sábado, 27 de fevereiro de 2010

Quase problemas?

Estávamos numa grande expectativa de nos mudarmos já na próxima semana para nossa nova casa, quando surgiu um vazamento na parede do banheiro. Depois de tudo praticamente pronto e funcionando, teremos de quebrá-la de novo para verificar o que acontece.
Esse fato evidentemente nos causaria alguma frustração, e nos deixaria mais cautelosos. Mas nossa reação no momento da constatação desse obstáculo foi muito mais intensa que isso, pois envolvia uma série de medidas não previstas a tomar no pouco tempo disponível que tem nos restado. Com os ânimos abalados, acabamos por falar mais rispidamente, e, quando desci a avenida para tomar o metrô, estava com a cabeça quente e perturbada. A prova disso é o incidente que se sucedeu.
Ao passar pelo bloqueio da estação, como de costume, coloquei minha carteira sobre o mecanismo validador da passagem. Não costumo levar o bilhete em separado, por questões de hábito, e tenho preguiça de tirá-lo da carteira para passá-lo na catraca. Essa preguiça poderia ter me custado muito caro naquele momento, pois, com a mente avoada flutuando nos problemas da reforma, não percebi que não fechara direito o zíper. Resultado: a carteira caiu no chão sem que eu percebesse.
Eu estava indo em direção a um estande onde se vendia café, mas não estava pensando nisso. Estava pensando na tristeza nos olhos de minha mulher, advinda do impacto dos problemas inesperados. E a verdade é que quase criei um problema muito maior que aquele, e de muito mais difícil solução. Minha sorte foi poder contar com o bom coração de uma moça que passava bem atrás de mim. Ela recolheu a carteira e me avisou imediatamente, devolvendo-me em menos de cinco segundos. Aéreo, agradeci, mas não da maneira que ela merecia, pois meu sorriso estava meio travado. Se um dia essa moça puder ler esta postagem, quero dizer que sinto muito, e que deveria ter elogiado com muito mais efusão a atitude que ela teve.
Fiquei, depois do susto, pensando a respeito do que me acontecera. Eu pensei em como a vida nos ensina a relevar as frustrações, mostrando que há coisas muito mais graves que podem acontecer com a gente e não acontecem justamente porque há pessoas com que podemos contar, mesmo que não nos conheçam. Talvez seja um pouco frustrante ter de remendar uma parede que estava pronta, mas isso é nada vezes nada se eu pensar que poderia ter perdido documentos, cartões e dinheiro, e que teria de despender grande quantidade de energia em curto espaço de tempo para recuperá-los. Em vez de amargar os percalços da reforma, eu deveria rejubilar-me e agradecer a Deus pela existência de pessoas como aquela moça, que me salvou de um problema verdadeiramente grave. E deveria agradecer também por ter podido, nessa experiência, criticar meus pensamentos e dimensionar com mais clareza a gravidade efetiva daquilo que costumo chamar de "meus problemas".

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ano de Copa

Este ano tem Copa do Mundo, o que significa, para mim, um mês de ansiedade e sofrimento. Esses sentimentos poderiam ser evitados se um dia eu desgostasse em definitivo do futebol, mas creio que isso beira o impossível. Também poderiam ser evitados se o Brasil entrasse nas Copas do Mundo como mero coadjuvante, como seleção que não tem nenhuma chance, ou chances apenas remotas. Mas isso nunca acontece: para desespero dos torcedores angustiosos como eu, o Brasil quase sempre pode ganhar. Desde que comecei a acompanhar as Copas, é assim: em 82, perdemos numa fatalidade, jogando um futebol maravilhoso; em 86, perdemos nos pênaltis, jogando melhor; em 94 ganhamos; em 98, perdemos a final, em função do susto com Ronaldo; em 2002, ganhamos. Acho que só em 90 e 2006 a seleção não jogou o suficiente para conquistar o título. Nesses anos, a eliminação não foi dolorosa para mim.
Torço muito para a vitória do Brasil, não pela CBF nem pelos jogadores, mas pelo povo. A conquista da Copa do Mundo é uma festa sem paralelos, joga o astral da população lá em cima. Acredito que este plantel tem chances, e aposto no Dunga, embora tenha ficado indignado quando ele foi escolhido treinador (o desempenho dele mudou meus conceitos, admito). Torço, entretanto, para que, não sendo o Brasil, o time campeão tenha jogado um futebol corajoso, ofensivo e bonito de ver, como a Hungria em 1954, a Holanda em 1974, o próprio Brasil em 1970, ou mesmo a França em 1998. Foi duro ver a Itália ganhar a última Copa com seus melhores jogadores sendo os zagueiros. E seria legal também se houvesse um novo campeão: Holanda, Portugal, Espanha, ou um país africano. Isso aumentaria rivalidades e daria chance a outras nações de fazerem a festa que já fizemos tantas vezes. Mas - é claro -só se o Brasil não for para a final.
Provavelmente acompanharei os jogos com meus aluninhos na escola. Tomara que possa ver alegria nos rostos deles durante todo o mês de junho.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Contradições

