mas ficaria muito pior com Serra. Percebi aquela sombra e fiz uma fala estranha, mas necessária. Eu disse que estava tudo bem. Que não havia catástrofes à vista. Nenhum demônio. Nenhuma desgraça. Nenhum monstro. Todos eles tinham morrido com a campanha. Restava-nos a civilidade e cidadania de respeitar a decisão de milhões de brasileiros e torcer para que as coisas dessem certo, no país, no Estado, na cidade, independente de nossas torcidas políticas. E que tudo indicava que isso iria acontecer.
Esse momento foi o da minha regeneração. Numa campanha em que a emoção esmagou a racionalidade, só mesmo a minha voz intuitiva interior para tentar redirecionar o pensamento político dos meus alunos para caminhos sadios. Veja só: talvez essa vivência do medo tenha servido para algum aprendizado útil a longo prazo. Pelo menos, passada a tempestade ideológica, tenho alguma reserva intelectual para cuidar dos feridos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Balanço da eleição - plano de postagens

Estou de volta de um período de hibernação, cumprindo a promessa de não tocar em assuntos de política durante os processos eleitorais. Acabei, na verdade, não tocando em assunto quase nenhum, porque foi um período cansativo, tenso e extremamente ocupado. Mas creio ter recolhido alguns cacos de compreensão a respeito do que aconteceu, e sinto poder poli-los nos próximos textos. Escreverei sobre:

1) a campanha do medo;
2) a campanha da mídia;
3) o menosprezo ao adversário;
4) a ausência geral de programas;
5) a questão do aborto;
6) as derrotas da democracia;
7) as pesquisas;
8) o presidente Lula;
9) a religião e o estado laico;
10) as escolhas que fiz e por que as fiz.

Sobre o caso da bolinha de papel/fita crepe, escreverei em outro blogue, porque penso analisá-lo em comparação com casos similares que observei na escola pública.

Começo amanhã.

domingo, 19 de setembro de 2010

A queda - Mário de Sá-Carneiro

A queda

Mário de Sá-Carneiro

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesoiro,
Morro à míngua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços de alma - e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra - em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
- Vencer às vezes é o mesmo que tombar -
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...

............................................

Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...

SÁ-CARNEIRO, Mário de. Todos os poemas. Organização: Alphonsus de Guimaraens Filho. Rio de Janeiro, J. Aguilar; Brasília, INL, 1974, pp. 62-63.

sábado, 18 de setembro de 2010

Meus quinze filmes marcantes

Participando de uma brincadeira no Facebook, fui instado a escrever sobre 15 filmes marcantes. Era para ser rápido, os 15 primeiros que viessem à cabeça, ou algo assim, sem pensar muito. Mas essas coisas muito espontâneas me travam; ou então, quando consigo escrever tudo assim, de sopetão, automático, fico com vontade de me justificar sobre o que escrevi. É por isso que, depois de escrever a lista e mandar para 15 amigos da minha rede (que era a brincadeira), resolvi colocar no meu blogue uma postagem sobre o assunto (que é a justificação da participação na brincadeira - eita cara chato que sou para essas coisas!). Aí está ela:

O poderoso Chefão - parte 2 - Copolla

Perfeito. Al Pacino apaixonante. Casamento sem reparos entre duas estórias de grande impacto e beleza. Violência e corrupção no limite da indignidade, mas abordadas de forma a tornarem-se antítese da defesa da família, até o ponto de transformar essa contradição em algo de impossível superação.

Fanny & Alexander - Ingmar Bergman

Vi uma vez quando era adolescente. Fiquei impressionado com cada cena, a força das personagens, os cenários, os diálogos, mas não entendi nada de nada. Vi uma segunda vez mais velho, depois da faculdade. Fiquei novamente impressionado com tudo, quase da mesma forma que na vez anterior, e até consegui entender um pouquinho. Bergman realiza esse milagre incomum: nossa compreensão dos mistérios da obra parece em nada afetar a força com que ela nos pega. Tenho a impressão de que sempre verei esse filme pela primeira vez.

Vidas amargas - Elia Kazan

Vi várias vezes, nas madrugadas de insônia. É um filme perfeito, doloroso, melancólico, com forte carga emocional. James Dean faz miséria, mas o elenco todo é muito bom. Genial intertexto com o mito bíblico de Caim e Abel. Talvez um dos grandes filmes para se refletir sobre relações humanas e a precariedade da estrutura emocional dos indivíduos.

2001 - Stanley Kubrick

Este é um filme espetáculo por excelência. Feito para impactar, para embasbacar, para enlevar. Arte pura. O enredo é detalhe, o entendimento é desnecessário; mas isso só é possível porque a obra é do porte que é.

