terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Marcelinho Carioca sai candidato a deputado federal

Em primeira mão: Marcelinho Carioca provavelmente sairá candidato a deputado federal, provavelmente pelo PSB.
O que penso disso? Difícil comentar alguma coisa.
A política tem se tornado um campo fértil para o cinismo. Pessoas famosas candidatam-se a cargos públicos sem proposta nenhuma, sem nenhuma história política e, portanto, sem nenhum compromisso com o eleitor e a sociedade organizada. Uma boa estratégia de marketing e a força da imagem do candidato podem garantir seu sucesso eleitoral, mas isso torna o processo muito perigoso, porque só quem tem uma trajetória de atuação em causas públicas pode ter de fato uma identidade ou um comprometimento. Quando alguém vota em Gabriel Chalitta, vota em rapaz cristão, da Canção Nova, com experiência administrativa em educação e um monte de propostas para a área. Quando alguém vota em Claudio Fonseca, vota em alguém que presidiu por muitos anos e ainda preside um enorme sindicato de professores. Quando alguém vota em Delfim Neto, vota num ex-ministro especialista em questões econômicas, que teve seu momento de maior poder durante a ditadura militar. Eu nunca votei em nenhum dos três, mas poderia escolher entre eles, se necessário, porque eles têm uma história, um caminho, uma cara. Eu saberia o que estou fazendo e que forças estaria prestigiando com meu voto, porque a candidatura de cidadãos como esses é representativa de opções políticas definidas; eles, portanto, podem ser cobrados por aquilo que representam. Mas o que representa, do ponto de vista da política, a candidatura de Gretchen, Sérgio Mallandro ou do marido da Ana Maria Braga? Que história há por trás dessas candidaturas? Que trabalho social, que causas, que ideias são defendidas? Que compromissos elas carreiam, que setores da sociedade elas defendem? Nesse ponto, penso que não seja injusto levantar a ideia do cinismo: apresentar uma candidatura sem apresentar uma proposta política real é como dizer ao eleitor: "- Vote em mim e depois eu avalio se tenho ou tive compromisso com você". Ou seja, é muita cara-de-pau. É como ir a um concurso de calouros sem saber cantar, e ser aprovado em função do aplauso de um público que não quer saber de música. Para mim, é oportunismo.
Mas os partidos gostam desse tipo de oportunismo, porque uma pessoa famosa traz muitos votos , e como o número de deputados ou vereadores eleitos tem a ver com o total de votos da legenda (isso aconteceu, por exemplo, com o deputado Enéas, do PRONA, que conseguiu colocar na câmara federal indivíduos que não chegaram a ter mil votos), esse famoso tem condição de, sendo bem votado, abrir mais vagas para o partido no legislativo. E ainda tem a vantagem de que o indivíduo famoso e despolitizado acaba se tornando papagaio da legenda que o elegeu, com muitos assessores e auxiliares para dizer em que ele tem de votar e que discurso deve fazer. É uma enganação total.
Não tenho ilusões: esse tipo de coisa só acaba quando a consciência política da população se eleva. Infelizmente, estamos ainda longe disso. Muitas pessoas votarão em fulano porque jogou no Corinthians ou no Palmeiras, em beltrano porque é bonito e aparece na TV, em sicrana porque é gostosa, etc. Depois, nem sabem como esses indivíduos se portaram no cargo que ocuparam. Seria muito legal que a população descartasse essas candidaturas vazias, como descartou a de Sérgio Mallandro, em São Paulo, e a do marido da Ana Maria Braga. O insucesso dessas tentativas de enganação talvez revele que algo começou a mudar. Mas ainda lentamente, tenho de admitir.

