terça-feira, 31 de agosto de 2010

Parabéns, Corinthians

Estava indo trabalhar, descendo a rua da Consolação, e percebi uma movimentação estranha, comum em dias de jogo mas não muito frequente em dias sem futebol. Não havia me dado conta de que era aniversário do Corinthians.
Fiquei impressionado com a circulação de pessoas no Anhangabaú. Não apenas pela quantidade, mas também pela intensidade. Mesmo quem não é corintiano, como eu, contagia-se dessa alegria explosiva em algum momento. Gente cantando, pulando, comemorando, como se fosse um título.
E na verdade, é mais que um título. Chegar aos 100 anos é uma grande vitória para qualquer instituição em qualquer área. O Corinthians centenário é parte da história da cidade. São gerações e gerações que, em tempos diferentes, por diferentes razões e com diferentes expectativas, alimentaram essa paixão.
Não estão em questão as conquistas, os números, os troféus. Torcer é saber ganhar e saber perder (embora eu não esteja convencido de que as pessoas venham tendo essa compreensão ultimamente). O que está em questão é a paixão, a parte mais bonita do espetáculo cultural do futebol, da cultura do futebol. Quero esquecer, hoje, que essa paixão tem sido manipulada por interesses escusos, e que, mal trabalhada, transforma-se em violência, a morte do esporte enquanto experiência social. Quero lembrar apenas do lado bonito, vibrante e envolvente, da identificação mútua desses milhares de jovens e senhores que hoje colocaram suas camisas para homenagear seu clube do coração.
Parabéns, Corinthians!
Nesse parabéns, entenda-se "Corinthians" no sentido amplo, ou seja, a imensa torcida, a história de gerações de torcedores, a fidelidade e o amor pelo time, a instituição propriamente dita, o mito que se formou em torno dessas cores e desse distintivo, tudo isso formando algo maior que a soma das partes.

Que a paixão e a bela história do clube continuem prevalecendo!
Que esses sejam os primeiros 100 anos de sua história!

sábado, 28 de agosto de 2010

Lá vem porrada

Eu sou do tempo da internete discada com computador lento e família toda querendo usar. Talvez por isso tenha desenvolvido alguns ranços ou preconceitos que provavelmente já não fazem sentido para usuários mais familiarizados com a eficiência hodierna da tecnologia.
Uma coisa que ainda não aprendi a tolerar é o que chamo de "mensagem bonitinha" no orkut. Trata-se daqueles recados que vêm cheios de desenhinhos saltitantes e engraçadinhos, com mensagens de alegria ou saudações triviais. Quantas vezes não tive problemas de travar tudo por causa de mensagens assim! Quantas vezes não acordei meus parentes porque as mensagens traziam "musiquinhas" que explodiam na caixa de som antes que eu desse conta da altura do volume! Peguei birra, e adotei um critério radical: elimino todas. É um posicionamento certamente lamentável em relação às pessoas que as enviam de muito boa vontade, com a melhor das intenções, porque têm sensibilidade para essas artes gráficas de internete e querem agradar de alguma forma compartilhando-as. Lamento. Não é pessoal. É quase um ato reflexo de quem cansou de perder tempo com carregamento de imagens pesadas enquanto tentava responder a um recado importante o mais rapidamente possível.
No e-mail, também criei bronca de uma coisa: daquelas mensagens enviadas para toda a lista da pessoa, geralmente recebidas de outro internauta que também as enviou para toda sua lista. Há uma marca distintiva dessas mensagens, que é a primeira que meu cérebro procura localizar. Trata-se do FW:. Quando aparece uma mensagem com FW: na minha caixa postal, eu penso: lá vem porrada. E quase automaticamente olho para a seguinte. Essas são as últimas mensagens que vejo, quando vejo; sim, porque se é algo do tipo "FW: Jesus te ama" ou "FW: a verdade sobre Dilma", eu nem abro. Esse comportamento é resultado de centenas de imbecilidades lidas com a maior atenção em meu tempo de internauta inexperiente, que provocavam a sensação de que, ou quem enviou queria tirar sarro da minha cara, ou não tinha lido com atenção o que enviara. Quase 99% do que recebo com FW: não tem nada a ver comigo, não foi solicitado, já foi lido em outra oportunidade ou é vírus. Automatizei, então, o desprezo por esse tipo de mensagem. Também lamento por esse procedimento. Deixei de ler muita coisa importante em função disso, bem sei. Mas a relação tempo/benefício precisa ser positiva no meu caso, e isso implica, necessariamente, algum critério de seleção.
Se você, leitor, reenviou para mim alguma mensagem dessas que se espalham na internete ou deixou um recado doce, delicado e cheio de pixels na minha página do orkut, e fez isso com a melhor das intenções, eu peço desculpas por ser tão bicho do mato com essas coisas. Mas tenha a certeza de que, se foi algo relevante e isso estava explícito no assunto da mensagem, há grandes chances de que eu tenha pelo menos dado uma olhada. Estou me vigiando para ser menos radical nessa seara cibernética.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O Encontro de Blogueiros e minhas limitações