Barry Lindon - Stanley Kubrick

Mergulho na Europa pré-iluminista, este é o mais injustiçado filme de Kubrick. Eu o coloco como uma obra-prima inquestionável, perfeita, impressionante. Para além da reconstrução histórica, ele propõe a indagação a respeito dos valores que guiam uma história de vida. Dentro desse contexto, nada falta: questionam-se o casamento, as amizades, o amor, a violência, o interesse, a ganância, a paternidade, a decrepitude. Recomendo.

Cinema, urubus e aspirinas - Marcelo Gomes

Melhor filme brasileiro que vi nos últimos anos, fundamental para se pensar os diálogos entre culturas e a realidade de um país como o nosso. A estória é conduzida de maneira humana, sensível e sagaz. Pequenas malandragens e grandes gestos compõem personagens profundas e fortemente relacionadas aos povos que simbolizam. Lindo.

Beleza americana - Sam Mendes

Filme que mereceria dois Oscar, o do ano em que foi lançado e o de qualquer outro ano da década de 90 ou de 00 em que concorresse com qualquer outro filme. Creio que já virou um clássico, mas ainda não perdeu seu charme e sua capacidade de inquietar. Kevin Spacey impecável.

A dama de Shangai - Orson Welles

Aluguei esse há tempos atrás, e concordo com minha mulher: Welles é tremendamente charmoso. Até mais que Rita Hayworth (embora ela seja, obviamente, muito mais bonita). E sua concepção de cinema é apaixonante. Eu poderia colocar Cidadão Kane no lugar deste aqui, mas a lista é dos que mais marcaram, não dos que mais impressionaram. E a cena dos espelhos não sai da minha cabeça.

O falcão maltês - John Huston

Comprei esse naquela coleção da Folha de História do Cinema. Que trama, que peripécias! Você não consegue tirar o olho da tela. É daqueles filmes que, com poucos recursos técnicos, sobram em matéria de recursos estéticos.

Era uma vez no oeste - Sergio Leone

Mistura de música de primeira, protagonista feminina belíssima, mocinho e vilão cativantes, cenas tensas e coadjuvantes dramaticamente bem construídos, é o melhor filme western dos que pude ver. O clima é a grande sacada, penso eu. O resto, vem como consequência.

O touro indomável - Martin Scorcese

Scorcese transformou a biografia de um lutador num amargo questionamento sobre os sucessos e infortúnios da vida, e fez isso com a força das imagens. Um dos filmes que mais me fez sofrer, e pensar. A citação bíblica do final é, na minha opinião, o mais intenso arremate escrito de um filme, à exceção de Barry Lindon.

Os esquecidos - Luis Buñuel

Obra antológica, é um grito de desespero de personagens excluídas, e um tapa na cara no espectador acomodado. Tanto é que nunca consegui revê-lo, embora o tenha comprado em DVD.

Os idiotas - Lars von Trier

Não sei se entendi esse filme em sua essência, mas, se não entendi, pelo menos contruí para ele uma função na minha consciência, que foi a de remexer minhas inquietações a respeito da responsabilidade individual diante das outras pessoas e da sociedade. Nesse sentido, é o mais perturbador de todos os que vi. (correção tardia: não é não, tem o Elefante do Gus van Sant, que não coloquei na lista por puro esquecimento).

O feitiço do tempo - Harold Ramis

Uma graça, perspicaz, inteligente, leve, comovente. Um pouco injustiçado pelas premiações da vida afora, um pouco marcado pela carinha de filme B. Mas é daquelas produções que souberam tirar leite de pedra em relação às suas limitações.

Quiz show - Robert Redford

Aqui, jogo entre os dois protagonistas é tudo, e sustenta todo o resto da trama. Sem explicitar a mútua admiração de herói e vilão, humanizando e desumanizando sutilmente cada um deles, esta película ganhou uma aura toda especial, graças à inteligente direção de Redford. Fica melhor a cada revisão.

Antes de terminar de escrever, já me vieram à cabeça pelo menos outros quinze que eu poderia colocar aqui. Deixo-os para outra brincadeira. Ou postagem.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Caçador de promoções