Reformas, mudanças e afins

Precisávamos pesquisar preços de materiais de construção, e fomos a uma das grandes lojas do ramo. Absolutamente neófitos no babado, esperávamos que os vendedores pudessem nos ajudar a fazer boas escolhas, explicando as diferenças técnicas das opções de produto que nos chamavam a atenção. Isso nem de longe aconteceu.
Logo na entrada da loja, pegamos um tíquete com a moça do estacionamento e perguntamos se não havia uma parte coberta onde pudéssemos deixar nosso pau velho, que encharca quando chove. Ela disse que não sabia (!). Vimos então uma entrada de carros, um pouco à frente e à esquerda. Perguntamos se podíamos descer por ali. A moça disse que achava que sim (!). Seguimos adiante, e minha namorada teria descido, se eu não tivesse a sorte de ver uma placa em vermelho indicando que ali era a saída dos veículos. Manobramos e, bem à frente, do outro lado do prédio, encontramos a entrada. Deixamos o carro e fomos à festa.
Mas não houve festa. Houve um teste extremamente exigente de paciência e capacidade de lidar com o descaso alheio. Depois de alguns minutos de caça, cercamos um vendedor da loja e pedimos que ele nos acompanhasse para que pudéssemos fazer nossas perguntas sobre os produtos. Ele disse que estaria à disposição quando já tivéssemos escolhido, deixou o nome, virou as costas e foi embora sem a menor cerimônia. Continuamos nossa peregrinação solitária (ou seria melhor dizer desassistida?). Escolhemos alguns armários, alguns porcelanatos, algumas cubas. Minha namorada é uma pessoa muito leal e correta, e me corrigiu quando eu quis chamar algum vendedor para nos orientar. Tinha de ser aquele com quem havíamos falado antes, porque ficava chato falar com outro, e tal. O rapaz que estava numa mesa, a nosso pedido, solicitou a presença desse vendedor pelo rádio. Ele simplesmente não veio, nem para dizer que não podia atender. De onde eu estava, pude ver que ele atendia a outros clientes e poderia, em menos de trinta segundos, dar um alô para dizer que esperássemos ou que procurássemos outro funcionário. Esse tipo de consideração deve dar muito trabalho e ser muito desgastante.
O jeito foi corrompermos a boa vontade moral de minha querida e procurarmos outro vendedor. Encontrá-lo até que não foi tão difícil. Difícil foi fazê-lo falar. Sem um sorriso, sem estender uma explicação, monossilábico e nitidamente insatisfeito de ter de nos acompanhar, o rapaz limitava-se a nos dizer o preço das coisas e sabia muito pouco sobre aquilo que estava vendendo. Parecia que estava fazendo um grande favor de nos atender. Perguntamos sobre uma cuba que gostamos, depois sobre um suporte que fosse daquela cor. Ele disse que não tinha, secamente. Ia ficar por isso mesmo, mas minha mulher lembrou de ter visto na loja um gabinete já com a cuba embutida que era daquela cor. Ele se irritou: "- Então o que você quer é outra coisa. Está aqui". E levou-nos até lá.
Não sei se sou muito implicante, mas não teria sido mais inteligente perguntar o que queríamos e oferecer opções? Demonstrar boa vontade e interesse, adiantar-se às possibilidades e dizer: "- Olha, temos algo nessa cor que pode interessar a vocês. Já vem numa peça só..."?
Mas a viagem continuava, e enquanto minha pequena pesquisava preços de não me lembro mais o quê, eu me encarregava de ir ver quanto custava um galão de produto vedante. Perguntei a um vendedor. "- Corredor vinte e dois". Obediente, corri todo o corredor indicado e não vi nada. Ao final, havia dois rapazes com roupas da loja, conversando. Parei diante deles, timidamente. "- Posso perguntar uma coisa?". Eles me olharam, e não disseram nem que sim nem que não. Simplesmente, voltaram a se entreolhar e o rapaz mais alto continuou o assunto da conversa com o outro em mais uma ou duas frases. Fiquei constrangido, mas insisti: "- Eu queria saber onde posso encontrar o produto tal". A conversa não parou, mas para evitar a interferência, o rapaz menor indicou-me o corredor dezenove. Agradeci sem ser ouvido e segui na longa jornada.
Mas aquilo já era demais para mim. Chamei minha mulher e pedi que fôssemos embora. E fomos, sem comprar absolutamente nada, e sem saber nem um pouquinho a mais do que já sabíamos sobre reformas e afins. Tempo perdido.
Eu não acho que ninguém tenha a obrigação de seduzir o cliente, ou manter uma postura de poliana alegre durante um atendimento. Cada um tem seu estilo, e há vendedores eficientes que atuam de maneiras completamente distintas. Entretanto, sempre achei que um mínimo de cordialidade, atenção e solicitude eram necessários para o bom andamento dos negócios. Não acho que o cliente sempre tenha razão, mas ele precisa pelo menos ser ouvido! Como se pode fazer uma venda se você não deixa o comprador seguro do que está fazendo?
E eu achava, também, que quem trabalha numa loja deveria saber, pelo menos, onde se podem encontrar os produtos dentro dessa loja. E que quem entrega o bilhete do estacionamento deveria saber onde é a entrada desse estacionamento. E que uma pessoa que está em horário de trabalho deveria mostrar em primeiro lugar disponibilidade para as solicitações do cliente, e não para a conversa com seu colega. Eu achava, enfim, que bom atendimento era um dos fundamentos do comércio.
Não posso nem dar nota zero ao atendimento que recebemos. Não se pode avaliar o que não existiu. Só não consigo entender como é possível ser tão desrespeitado sendo, paradoxalmente, enquanto consumidor, a razão de ser da existência desse tipo de estabelecimento. Não é nem só por mim: é pelo dinheiro que se deixa de ganhar quando se esquece que há um ser humano do outro lado do caixa.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Nem aí para Avatar