Na postagem anterior, escrevi dando a entender que a música pop da década de 80 era ruim. Mas, veja só, algum tempo atrás fiz um texto em que elogiava desmesuradamente as baladas pop desse período. Terei ficado maluco, caro leitor?
Creio que não. As baladas boas da década de 80 continuam boas. E continuam sendo poucas. Se você fizer uma seleção das melhores, será uma seleção e tanto. Mas se você tiver de tocar 100 músicas oitentistas em sequência, não poderá utilizar só as baladas, nem só as clássicas, e perceberá que o conjunto soa irregular e cansativo. Por isso, canções como Against All Odds, de Phill Collins ou I just Called.., de Stewie Wonder se destacam ainda mais: porque são muito melhores que a média (que é de cançõezinhas bestas, alegrinhas, festivinhas, sem sal).
Mas pode ser também que eu tenha, de fato, me contradito entre as postagens. Não tem problema. Não seria a primeira vez que eu digo coisas com convicção e depois digo coisas que parecem contrariar essa convicção. Posso tranquilamente viver com isso. Até porque isso faz parte do que sou.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Identidade e passado

Há alguns anos, fui a um aniversário de um amigo na Trash 80's. A proposta de entretenimento da casa era bastante curiosa, com clipes e músicas e visual da década mais cafona da cultura pop. Tudo muito bem feito, bem pesquisado, bem articulado, o que não salvou a noite de ser tediosa para mim, porque boa parte do que fez sucesso naqueles meus tempos de criança eram músicas simplesmente inexpressivas e sem alma. A junção aleatória dessas canções pode ativar regiões afetivas da minha memória, mas, depois de algumas horas de audição, transforma-se numa pasta disforme, um mosaico culturalmente irrelevante. Lembro-me, no entanto, de ter observado que essa coleção de canções, irregular na qualidade e tendendo para o muito ruim, produzia reações intensas nas pessoas que ali estavam dançando, cantando e curtindo o ambiente. Não raro ouvia dessas pessoas comentários do tipo "puxa, quando tocava essa música eu me vestia assim, assim, assim", ou "não esqueço que eu frequentava uma balada em que rolava esse som, e nós depois fazíamos isso, aquilo, aquilo outro".
Também costumo frequentar algumas comunidades no orkut referentes a assuntos que me interessam. Em boa parte delas, os membros são bem mais jovens que eu. Verifico, no entanto, que esses jovens membros de comunidades costumam criar tópicos evocando coisas que aconteceram há cinco ou seis anos atrás, em que colocam suas memórias de eventos de que participaram ou que acompanharam por televisão ou internet. Por exemplo, na comunidade do Roger Federer, uma das mais bem organizadas de que participo, há tópicos permanentes em que os meninos colocam vídeos das conquistas do suíço desde 2003. Acho muito curiosa essa tendência, pois ela associa-se à construção de uma espécie de "cultura federista", que aponta para a valorização de um passado, de uma história desse atleta, condensada em espaços que serviriam como "museus virtuais" para seus triunfos.
Tanto no caso da Trash 80's como no da comunidade orkútica do Federer, percebo uma certa fome do passado, uma certa necessidade de recuperação de informações perdidas ou dispersas, ou simplesmente não organizadas, para construção ou recuperação de uma identidade. Seja em uma "cultura oitentista", ou "federista", ou "sangalista", ou "coldipleísta", as pessoas, quarentonas ou adolescentes, demonstram sentir necessidade de integrar-se a uma história, de apropriarem-se de um construto temporal e, com ele, estabelecerem uma relação de pertencimento ou afinidade. Há diferentes graus nessa tendência, e diferentes maneiras de se relacionar com ela. Ouvi de um rapaz, recentemente, que ele teria chorado ao ver um DVD que resgatava os melhores momentos da Toco, extinta e popularíssima danceteria da Zona Leste de São Paulo. Recebi várias vezes, de vários amigos diferentes, e-mail com fotos de brinquedos que eram populares em meus tempos de criança, com comentários saudosos, divertidos e até nostálgicos. E poderia citar, se tivesse tempo e paciência, muitas outras manifestações similares, que remetem ao despertar de uma vontade de recuperação do passado no contexto de uma sociedade preocupada cada vez mais com o imediato, o rápido, o novo, o impermanente. Curiosamente, observo também que o interesse das pessoas em geral pela História classicamente apresentada como disciplina, a História do país, do mundo, das Grandes Guerras, da comunidade em que se vive, da cidade, dos grandes homens, a História recuperada em livros e construída por meio da análise minuciosa dos documentos, enfim, o interesse por essa modalidade de recuperação do passado é bem menor e menos evidente que o que reconheço como associado a essas "culturas" específicas da indústria de entretenimento. Devo admitir que a afirmação precedente soa estranha e triste quando provém de um professor