Não seria justo definir-me como um rato de livraria. Um rato de livraria é uma pessoa que passa longo tempo folheando livros, lendo capas, contracapas, capítulos, orelhas, tudo o que possa qualificar aquele material como importante ou desimportante. Um rato de livraria tem tempo, disposição e dinheiro para garimpar coisas boas e que valham a pena.
Eu não sou assim. Eu sou, na verdade, compulsivo para comprar livros. Eu não espero muito para decidir o que vou levar. Meu paladar não é apurado, quero experimentar de tudo um pouco, e acabo comprando mais do que posso ler, quase sempre, projetando que algum dia eu vá ter tempo de usufruir daquilo que adquiri.
Ao mesmo tempo, sendo professor, sou um assalariado brasileiro comum, com um salário bem distante dos mais altos do mercado. Isso me impede de comprar tudo o que vejo na frente: limito-me pelo bolso, não pelo exame atento da necessidade ou utilidade dos livros que quero. Sempre coloco na minha cabeça máximos a pagar por um livro, e dificilmente extrapolo essas determinações.
Mas como a compulsão não vai embora, a mente sempre encontra um subterfúgio para deixá-la aflorar. Esse subterfúgio no meu caso chama-se PROMOÇÃO. Sou um caçador de promoções de livraria. Entro na Nobel, na Saraiva, na Martins Fontes, e já vou direto farejando o que está abaixo do preço normal. E aí, perco a cabeça.
A última foi na Livraria Nobel do Shopping Frei Caneca. Tinha alguns minutos para perambular por lá, andei um corredor, andei outro, e de repente, pimba! Estante da promoção: todos os livros por dois reais. Aquela vozinha da consciência espetou minha orelha para dizer "controle-se, Vinicius, não vá fazer nenhum abuso, há contas a pagar e você está quase sem tempo de ler até mesmo o que você usa nas aulas". Era verdade. Decidi ser racional, dar vez ao meu bom senso. Prometi que não me excederia de maneira alguma. Combinei comigo mesmo que só levaria o imprescindível, o que estivesse tão inacreditavelmente barato e fosse tão relevante que não poderia ser deixado ali sem arrependimento.
O resultado? Treze livros comprados, com promessa e tudo. Total de R$ 27,00 (tinha um de três reais). Excelente aquisição, sem dúvida (João Cabral de Mello Neto, Cartas do Carlos Lacerda, livros sobre autonomia na escola, coisas bem legais). Mas a pergunta que não quis calar quando cheguei com tudo aquilo em casa era: você vai ler todos? Vai ter tempo de pelo menos sapear cada um deles? Ou vai deixar tudo na estante esperando o dia do juízo?
Sinceramente, é improvável que eu os leia todos de capa a capa. E creio que alguns deles eu nunca compraria se não estivessem em promoção. Foi mais um ato impulsivo de um leitor omnívoro, um desejo irrefreável de, como diz a canção de Caetano, "guardar o mundo em mim". Penitencio-me nesta postagem. Tenho de mudar.
Mas ainda não consigo me arrepender. Duro, né?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Até outubro

Não escreverei sobre política neste blogue até o final de outubro. Os últimos acontecimentos veiculados pela mídia fizeram-me muito mal. Já decidi em quem votar, e considero o cúmulo da estupidez ficar discutindo quem é o vilão ou o mocinho, quem cumpre as regras ou trapaceia, quem é algoz ou vítima. Cadê os planos de governo? Cadê as pautas? Cadê a postura civilizada?
Para mim, acabou. Voto e espero o resultado. Depois, me pronuncio.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Parabéns, Corinthians

Estava indo trabalhar, descendo a rua da Consolação, e percebi uma movimentação estranha, comum em dias de jogo mas não muito frequente em dias sem futebol. Não havia me dado conta de que era aniversário do Corinthians.
Fiquei impressionado com a circulação de pessoas no Anhangabaú. Não apenas pela quantidade, mas também pela intensidade. Mesmo quem não é corintiano, como eu, contagia-se dessa alegria explosiva em algum momento. Gente cantando, pulando, comemorando, como se fosse um título.
E na verdade, é mais que um título. Chegar aos 100 anos é uma grande vitória para qualquer instituição em qualquer área. O Corinthians centenário é parte da história da cidade. São gerações e gerações que, em tempos diferentes, por diferentes razões e com diferentes expectativas, alimentaram essa paixão.
Não estão em questão as conquistas, os números, os troféus. Torcer é saber ganhar e saber perder (embora eu não esteja convencido de que as pessoas venham tendo essa compreensão ultimamente). O que está em questão é a paixão, a parte mais bonita do espetáculo cultural do futebol, da cultura do futebol. Quero esquecer, hoje, que essa paixão tem sido manipulada por interesses escusos, e que, mal trabalhada, transforma-se em violência, a morte do esporte enquanto experiência social. Quero lembrar apenas do lado bonito, vibrante e envolvente, da identificação mútua desses milhares de jovens e senhores que hoje colocaram suas camisas para homenagear seu clube do coração.
Parabéns, Corinthians!
Nesse parabéns, entenda-se "Corinthians" no sentido amplo, ou seja, a imensa torcida, a história de gerações de torcedores, a fidelidade e o amor pelo time, a instituição propriamente dita, o mito que se formou em torno dessas cores e desse distintivo, tudo isso formando algo maior que a soma das partes.