O que me leva ao cinema? As pernas, diriam meus alunos irreverentes e mal-educados. A insistência da namorada, diriam as pessoas que sabem que sou caseiro. Um filme sobre dinossauros, diriam as pessoas que conhecem meus gostos bizarros.
Concordo com todas as alternativas anteriores. Entretanto, devo acrescentar algo. Só consigo me empolgar de sair para ver alguma coisa no cinema quando crio grande expectativa em relação a algum filme. E como se cria essa expectativa, no meu caso? Com uma sequência de bons trabalhos de um diretor. É como funciona para mim.
Assim, se Woody Allen lança um filme, eu provavelmente queira ver, porque já vi muita coisa boa dele, e gosto do estilo. Se Shyamallan lança algo novo, mesmo sabendo que os últimos filmes não eram nenhuma Brastemp, eu quero ver, porque o saldo dele comigo é superpositivo. Assim é com Lars Von Trier, assim é com os irmãos Cohen, e outros. É possível, ainda que eu me interesse por um filme de um diretor iniciante ou desconhecido para mim, mas que tenha boas referências entre meus amigos, ou um tema que considere rico. Devo dizer que, nesse caso, as chances são bem menores, mas existem.
Há, no entanto, aqueles filmes de diretores dos quais já conheço alguns trabalhos que nunca me disseram nada. Não gosto de superproduções. Prefiro produções supersacadas. Pode parecer extravagante, mas gosto de filmes em preto e branco, das décadas de 40 e 50, ou do Bergman, ou do Hitchcock, ou do Orson Welles, filmes noir, filmes mudos, Encouraçado Potenkin e por aí vai. Filmes desse tipo me chamam a atenção, e dou muito mais valor a uma boa história bem filmada que a uma sucessão neurótica de cenas de impacto, efeitos visuais e pirotecnias do gênero. Por isso, James Cameron não me interessa. Não o considero um grande artista, ele nada tem a ver com o que concebi como cinema de qualidade. Boa produção e boa direção de arte a serviço de histórias óbvias e apelativas, é isso que vejo no cinema dele. Titanic foi o filme mais superestimado da história do cinema: é uma historinha de sessão da tarde com produção de aventura intergalática, que rendeu um monte de dinheiro e não tocou em nenhuma questão aguda ou relevante para a arte, o cinema, ou a condição humana.
Em virtude dessa má vontade minha com Cameron, não estou nem um pouco interessado em Avatar. O fato de ser um filme 3D não melhora a situação. Meu interesse continua sendo zero. Se o filme receber críticas positivas de todos os meus amigos, e for elogiado em muitos aspectos diferentes, talvez eu releve minha decepção com Titanic e entre na fantasia de Cameron. Caso contrário, vou ficar em casa, vendo os filmes da coleção Clássicos do cinema da Folha, que são diversão garantida.

