segunda-feira, 28 de junho de 2010

Uma honra

Na segunda-feira passada, dia 21 de junho, posso dizer que consegui demonstrar pessoalmente minha admiração por dois grandes cabeças da internete atual. No Sindicato dos Engenheiros, pertinho da Câmara Municipal, pude assistir a um debate de alto nível sobre a imprensa e a blogosfera, a propósito do lançamento do livro Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa, do professor Venício Lima. Infelizmente - e um tanto vergonhosamente também - não pude adquirir o livro, pois pensei que poderia comprá-lo com cartão de crédito e levei pouco dinheiro. O leitor compreenderá que não foi sovinice da minha parte, apenas precaução, pois andar a pé no centro da cidade, à noite, com somas consideráveis de dinheiro, não é nada recomendável.
Na mesa de debatedores, estavam presentes algumas das cabeças mais brilhantes que conheço, como o professor Venício, autor do livro, e primeiro a chamar minha atenção para a diferença entre direito individual e direito corporativo de expressão de ideias; o grande jornalista Mino Carta, reserva moral da imprensa brasileira; o professor e pensador Fábio Konder Comparato, reserva de lucidez no debate da ciência política. Mas devo confessar que, embora admire esses homens que citei, meu interesse estava focado nas falas de Paulo Henrique Amorim e, principalmente, Luis Nassif. E não por considerá-los mais brilhantes ou mais inteligentes que Mino ou Konder (para os quais penderia a balança na comparação, em função do peso da história de sua atividade intelectual); admiro-os porque acompanho seus blogues e julgo que eles - incluindo aí também o Azenha - foram os primeiros a compreender a nova estrutura de gerenciamento de informação trazida pela internete, e os primeiros a empreender uma ocupação efetiva desse espaço. A fala de Nassif foi um alento de clareza nesse sentido: segundo ele, o jornalismo tem de se transformar, porque a informação passará a vir de diversas fontes, todas acessíveis ao leitor, e o mais importante não será consegui-la na frente de todos, mas sim saber interpretá-la adequadamente dentro de uma grande massa de dados recolhidos de vários espaços e produtores.
Não sou disso de tietagem, mas fiz questão de cumprimentá-los pessoalmente no fim do evento, e dizer que acompanho seus textos. Eles provavelmente não sabem que este blogue existe, mas efetivo esta postagem como um segundo gesto de admiração, respeito e apoio.
E juro que vou comprar o livro pela internet. Senão fica chato, né?

domingo, 20 de junho de 2010

Seleção de traseiros

Eu voltava para o apê perto da meia-noite e passei por uma banca de jornal da Avenida Paulista. Observava as revistas em exposição quando chegaram dois garotos, mais ou menos adolescentes, entre 18 e 21 anos. Pararam para ver a capa da revista Sexy, que se constituía de cinco modeletes de costas com as bundonas de fora. Os comentários foram engraçados: "- Aí, sim", "- Essas batem um bolão!". "- Isso é que é seleção de verdade".
A certa altura, um dos rapazes apontou com três dedos da mão três das modeletes e disse: "- Essa, essa e essa. As outras duas, só pegava se as três não quisessem".
Fiquei rindo sozinho até chegar em casa. Os sonhos do menino me inspiraram imaginar cenas divertidas. Pensei numa sequência de filme pornô: o rapaz magro, sonso e sem graça na piscina, com três moças nuas, ouvindo de uma quarta que se retira rebolando: "- Não suporto ser preterida assim. O que elas têm que eu não tenho?".
Também fiquei pensando comigo como é curioso o mundo em que vivemos, em que até nas fantasias eróticas é possível escolher os objetos como quem escolhe latas de tomate nas prateleiras. E em que qualquer cidadão em qualquer circunstância pode projetar pessoas de carne, osso e alma como meros objetos de consumo, e abstrair totalmente a existência de uma individualidade e de um arbítrio por detrás daquelas pessoas (ou daquelas bundas, que, em última análise, são partes do corpo de pessoas). Tomara que as falas sejam só bravata de meninos. Se não forem, coitadas das namoradas deles.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Sobre o ataque à embarcação dos ativistas pró-Gaza

Não vou me omitir. Nenhum Estado tem direito de atacar navios em águas internacionais. Começa daí.
Mas a questão é outra. Muitos dizem que os ativistas provocaram, foram violentos, queriam criar mártires, e por isso sofreram a ação de Israel. Mesmo que tudo ou metade disso fosse verdade, a ação da Marinha israelense não deixaria de ser um desastre, em primeiro lugar por causa da ilegalidade e da violência, e em segundo lugar por ter respondido a supostas "ilegalidades" ou "provocações" justamente com a brutalidade que essas ações dos pacifistas queriam denunciar ou revelar. Sobrou apenas o antipático discurso do "fomos brutos mesmo, mas eles provocaram". Como se uma coisa justificasse a outra.
Mas talvez a questão seja ainda outra.
Uma vez, eu estava em um curso oferecido a professores da Prefeitura num teatro de São Paulo. Um então vereador (era época de eleição) estava na calçada da rua do teatro fazendo panfletagem e campanha. Os seguranças do teatro, a mando da direção, foram lá para expulsar o vereador. Corretíssimo, ele argumentou que podia fazer panfletagem porque a calçada era pública (não conheço a letra da lei, mas sei que é permitido), embora o teatro não o fosse. A discussão foi muito ríspida, mas o vereador permaneceu no local, mesmo sabendo que poderia ser agredido pelos seguranças. Foi um ato digno, ainda que talvez um pouco insensato e ousado.
As perguntas a se fazer nesse caso seriam de onde veio a ordem para tirar o vereador de lá e se essa ordem estaria acima da lei municipal, que é, em última análise, uma convenção política coletiva. Ou seja, as regras do teatro, ou as determinações de sua direção, não estão acima das leis maiores do município.
Assim eu penso em relação aos conflitos no Oriente Médio: frequentemente, o "dono do teatro" expulsa os habitantes incômodos da "calçada". Sou a favor da existência de dois Estados soberanos, o da Palestina e o de Israel. E está ficando claro para o mundo inteiro que a ocupação da Faixa de Gaza foi e é um desrespeito a essa noção de soberania, que já não pode ser justificado como simples defesa de território. Os tripulantes da embarcação podem ter sido ousados, indisciplinados, sei lá o quê (eu não acho, mas estou concedendo que possa estar enganado). Mas, em primeiro lugar, eles estavam na "calçada", segundo a ONU e segundo o próprio Estado de Israel (o "dono do teatro"). E, em segundo lugar, as definições das áreas de "teatro" e "calçada" nesse caso são totalmente arbitrárias, impositivas e até ilegais. As grandes nações do mundo fizeram, historicamente, vistas grossas às ocupações de Israel, e fazem ainda hoje. Se uma nação não pode desrespeitar convenções internacionais ainda que outras o façam, é ainda mais absurdo que desrespeite as regras que impôs pela força e que já são, em si, um desrespeito.
Em suma: violência, ousadia ou inconsequência dos ativistas não justificam o ataque da Marinha israelense. Israel não estava em perigo, nem sua soberania, nem sua população. Foi um erro, que não pode ser justificado por algum outro suposto erro. E os grandes erros estão no âmbito da História, não dos fatos tomados como episódios isolados.

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Parece que os próprios israelenses concordam que erraram feio:
http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2010/06/20/ult1807u56450.jhtm