Que a paixão e a bela história do clube continuem prevalecendo!
Que esses sejam os primeiros 100 anos de sua história!

sábado, 28 de agosto de 2010

Lá vem porrada

Eu sou do tempo da internete discada com computador lento e família toda querendo usar. Talvez por isso tenha desenvolvido alguns ranços ou preconceitos que provavelmente já não fazem sentido para usuários mais familiarizados com a eficiência hodierna da tecnologia.
Uma coisa que ainda não aprendi a tolerar é o que chamo de "mensagem bonitinha" no orkut. Trata-se daqueles recados que vêm cheios de desenhinhos saltitantes e engraçadinhos, com mensagens de alegria ou saudações triviais. Quantas vezes não tive problemas de travar tudo por causa de mensagens assim! Quantas vezes não acordei meus parentes porque as mensagens traziam "musiquinhas" que explodiam na caixa de som antes que eu desse conta da altura do volume! Peguei birra, e adotei um critério radical: elimino todas. É um posicionamento certamente lamentável em relação às pessoas que as enviam de muito boa vontade, com a melhor das intenções, porque têm sensibilidade para essas artes gráficas de internete e querem agradar de alguma forma compartilhando-as. Lamento. Não é pessoal. É quase um ato reflexo de quem cansou de perder tempo com carregamento de imagens pesadas enquanto tentava responder a um recado importante o mais rapidamente possível.
No e-mail, também criei bronca de uma coisa: daquelas mensagens enviadas para toda a lista da pessoa, geralmente recebidas de outro internauta que também as enviou para toda sua lista. Há uma marca distintiva dessas mensagens, que é a primeira que meu cérebro procura localizar. Trata-se do FW:. Quando aparece uma mensagem com FW: na minha caixa postal, eu penso: lá vem porrada. E quase automaticamente olho para a seguinte. Essas são as últimas mensagens que vejo, quando vejo; sim, porque se é algo do tipo "FW: Jesus te ama" ou "FW: a verdade sobre Dilma", eu nem abro. Esse comportamento é resultado de centenas de imbecilidades lidas com a maior atenção em meu tempo de internauta inexperiente, que provocavam a sensação de que, ou quem enviou queria tirar sarro da minha cara, ou não tinha lido com atenção o que enviara. Quase 99% do que recebo com FW: não tem nada a ver comigo, não foi solicitado, já foi lido em outra oportunidade ou é vírus. Automatizei, então, o desprezo por esse tipo de mensagem. Também lamento por esse procedimento. Deixei de ler muita coisa importante em função disso, bem sei. Mas a relação tempo/benefício precisa ser positiva no meu caso, e isso implica, necessariamente, algum critério de seleção.
Se você, leitor, reenviou para mim alguma mensagem dessas que se espalham na internete ou deixou um recado doce, delicado e cheio de pixels na minha página do orkut, e fez isso com a melhor das intenções, eu peço desculpas por ser tão bicho do mato com essas coisas. Mas tenha a certeza de que, se foi algo relevante e isso estava explícito no assunto da mensagem, há grandes chances de que eu tenha pelo menos dado uma olhada. Estou me vigiando para ser menos radical nessa seara cibernética.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O Encontro de Blogueiros e minhas limitações

No grupo em que eu estava, no Encontro dos Blogueiros, estavam Rodrigo Vianna e Lola, do Escreva, Lola, Escreva: gente de peso. A discussão foi muito produtiva, com cada um apresentando seu blogue e a temática a que se dedica.
A certa altura, uma moça, cujo nome me falha, fez uma cobrança interessante. Ela apontou para o fato de haver poucos blogues ligados a movimentos sociais, a lutas de comunidades, a demandas da população carente. Ela disse que se ressentia disso, e achava que, sem esses blogues, acabaríamos sendo uma elite escrevendo para a elite.
Não tenho certeza de que sejamos exatamente assim, pois conheci, no encontro, muitas pessoas simples que blogam e leem com frequência, e estão preocupadas com vários assuntos da comunidade, da política e das lutas locais. Mas, concedendo que isso seja parcialmente verdadeiro, porque a blogosfera de fato não tem tanta variedade desse cardápio politizado e atuante, pensei comigo mesmo se isso não aconteceria por terem sido os blogues, a princípio, criados para funcionarem como diários pessoais, com postagens mais intimistas e opinativas.
Depois, retomei criticamente esse pensamento, admitindo que é possível fazer zilhões de coisas com as plataformas dos blogues atualmente, e me perguntei se, ao pensar assim, eu não estaria me defendendo de ter um blogue pessoal, intimista, opinativo e totalmente individual, em que nada ou quase nada até hoje foi dito sobre lutas sociais ou movimentos de comunidade.
Sim, eu estava me defendendo, porque a carapuça servira perfeitamente. Mas, por outro lado, eu estava aprendendo a reconhecer quem sou por um processo de espelhamento no outro. Todas essas virtudes de engajamento, que tanto admiro em tantos blogueiros, parecem ser carências no meu caso, por mais que eu tantas vezes explicite minhas posições políticas. Devo admitir que uso este espaço e o dos outros blogues que escrevo de maneira autocentrada, individualista, egocêntrica. Uma vez, meu primo me pediu para escrever comigo um blogue de poemas (na verdade, para dividirmos um blogue que eu já escrevia). Eu não aceitei, embora a proposta fosse de fato bacana e rica. Não aceitei porque queria ter controle total, e queria que o blogue expressasse as minhas ideias poéticas e de mais ninguém. Eu queria ver o blogue assim, nem que isso implicasse empobrecê-lo. Eu queria que o blogue fosse meu mundo e nada mais, como na canção de Guilherme Arantes.
Numa outra oportunidade, meu irmão de criação criou um blogue com excelentes ideias de protesto e política e pediu que eu o levasse adiante. Simplesmente não consegui. Não pude criar nada nesse contexto, porque a linha de redação não havia sido definida por mim. E olha que eu concordava com ela quase absolutamente! Mas a questão era outra: não era um espaço só meu, no qual eu estabelecesse as perspectivas de análise, a frequências das postagens, a relevância dos temas. Só isso bastou para que a excelente iniciativa dele ficasse atolada na minha inércia mental.
E por que isso? Não sei bem. Talvez seja a gigantesca necessidade confessional que tenho, num fluxo que não admite interrupções. Talvez seja uma dificuldade de dialogar e trocar ideias, o medo de ser suplantado, de ser questionado, de perceber-se irrelevante diante das preocupações e sacadas dos outros. Talvez eu seja mesmo uma pessoa egoísta, sei lá! A verdade é que alguém por certo oferecerá essa perspectiva militante, atuante e engajada em seu blogue, com espaços de escrita coletiva e abertura para postagens de informação e denúncia. Mas não serei eu. Não sei fazer assim. É uma limitação, sim. E devo aprender a enfrentá-la, a confrontá-la com a realidade de blogueiros como os que conheci no encontro, ao invés de defendê-la com racionalizações justificadoras.