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Gostei desta postagem do Bender blog a respeito do filme.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Valiosas contribuições para formação de minha autoimagem de macho

Desde pequeno, acumulei uma série de informações que deveriam servir para me guiar nas minhas incursões pela estrada afora. Sempre fui muito atento ao que as pessoas me diziam, e extremamente crédulo em relação às máximas morais que recebia. Indivíduo ingênuo e bom, acreditava em tudo o que ouvia, sem questionar a fonte. Ainda mais quando era alguém estimado ou da minha família. O tempo passa, e a gente cresce e descobre que incorporou à mente um monte de bobagens que só serviram para nos atrapalhar. É então que percebemos que aquelas intuições e desconfianças que sempre nutrimos em relação a certas conversas-moles deveriam ter sido alimentadas.
Abaixo, listei algumas pérolas com as quais convivi ao longo dos anos. Lendo-as, e sabendo que as encampei em algum momento, é possível entender um pouco do porquê de sempre ter tido dificuldades com minha autoimagem. Até hoje não sei por que dei tanta trela a esses mitos. Talvez por não saber lidar direito com a insegurança e a necessidade de integração a uma sociedade que cultiva outros valores. Enfim, olha só o que ouvi, ouço e sei que ouvirei ainda a respeito de "ser homem" (entendido como "ser macho"):

1) Homem usa cabelo curto.
Deixei crescer o cabelo aos 14 anos porque sempre gostei dele longo, em mim e nos outros. É uma coisa que vem desde a infância e nada tem a ver com rock'n'roll, nem comportamento hippie. Eu me sentia melhor cabeludo, e ponto final. Minha mãe nunca aceitou bem isso. Volta e meia, me mandava cortar. Eu não cortava, de jeito nenhum. Ainda mais porque a cabeleira me dava um ar rebelde, de que eu já gostava muito naquela época. As pessoas foram se acostumando, e hoje acho que incorporaram de vez esse traço à minha imagem. Mas a batalha ainda não está vencida. Uma professora, companheira de escola, disse-me várias vezes que cabelo comprido não é coisa de homem. Uma vez ela disparou: "Corta esse cabelo! Parece um gay com o cabelo desse jeito!". Invasivo, não? E eu sei que muitas pessoas pensam assim. Já sofri discriminações de vários tipos por causa do comprimento do cabelo. Mas a coisa mudou bastante nos últimos tempos, graças a Deus, e as pessoas têm falado menos. Mas pensar, garanto que ainda pensam.

2) Homem não chora.
Meus amigos de infância faziam uma tremenda força para não chorarem na frente dos outros. E se viam alguém às lágrimas, chamavam de viado e mariquinha. Era comum todo mundo se aproximar quando um mais falador anunciava: "Olha lá, 'tá chorando!". Isso sempre foi um problema para mim, chorão contumaz. Não consigo controlar as lágrimas nem na tristeza, nem na comoção. Passei vergonha algumas vezes por chorar em situações que as pessoas não compreendiam. Hoje, não sinto mais vergonha. Mas sei que sou emotivo demais, e isso causa estranhamento. Homens tem de ser durões, não é? Simplesmente não consigo.

3) Homem tem de ser moreno e peludo.
Há muito tempo, reclamei com minha tia que não arranjava namorada, e ela gentilmente veio com essa. "Vinicius, homem ter de ser moreno e peludo. É disso que a mulherada gosta. Você precisa tomar sol".
A visão de macho de titia sempre foi difícil de engolir. Primeiro, porque eu gostava de ter poucos pelos. Nunca isso me incomodou e, sinceramente, acho que é um detalhe irrelevante para as pessoas que se sentem atraídas por mim. Mas a segunda parte é que é dose. Não tenho como ficar moreno. Não gosto de tomar sol, minha pele fica vermelha e ardendo muito rápido. E não vejo nada de feio, sinceramente, em ser branquinho. Minha namorada é branquinha. Conheço muitas pessoas lindas e branquinhas. Há vários tons de pele que podem ser bonitos, não precisa ser apenas o jambo.
Quer perder pontos comigo? Comente assim: "'Tá precisando de um sol, hein?". Eu vou olhar para sua cara e pensar: por quê? É mais bonito para quem? É mais saudável para quem? Acaso você sabe se as pessoas que gostam de mim se incomodam com isso?
E o mais engraçado é que acreditei nisso. Eu achava realmente que as meninas gostariam de mim quando eu fosse moreno. Como eu era besta.