No grupo em que eu estava, no Encontro dos Blogueiros, estavam Rodrigo Vianna e Lola, do Escreva, Lola, Escreva: gente de peso. A discussão foi muito produtiva, com cada um apresentando seu blogue e a temática a que se dedica.
A certa altura, uma moça, cujo nome me falha, fez uma cobrança interessante. Ela apontou para o fato de haver poucos blogues ligados a movimentos sociais, a lutas de comunidades, a demandas da população carente. Ela disse que se ressentia disso, e achava que, sem esses blogues, acabaríamos sendo uma elite escrevendo para a elite.
Não tenho certeza de que sejamos exatamente assim, pois conheci, no encontro, muitas pessoas simples que blogam e leem com frequência, e estão preocupadas com vários assuntos da comunidade, da política e das lutas locais. Mas, concedendo que isso seja parcialmente verdadeiro, porque a blogosfera de fato não tem tanta variedade desse cardápio politizado e atuante, pensei comigo mesmo se isso não aconteceria por terem sido os blogues, a princípio, criados para funcionarem como diários pessoais, com postagens mais intimistas e opinativas.
Depois, retomei criticamente esse pensamento, admitindo que é possível fazer zilhões de coisas com as plataformas dos blogues atualmente, e me perguntei se, ao pensar assim, eu não estaria me defendendo de ter um blogue pessoal, intimista, opinativo e totalmente individual, em que nada ou quase nada até hoje foi dito sobre lutas sociais ou movimentos de comunidade.
Sim, eu estava me defendendo, porque a carapuça servira perfeitamente. Mas, por outro lado, eu estava aprendendo a reconhecer quem sou por um processo de espelhamento no outro. Todas essas virtudes de engajamento, que tanto admiro em tantos blogueiros, parecem ser carências no meu caso, por mais que eu tantas vezes explicite minhas posições políticas. Devo admitir que uso este espaço e o dos outros blogues que escrevo de maneira autocentrada, individualista, egocêntrica. Uma vez, meu primo me pediu para escrever comigo um blogue de poemas (na verdade, para dividirmos um blogue que eu já escrevia). Eu não aceitei, embora a proposta fosse de fato bacana e rica. Não aceitei porque queria ter controle total, e queria que o blogue expressasse as minhas ideias poéticas e de mais ninguém. Eu queria ver o blogue assim, nem que isso implicasse empobrecê-lo. Eu queria que o blogue fosse meu mundo e nada mais, como na canção de Guilherme Arantes.
Numa outra oportunidade, meu irmão de criação criou um blogue com excelentes ideias de protesto e política e pediu que eu o levasse adiante. Simplesmente não consegui. Não pude criar nada nesse contexto, porque a linha de redação não havia sido definida por mim. E olha que eu concordava com ela quase absolutamente! Mas a questão era outra: não era um espaço só meu, no qual eu estabelecesse as perspectivas de análise, a frequências das postagens, a relevância dos temas. Só isso bastou para que a excelente iniciativa dele ficasse atolada na minha inércia mental.
E por que isso? Não sei bem. Talvez seja a gigantesca necessidade confessional que tenho, num fluxo que não admite interrupções. Talvez seja uma dificuldade de dialogar e trocar ideias, o medo de ser suplantado, de ser questionado, de perceber-se irrelevante diante das preocupações e sacadas dos outros. Talvez eu seja mesmo uma pessoa egoísta, sei lá! A verdade é que alguém por certo oferecerá essa perspectiva militante, atuante e engajada em seu blogue, com espaços de escrita coletiva e abertura para postagens de informação e denúncia. Mas não serei eu. Não sei fazer assim. É uma limitação, sim. E devo aprender a enfrentá-la, a confrontá-la com a realidade de blogueiros como os que conheci no encontro, ao invés de defendê-la com racionalizações justificadoras.