domingo, 22 de agosto de 2010

Impressões do Encontro de Blogueiros - 2010

Participei ontem e hoje do I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas. Verdadeiramente enriquecedor.
Conheci blogueiros de alto nível, como Rodrigo Vianna, Lola, Cloaca. Conversei com pessoas de vários lugares do Brasil. Descobri gente bacana, como a Gilmara, o Sérgio, a Serena. Encontrei até figuras que fizeram parte da minha adolescência, como meu ex-professor Laerte, da Escola Técnica Federal de São Paulo, atual Instituto Federal de Educação.
Destaco dois momentos muito fortes nesse encontro.
O primeiro foi a leitura de uma carta do blogueiro Lucio Flávio Pinto, por seu filho, no sábado. Muito tocante. Percebi o quanto a coragem de denunciar, de enfrentar, mesmo de dizer a verdade pode ter um preço alto no Brasil. A leitura fluiu pesada, comovida, angustiada, e eu passei uns quinze minutos sentindo o efeito daquele texto profundamente revelador. Doeu, mas doeu para o bem, para ampliar a percepção sobre o significado de estar ali.
O segundo foi quando, no domingo, o Rildo, um dos organizadores do nosso grupo de discussão, foi às lágrimas ao falar de sua opção pela formação em Pedagogia, curso que concluirá este ano. Fiquei com vergonha. Não só porque sou um professor já lutando contra o desestímulo e o ceticismo em relação às propostas dos governos. Corei de vergonha porque criei um blogue para falar da valorização dessa profissão tão fundamental e digna, e não consigo fazer isso. Meus textos, já há algum tempo, expressam muito mais indignação e decepção que paixão pelo que faço. Não que a última me falte, mas sinto que tenho tido uma postura muito menos otimista do que julgava poder ter. A fala do Rildo, por algum motivo, trouxe-me luz sobre o porquê de continuar, de seguir adiante, de acreditar apesar de tudo. Foi uma fala que conseguiu fazer o que meus muitos textos não conseguiram, pelo menos em meu coração.
Houve muito mais, sem dúvida. Lembrarei no momento devido. Por ora, quero apenas saudar a vida por mais essa oportunidade de crescimento. Como lição de casa, fica visitar os blogues das belas e inspiradoras pessoas com quem pude conviver por esses dois dias. Trarei novidades sobre isso em breve.

sábado, 14 de agosto de 2010

Criança Esperança: o que é benemerência, afinal?