de História com dez anos de atuação no ensino fundamental, mas não posso deixar de enunciá-la, como verdade evidente que é. Está muito claro para mim que haverá sempre muito maior interesse em qualquer biografia apressada e pobre de qualquer celebridade midiática que em livros que abordam, com atenção, cuidado e capricho, temas basilares para compreensão do mundo em que vivemos. Como também aparece-me como inquestionável a tendência das pessoas de atribuírem valor sentimental a objetos e símbolos de questionável importância cultural, em detrimento daqueles que efetivamente sejam representativos de uma época, ou que tenham sobrevivido ao tempo em função de sua qualidade. Claro, há ícones que traem esse raciocínio generalizante, como os Beatles, que são a banda de maior sucesso mercadológico do século XXI(!), ou Che Guevara, que parece continuar encarnando amores e ódios revolucionários muitos anos depois de sua morte. Contudo, creio que sejam exceções que confirmam a regra.
Essa aparente contradição entre, de um lado, a necessidade de um passado e, de outro, o desinteresse pela ciência que justamente estuda e ajuda a reconstruir o passado com bases científicas e a apontar aquilo que tem relevância para o mundo hodierno, é um problema para mim. Arrisco esboçar duas hipóteses.
1) Pode ser que as pessoas, no mundo imediatista em que vivemos, tragam, intuitivamente, a percepção de que uma identidade só pode ser construída a partir de uma memória devidamente constituída e operacionalizada. Assim, na medida em que precisam construir essa identidade, recolhem e recorrem às informações que lhe dão subsistência. Entretanto, a construção dessa identidade não corresponde à construção de uma noção mais abrangente de pertencimento político ou cultural. Por exemplo: muitos se vêem corintianos antes mesmo de se reconhecerem brasileiros. Assim como muitos se preparam para saber tudo da vida da Xuxa antes mesmo de conhecerem a história de seus próprios avós. Segundo esse raciocínio, a cultura de massa teria se tornado capaz de produzir substitutivos eficientes para a necessidade humana de compreender o "estar no mundo" pela recuperação do passado. Isso levaria a um desinteresse pela História enquanto possibilidade de compreensão política e ampla do sentido da vida em sociedade, e à valorização daquilo que seria mero subproduto de fenômenos mais profundos e fundamentais.
2) Pode ser também que a cultura do individualismo tenha criado raízes tão profundas em nosso sistema social e cultural que, para a maioria das pessoas, a História só seja útil enquanto puder ser história das coisas que mais proximamente as circundam. Assim, a busca do passado estaria relacionada tão-somente à tentativa de validação de um universo de objetos, símbolos e valores estritamente particulares. Saber tudo sobre os Pokemons, por exemplo, seria uma necessidade muito mais vital para um estudante que conhecer o coleguinha de classe, porque esses bichinhos estariam muito mais presentes no universo desse estudante que o outro menino. Isso explicaria a enorme comoção das pessoas ao recordarem algo como "Ursinho Pimpão", do Balão Mágico, e o absurdo esquecimento de figuras da estatura de um Jackson do Pandeiro ou um Geraldo Pereira, elos fundamentais entre o presente e o passado da música popular brasileira. Isso explicaria a notável falta de curiosidade das pessoas em relação àquilo que não está evidente por si nos meios midiáticos ou que não tenha sido aproveitado pelo sistema ideológico de nossa sociedade. Isso explicaria por que, num dos muitos perfis sociais que construí em sítios de relacionamento, descrevi-me como fã de Pink Floyd e Radiohead antes de dizer que era professor, ou estudante de Letras, ou brasileiro, ou qualquer outra coisa que fosse definisse com mais exatidão o que sou.
Não sei se consegui formular minhas inquietações de forma inteligível. Creio ter intuído uma contradição que não sei como resolver. Várias pessoas, de várias idades e interesses diversos, sinalizam disposição para olhar para o passado em relação a algo que seja de seu universo de interesse. Por outro lado, poucas pessoas parecem dispostas a olhar para o passado pela via de uma sistematização científica e de um discurso que se propõe a compreender com profundidade as estruturas do mundo em que vivemos. Minha pergunta acabará sendo: como fazer essa fome se relacionar a um alimento verdadeiramente nutritivo? É um desafio.

Obrigado pela paciência

Meus amigos dizem, com toda a razão, que é duro me achar para qualquer coisa que seja. Aos meus leitores do blog acabo de dar argumentos para pensarem o mesmo. Peço desculpas pela ausência. Estou de mudança, e todo começo de semestre é meio difícil para mim. Espero poder recompensá-los com material de maior qualidade, uma vez que minha frequência de postagens tende a diminuir nestes próximos meses. E espero que vocês não sumam, pois são muito importantes para mim!