4) Homem tem de ter dinheiro.
Quem me falou isso foi um ex-cunhado, que se achava feio (e não era). Para ele, mulheres querem estabilidade financeira via homem, e era nisso que os machos deveriam investir, mais do que em qualquer outro aspecto.
Vamos separar as coisas neste ponto. Sustento, sim, que todo mundo tem de ter uma boa relação com dinheiro, podendo sobreviver com dignidade e comprar produtos úteis e que lhe sejam de gosto. Isso é uma coisa. Esta máxima que citei funciona a partir de um outro raciocínio: o ser humano do sexo masculino precisa ter dinheiro para pagar presentes, saídas, baladas, viagens e outros mimos para a mulher que seduz ou namora, e quanto mais dinheiro ele tiver, mais masculino ele se torna. Isso é outra coisa.
Se eu dependesse da verdade desse preceito, estaria completamente perdido. Nunca tive "dinheiro" - no sentido de esbanjar, ostentar. Aliás, isso nunca fez parte dos meus planos. Perdi alguns encontros por não aparentar ser rico, mas não sei se eles teriam valido a pena. Hoje, adulto e mais rodado, considero essa ideia uma das coisas mais estúpidas que existem. Até porque as mulheres vêm descobrindo, cada vez mais, que podem trabalhar, ganhar dinheiro, atingir posições, e pular a parte da análise financeira no momento da escolha de seus homens.
Mas há um outro fator a considerar aqui. Você olha um cara de terno, gravata, pastinha de executivo, cabelo cortado e cara de angustiado; você olha outro de chinelo, bermudão, camiseta velha e barba por fazer. Qual dos dois tem dinheiro? A sociedade ensina a responder: o primeiro. Mas a verdade é que ninguém sabe. As pessoas já descobriram muitas formas de adquirir a aparência de rico sem ser rico, de esbanjar sem ter contas pagas, de arrotar dólares sem nem ter onde cair morto. Quantos amigos meus, em nome dessa pseudo-necessidade, deixaram de ajudar suas famílias, deixaram até de pagar pensão dos filhos, para torrar dinheiro com baladas e ostentações? Aparentar sucesso e abastança é uma exigência social, mas não tem nada a ver com masculinidade, e o fracasso de certas figuras em suas posturas de exibicionismo monetário é gritante testemunho disso.

5) Homem tem de ser malhado.
Essa ouvi de uma colega professora, porque falei mal de um artista famoso, criticando seu comportamento. Essa fala seria equivalente a "prefiro ele, com esse comportamento, a você, que não tem formas musculares definidas". Foi uma brincadeira um pouco grosseira, eu sei, mas revela o que boa parte das pessoas assume como valor estético.
De novo, vamos separar as coisas. As pessoas devem cuidar de sua saúde, e podem, se lhes faz bem, trabalhar seu corpo para deixá-lo mais bonito. Ponto.
Ser malhado são outros quinhentos. Primeiro, porque não é objetivo de todo mundo. Segundo, porque não é garantia de beleza. Terceiro, porque dá trabalho e implica fazer opções nesse sentido, que nem sempre são as melhores.
Eu vou à academia quando o tempo permite, quando estou muito mal e quando tenho um pouco mais de disponibilidade psicológica. Algumas opções da minha vida fizeram com que, num certo período, minha frequência caísse bastante; não me arrependo de nenhuma dessas opções. Além disso, quando vou, deixo claro para os instrutores que não quero ficar fortão. Quero ficar bem, mas não bombado.
E quer saber? Tem muito homem malhadão feio pra burro. E tem muita mulher que não liga a mínima para homem malhadão. Aliás, é preciso parar com essa paranoia de que só existe um tipo de beleza de corpo. Isso é besteira, existem homens bonitos com vários biotipos diferentes, é só querer enxergar. Se eu levasse essa asneira a ferro e fogo, teria de admitir que nunca fui e nunca serei bonito, porque meu biotipo não fica fortão naturalmente. E eu não aceitaria jamais usar nenhum tipo de química para mudar o que a natureza me deu.

6) Homem tem de ter carro.
Tinha um amigo meu que sempre dizia isso. "Sempre" significa: todo dia, toda noite, toda vez que nos víamos. Meus vizinhos e meus colegas de ginásio acreditavam nessa assertiva piamente. E mesmo minhas amigas tinham completa convicção dessa máxima. Tem até o caso de um colega com quem fiz um comentário a respeito. Ele namorava uma aluna minha, superbonita. O que ele me disse? "Vinicius, isso é lógico. Por que você acha que a *** está comigo, que sou gordo e feio?".
Essa é uma afirmação dificílima de aceitar, porque minha relação com carros é complicada - já postei sobre o assunto. Carro é bom, útil, um conforto bacana, e uma necessidade para muitas pessoas. Mas apontá-lo como predicado da masculinidade é certamente excessivo. Até porque mulheres também dirigem, e, hoje em dia, se precisam de homem para fazer isso, contratam um motorista. Mas, enfim, isso ficou na minha cabeça por muitos anos, até eu começar a ter namoros mais longos e perceber que as meninas não se incomodavam de me dar carona e me deixar em casa...