Eu não sei nada sobre o evento Criança Esperança da Globo. Mas como é uma festa que arrecada dinheiro para pessoas necessitadas, conta com minha simpatia de cara.
Eu não vejo o programa, não gosto dessa coisa de amontoados de atrações musicais cantando uma música só, e isso é problema de bom ou mau gosto meu, e ponto. Mas este ano minha esposa me falou de um problema que não é de gosto ou opinião, e sim de conceito, sobre o qual resolvi escrever nesta postagem.
Vou começar propondo a seguinte situação hipotética: haverá uma festa na escola em que leciono. Essa festa será de benemerência, e contará com a participação de várias pessoas da comunidade. O diretor da escola me convida para participar da organização da festa. Eu disponho de horas livres, e quero ajudar. Vou à festa no horário que disponibilizei. Ele então diz que é necessário colocar uma pessoa na organização interna, para montar as salas em que haverá eventos mais tarde, e que eu poderia fazer isso. Eu digo que não farei essa tarefa, porque ela implicaria que eu ficasse nos bastidores e que as pessoas não me vissem trabalhando. Em decorrência, as pessoas não saberiam que estive presente e não congratulariam meu esforço.
Nessa situação que descrevi, na minha humilde opinião, eu estaria sendo absolutamente grosso e antiético. Por quê? Porque minha atitude caracterizaria tudo, menos benemerência, no sentido de entrega ao próximo, de disposição de ajudar, de altruísmo. Se agisse dessa forma, não estaria demonstrando gostar de ajudar pessoas, ou entender a importância de contribuir com a vida de necessitados. Estaria, sim, vendendo minha participação, e o valor seria minha exposição pública. Ou seja, quando ajo assim, só ajudo enquanto recebo algo em troca. Então, no meu entender, não participo da festa nem por bons sentimentos, nem por apelo de consciência; participo para que os outros pensem coisas boas de mim. Em outras palavras, para me promover.
Ao fazer uma analogia dessa situação hipotética com o Criança Esperança, vejo-me obrigado a reprovar a atitude absolutamente mal educada de artistas como Xuxa e Zezé di Camargo de criticarem o formato do programa. Pelo que entendi, não se trata de um superfestival ou de um evento com fins meramente lucrativos. Se um artista concorda em participar é porque aceita doar uma parte de seu tempo e emprestar por alguns minutos sua imagem para que a festa funcione. É ridículo fazer qualquer exigência, porque qualquer exigência caracteriza, nesse caso, que a participação não é altruísta, na medida em que se exige algo em troca, seja mais exposição, seja mais controle sobre o evento. É muito feio dar uma declaração de que um esforço midiático com essas características será um fracasso apenas porque não será feito da forma como o declarante considera que seja a melhor. É como torcer contra. É inacreditável, ainda, que alguém diga que "participou contrariado" do programa. Como assim? Que disposição de ajudar é essa? Que empenho altruísta há nisso? É melhor não ir, simples assim.
Aceitaria sem problemas que alguém dissesse: "não vou". Opção de cada um. Mas querer condicionar a colaboração "espontânea" e "de boa vontade" a prerrogativas de condução do evento é muito contraditório. Uma razão coerente e aceitável para uma recusa seria discordar da idoneidade da distribuição do dinheiro arrecado, ou do uso da imagem dos artistas para fins outros que não a filantropia. Mas não é nada disso. Do jeito que foi divulgado, fica parecendo que alguns artistas veem a benemerência como oportunidade de autoexposição. Para evitar essa má impressão, bastaria o silêncio, ou o bom senso, ou a correção da declaração inconsequente. Uma imagem de postura íntegra exige certo controle da vaidade, e um maior cuidado com os rompantes de estrelismo.