7) Homem que é homem manda na mulher.
Eu não deveria nem comentar essa estultice, mas os mais velhos gostam muito dessa ideia. Eu não mando em ninguém, quanto mais nas pessoas que amo, admiro, e quero ao meu lado. E nunca me achei menos macho por causa disso. Mas vai dizer isso para certos tios e parentes que tenho! Sai briga.

8) Homem tem de ser comedor.
Isso eu ouvia nos tempos de estagiário na Cultura, e é a babaquice mor da lista. Parece compensação de complexo de inferioridade. Que diferença faz transar com cem, dez, uma ou nenhuma pessoa do ponto de vista da satisfação pessoal? Isso é de cada um, é estritamente íntimo.
Mas, não: se o cara não come fulana que dá a maior bola para ele, se brocha na cama com uma gostosona, se dá um corte em alguém que se insinua, o cara não é macho. Homens de verdade tem de ser máquinas de trepar, e não podem deixar suas preferências, seus sentimentos, seus medos e suas opções interferirem nisso.
Sexo é bom, experimentar com as pessoas que interessam é excelente, mas isso não torna ninguém melhor nem pior, e não é, de forma alguma, quantitativo. Saíram matérias na imprensa a respeito de homens que "traçaram" dez mil, treze mil, trocentas mil mulheres. Uma pessoa nunca deveria comentar uma coisa dessas a respeito de si própria. Como se sentem as pessoas que porventura se encontram nessa lista? Troféus, brinquedinhos, estatísticas? Em respeito aos sentimentos dos outros, o mínimo que podemos fazer é ter certa discrição e bom senso ao falar desse assunto. Ademais, se o número de parceiros definisse a felicidade dos indivíduos, ou sua masculinidade, ou feminilidade, todos os problemas sexuais do mundo já estariam resolvidos desde a revolução da década de 60. E estão? Pelo ibope alcançado por declarações desse tipo, creio que estamos ainda muito longe disso.

Comentados os mitos, permitam-me declarar algo importante. Se homem tem que ter carro e dinheiro, usar cabelo curto, ser malhado, moreno, peludo e comedor, mandar na mulher e não chorar nunca, afirmo com muito orgulho que NÃO SOU HOMEM. Não tenho nada a ver com nada disso, e creio que já não tenho nenhuma vontade de preencher algum dia esses requisitos de macheza que listei. Quem quiser se adequar, que seja feliz. Eu gosto do que sou, e sei que tem quem gosta. A única coisa que não posso admitir - que foi o que me levou a gastar algumas horas fazendo este texto - é que esse tipo de fantasma social de virilidade masculina continue a apavorar a cabeça de garotos inseguros e ingênuos, como fui na adolescência e ainda posso ser hoje, em momentos de pouca vigilância.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Saúde!

Ontem atingi trinta e seis de existência, e recebi votos de felicidade, sucesso e amor via todos os meios de comunicação da era da informação. Agradeço a todos pelo carinho.
Refletindo sobre esses votos e o que quero para mim nesse novo ano de vida que se inicia, concluí que posso sintetizar minhas aspirações numa única palavra: saúde. Gostaria muito de manter minha saúde em excelentes condições, e isso implica mobilizar atenção e disposição em várias direções distintas.
Pensando em termos de saúde física, gostaria de continuar tendo todas as condições necessárias para realizar meu trabalho e superar os desafios do cotidiano. Desta vez, não vou permitir que o excesso de tarefas comprometa meu condicionamento. Não ganho nada com isso, e preciso me proteger, porque as pessoas tendem a ser muito cruéis quando se trata de cuidar da aparência do corpo alheio.
Em matéria de saúde mental, o ano passado trouxe várias lições, entre as quais evitar o desgaste quando paralisante e procurar atividades que proporcionem prazer. Não vou tentar fazer tudo o que é possível, mas sim tudo o que acredito ser válido, saudável e bom para mim e para os outros. Não preciso manter a mente ocupada o tempo todo, porque isso não é sinônimo de produtividade. Pelo contrário, isso parece mais incapacidade de lidar com problemas.
Para manter minha saúde financeira, pretendo continuar sustentando a postura de equilíbrio que sempre me pautou. Nada de consumo impulsivo ou compensador de depressões. Talvez eu comece a controlar mais minuciosamente os gastos, anotando em planilhas, mas ainda não sei se terei tempo para isso.
A saúde do coração é algo com o que nunca se pode fazer previsões, mas creio que a maturidade e a experiência possam ser excelentes faróis nas eventuais turbulências afetivas, que, graças a Deus, há tempos não têm se relacionado com a vida amorosa.
Quanto à saúde espiritual, creio que, como Dorian Gray, dela descuidei grandemente nos últimos anos, o que me faz evitar o enfrentamento de minhas vacilações nessa área. É hora de meditar mais, e confiar mais na intuição - que, por sinal, tem me apontado justamente essa necessidade.
Não sei o que o futuro reserva, não sei o quanto posso ainda alcançar. Creio que sou capaz de me surpreender, positiva e negativamente. Por isso, quero saúde, física, mental, espiritual, financeira, emocional. Em boa forma, estou sempre pronto para o que der e vier, e para dar o que é verdadeiramente o melhor de mim, que quase nunca é aquilo que esperam de mim. E que, por isso, pode também aos outros surpreender.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Sobre os limites do estilo Letterman de entrevistar

Vi ontem uma das mais comentadas entrevistas dos últimos meses, a que Joaquin Phoenix concedeu a David Letterman no programa de variedades do sujeito. Como as pessoas tiraram muito sarro do visual e do comportamento de Phoenix durante algum tempo (até Ben Stiller brincou com isso no Oscar), achei que assistiria a um show de impaciência e má vontade do ator. Não li dessa forma. Letterman lidou com um indivíduo que estava pouco à vontade, e não teve competência para destravá-lo nem para conduzi-lo a um ponto em que se tornasse acessível. Ele simplesmente perdeu a entrevista. Preocupou-se em fazer gracinhas, em manter um clima up para sua plateia e para o espectador, e descambou para a grosseria e a provocação barata a la Pânico e CQC. Seria possível fazer daquelas análises detidas, colocando cada cutucada do apresentador e o momento cronometrado em que aparece no vídeo, mas não vou fazê-lo por preguiça. Foi provocação sistemática do princípio ao fim. Letterman terminou lamentando ironicamente que Phoenix não pudesse ter comparecido ao programa. Na verdade, Phoenix compareceu; foi Letterman que não o deixou entrar.
Ninguém tem obrigação de compreender a proposta de um entrevistador. Ele é que tem de se fazer claro, e tem de deixar o entrevistado à vontade, ainda mais num programa que se propõe a ser de humor, e que é conduzido por um humorista. Detonar uma pessoa que não reage não é engraçado, e esperar que ela entre esponeamente no clima de tiração de sarro é sempre um risco. O entrevistador não é o centro do processo, ele apenas o conduz. Se não conseguir extrair nada do entrevistado, nenhuma reação, nenhuma informação consistente, não tem gracejo que salve sua pele.
Não gosto do estrelismo que vejo em muitas figuras de mídia (jornalistas ou não) que trazem "convidados" ao seu programa. Eles são tratados como se fosse um grande favor recebê-los, e muitas vezes o papo vai para caminhos que absolutamente nada têm a ver com o trabalho que querem mostrar. Algumas intervenções grosseiras, deselegantes ou constrangedoras são vistas como "engraçadas", como meras brincadeiras para descontrair. Mas por que cargas d'água é preciso criar sempre esse clima de descontração em detrimento do conteúdo, que via de regra é muito mais interessante (podendo ser, inclusive, mais divertido)? E por que o entrevistado precisa necessariamente entrar nesse jogo? Por mais estranho que tenha sido o comportamento de Phoenix, o fracasso da entrevista não se deve a isso, e sim à incapacidade de Letterman de respeitar essa postura e lidar com ela de forma produtiva. Assim eu percebi.