sábado, 7 de agosto de 2010

O fenômeno Lula

Eu fico imaginando.
Fico pensando o que aconteceria a alguém que disputasse três eleições seguidas para o mesmo cargo, sofrendo três derrotas consecutivas. E que assumisse esse cargo marcado por uma grande desconfiança em relação aos rumos que tomaria.
Fico pensando o que aconteceria a essa pessoa se, desde o momento em que assumisse esse cargo, sofresse oposição violenta dos quatro maiores jornais do país e da maior revista em circulação. Fico pensando como essa pessoa lidaria com uma sucessão de escândalos e manchetes negativas na imprensa.
Fico pensando como alguém poderia se segurar no governo nesse contexto, se ainda colaborassem para seu azar as trapalhadas de membros de sua administração e práticas antiéticas de pessoas de seu partido.
Fico pensando como uma pessoa, com todos esses fatores contrários, poderia sobreviver a um bombardeio midiático pré e pós-eleição que a associasse a corrupção e desvios de conduta.
Como uma pessoa pode suportar a ação legitimada e bem paga de colunistas de revista e blogueiros que a ofendem sistematicamente, acusando-a de desonesta, chamando-a por apelidos indecorosos, comparando-a a sapos, antas, mulas e afins? Como uma pessoa pode manter sua popularidade se sofre ataques constantes à sua reputação, que se estendem a membros de sua família, amigos próximos e homens de confiança? Como, se são levantados todos os aspectos que possam afastá-la da imagem de sucesso construída pela ideologia da elite e culturalmente aceita por grande parcela da população? Como, se aplicam contra ela preconceitos de classe, de procedência geográfica, de formação escolar e muitos outros?
Como as pessoas olhariam para mim se eu fosse descrito como um alcoólatra? Se eu fosse acusado de pedir que minha ex-companheira abortasse uma filha? Se eu fosse tachado de estuprador de meninos? Se ventilassem que me aproveitei financeiramente do fato de ter sido cassado pela ditadura, ou da desgraça de ter perdido um membro do corpo? Se minha forma de falar fosse impiedosamente ridicularizada dia após dia em vídeos postados na internete e distribuídos em listas a milhões de pessoas? Se eu fosse, sem nenhum respeito ou consideração por minha posição institucional, chamado de analfabeto, ignorante, mentiroso e despreparado?
Como eu poderia ser querido do povo se os jornais associassem minha imagem a acidentes aéreos com centenas de mortos? Se associassem a imagem de minha administração a apagões e surtos de febre amarela e questões de segurança nos estados e a vazamentos de provas do ENEM e dossiês fabricados contra adversários e a problemas tantos que nem fosse possível um só governante por eles se responsabilizar? Se associassem minhas aparições públicas a manifestações de repúdio? Como ficaria minha imagem se eu fosse vaiado na abertura de um evento esportivo internacional, transmitido ao vivo e a cores para toda uma nação?
Fico imaginando.
Fico imaginando alguém que passasse por todos esses problemas e ainda outros. Uma crise mundial que abalasse mercados em todo o planeta. A necessidade de se posicionar em relação a blocos de poder em atrito evidente. A urgência de reverter um quadro de miséria de uma enorme população desamparada. A cobrança de resultados em diferentes áreas sociais destruídas pelos mandos e desmandos de pessoas desqualificadas para administrá-las.
Fico imaginando a cabeça de alguém que tem seu principal projeto social criticado impiedosamente e que, depois de vê-lo vingar, tem de ouvir os mesmos críticos dizerem que outros governantes deveriam receber os méritos desse sucesso, por terem sido pioneiros nas iniciativas.
Fico imaginando como se sente alguém criticado em seu próprio país por conduzir uma política externa considerada desastrosa enquanto recebe prêmios tanto dos fóruns dos países capitalistas quanto dos fóruns alternativos com inspirações socialistas.
Fico pensando que todas essas condições, somadas, inviabilizariam a eleição, ou a reeleição, ou a carreira política, ou mesmo a imagem de integridade de uma pessoa.
E é por isso que considero a popularidade do presidente Lula um fenônemo extraordinário, que dificilmente se repetirá. Nunca houve oposição tão feroz, agressiva e sem limites a uma figura pública quanto a que vi ser praticada contra o presidente nos últimos oito anos - e não estou discutindo as razões dessa oposição, se fundadas ou infundadas, estou apenas constatando sua obstinação. Não foi apenas crítica a um estilo governo; foram ofensas que beiraram o inaceitável, como a alusão ao dedo perdido da mão ou à condição de nordestino. E ainda assim Lula se manteve, sobreviveu no imaginário da população, tornando-se, ao fim de seus dois mandatos, não apenas o presidente mais popular de nossa história, mas a figura pública de maior credibilidade do Brasil, como atestam pesquisas realizadas nos últimos tempos, com possibilidade clara de fazer seu sucessor e até mesmo, se quisesse, de conseguir um terceiro mandato, com aval dos brasileiros. Mais de 80% da população apoia o presidente no fim desse longo e tortuoso percurso, mesmo com o desgaste que seria natural para uma personagem com tão ampla exposição. Isso não é normal, definitivamente. Ampliando o raciocínio da manchete da revista CULT sobre a gestão Lula, diria que não tivemos um presidente apenas improvável, mas em grande medida também impensável.
Gostemos ou não de Lula, seremos sempre obrigados a admitir que desenvolveu-se uma química entre ele e o povo que não acontece todo dia. Quando nos afastarmos no tempo dessa época histórica, teremos condições de avaliar com menos parcialidade ou paixão o seu legado, entre os muitos erros e os muitos acertos. Mas será muito difícil explicar às gerações vindouras uma popularidade tão gigantesca e consolidada num contexto tão traiçoeiro e complicado de governabilidade. Estou certo de que se trata de um fenômeno singular, e que deve ser analisado e compreendido como tal.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Agruras na academia

Entre as promessas que se tornaram obrigações em 2010, inclui-se a de fazer exercícios físicos com constância, visto que minha saúde abrira o bico no início do ano citado. Lá fui eu fazer matrícula na ACM, num plano sem musculação, mas com direito à piscina - o que basta para minha alegria.
Fazia muito tempo que eu não nadava nem praticava hidroginástica. Mas fazia mais tempo ainda que eu não usava um vestiário masculino. Parece que desabituei.
Semana passada, esqueci de levar toalha e chinelo. Emprestaram-me o chinelo, mas tive de alugar uma toalha na rouparia, preço simbólico. Era uma toalha branca. Fiz a aula de hidro, relaxei, flutuei, desencanei de tudo. Voltei para o vestiário, abri o armário, peguei a malfadada toalha branca, fui aos chuveiros, pendurei-a num gancho, e aproveitei o prazer indescritível da ducha quente no corpo cansado. Mas na volta...
Na volta reparei que havia uma toalha branca ao lado da minha toalha branca - ou melhor, da toalha branca que eu tinha de devolver na rouparia. Fiquei olhando para elas uns 30 segundos, hesitando, e as pessoas devem ter pensado quão grande, profunda e enigmática reflexão estava eu fazendo sobre a natureza e a filosofia das toalhas. Finalmente, cheguei ao ápice do enlevo com uma conclusão estarrecedora: eu não sabia qual das duas era a minha. Situação incômoda, mas que não poderia conduzir à imobilidade; afinal, eu teria de devolver alguma coisa para a instituição.
Com uma vergonha imensa, perguntei aos que ainda estavam no chuveiro quem trouxera uma toalha branca. Manifestou-se um senhor, que gentilmente saiu do quente da água para desfazer o nó perceptivo em que eu me enredara. Mas a questão era mais complicada do que parecia, muito mais, porque rapidamente ele caiu no mesmo estado contemplativo diante das toalhas penduradas, sustentando a concentração por um tempo igualmente longo, até admitir que também não conseguia identificar qual era a minha e qual era a dele.
Naquele momento eu fiquei aliviado em saber que não sou o único distraído do mundo. Escolhi uma delas, e disse ao senhor que a utilizaria e devolveria ao roupeiro, esse sim, com instrumental intelectual suficiente para desfazer o engano em que nos embananáramos. Disse ainda que retornaria para avisar.
Não sou uma pessoa melindrosa, mas confesso ter torcido para acertar dessa vez, porque não me parecia das melhores e mais recomendadas atitudes do mundo usar coisas de pessoas que não conheço. Dei sorte, deu tudo certo. Quando estava indo embora, o roupeiro mostrou a marquinha da ACM perto da etiqueta, suficiente para esclarecer qualquer dúvida a respeito da propriedade daquele item. Voltei ao vestiário, avisei o senhor, e fui para casa.
Dei boas risadas pensando no caso. Coisa de quem tem cabeça na Lua. Só eu mesmo.
Mas, se eu achava que tomaria a linha depois dessa, muito me enganava a meu respeito. Pois não é que aprontei outra? Voltei da aula da hidroginástica e fui direto ao armário onde deixara as minhas coisas, o 183. Peguei a chavezinha e fui abrir o cadeado, mas não consegui. Então pensei: - Bobão, é o 182. Mas ele estava vazio. Fui ao 184, e o cadeado era de outra marca. Pensei então: - Acho que guardei minhas coisas na outra fila de armários. Mas fiquei constrangido de testar a chave em todos eles, porque havia pessoas se trocando. Nesse momento, caí naquele mesmo estado de profunda reflexão filosófica, desta vez a respeito de armários e cadeados, e disse para mim mesmo, com toda a franqueza e dignidade do mundo: - Não lembro onde coloquei minhas coisas.
Isso deve ter ficado tão explícito na minha cara de paisagem que um dos senhores perguntou-me se eu precisva de ajuda. Contei meu drama, e ele riu, como mais tarde eu mesmo faria ao pensar naquela embaraçosa situação. As pessoas me olhavam com ar engraçado. Eu não sabia o que fazer no meio daquele monte de gente; estava realmente envergonhado.
E então, surgiu a personagem que poderia me tirar daquela crise, o rapaz que cuida do vestiário, e que devia estar acostumado com coisas do tipo. Ele me pediu a chave e foi testando armário por armário, coisa que não pdoeria ser feita por mim sem irritar os outros usuários. Eu achava que o meu era um armário perto da porta, de numeração menor, o que o obrigou a passar por três fileiras diferentes com a chavezinha testando a compatibilidade dos cadeados sem sucesso. Mas eu estava absurdamente enganado, o meu era lá do outro lado. Qual não foi meu alívio ao vê-lo abrindo o cadeado do 202, beeeeeem longe de onde eu pensava estarem minhas coisas. Agradeci meio sem jeito, peguei o que ali guardara, me vesti e voltei para casas com mais uma piada sobre minha cabeça de vento. E não duvido de que ainda venham outras. Fazer o quê?

domingo, 25 de julho de 2010

Poema e mais

A partir de agora, quando escrever algo de interessante nos outros blogues, vou postar o link neste.
Assim, fica mais fácil comentar a produção e até entender melhor o que estou sentindo em determinados momentos.
Esta semana, escrevi este poema. Curtinho, mas honesto.
Escrevi também algo sobre o maior dos prazeres da vida. Curtinho também, e mais honesto ainda!
Até!