domingo, 22 de agosto de 2010

Impressões do Encontro de Blogueiros - 2010

Participei ontem e hoje do I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas. Verdadeiramente enriquecedor.
Conheci blogueiros de alto nível, como Rodrigo Vianna, Lola, Cloaca. Conversei com pessoas de vários lugares do Brasil. Descobri gente bacana, como a Gilmara, o Sérgio, a Serena. Encontrei até figuras que fizeram parte da minha adolescência, como meu ex-professor Laerte, da Escola Técnica Federal de São Paulo, atual Instituto Federal de Educação.
Destaco dois momentos muito fortes nesse encontro.
O primeiro foi a leitura de uma carta do blogueiro Lucio Flávio Pinto, por seu filho, no sábado. Muito tocante. Percebi o quanto a coragem de denunciar, de enfrentar, mesmo de dizer a verdade pode ter um preço alto no Brasil. A leitura fluiu pesada, comovida, angustiada, e eu passei uns quinze minutos sentindo o efeito daquele texto profundamente revelador. Doeu, mas doeu para o bem, para ampliar a percepção sobre o significado de estar ali.
O segundo foi quando, no domingo, o Rildo, um dos organizadores do nosso grupo de discussão, foi às lágrimas ao falar de sua opção pela formação em Pedagogia, curso que concluirá este ano. Fiquei com vergonha. Não só porque sou um professor já lutando contra o desestímulo e o ceticismo em relação às propostas dos governos. Corei de vergonha porque criei um blogue para falar da valorização dessa profissão tão fundamental e digna, e não consigo fazer isso. Meus textos, já há algum tempo, expressam muito mais indignação e decepção que paixão pelo que faço. Não que a última me falte, mas sinto que tenho tido uma postura muito menos otimista do que julgava poder ter. A fala do Rildo, por algum motivo, trouxe-me luz sobre o porquê de continuar, de seguir adiante, de acreditar apesar de tudo. Foi uma fala que conseguiu fazer o que meus muitos textos não conseguiram, pelo menos em meu coração.
Houve muito mais, sem dúvida. Lembrarei no momento devido. Por ora, quero apenas saudar a vida por mais essa oportunidade de crescimento. Como lição de casa, fica visitar os blogues das belas e inspiradoras pessoas com quem pude conviver por esses dois dias. Trarei novidades sobre isso em breve.

sábado, 14 de agosto de 2010

Criança Esperança: o que é benemerência, afinal?

Eu não sei nada sobre o evento Criança Esperança da Globo. Mas como é uma festa que arrecada dinheiro para pessoas necessitadas, conta com minha simpatia de cara.
Eu não vejo o programa, não gosto dessa coisa de amontoados de atrações musicais cantando uma música só, e isso é problema de bom ou mau gosto meu, e ponto. Mas este ano minha esposa me falou de um problema que não é de gosto ou opinião, e sim de conceito, sobre o qual resolvi escrever nesta postagem.
Vou começar propondo a seguinte situação hipotética: haverá uma festa na escola em que leciono. Essa festa será de benemerência, e contará com a participação de várias pessoas da comunidade. O diretor da escola me convida para participar da organização da festa. Eu disponho de horas livres, e quero ajudar. Vou à festa no horário que disponibilizei. Ele então diz que é necessário colocar uma pessoa na organização interna, para montar as salas em que haverá eventos mais tarde, e que eu poderia fazer isso. Eu digo que não farei essa tarefa, porque ela implicaria que eu ficasse nos bastidores e que as pessoas não me vissem trabalhando. Em decorrência, as pessoas não saberiam que estive presente e não congratulariam meu esforço.
Nessa situação que descrevi, na minha humilde opinião, eu estaria sendo absolutamente grosso e antiético. Por quê? Porque minha atitude caracterizaria tudo, menos benemerência, no sentido de entrega ao próximo, de disposição de ajudar, de altruísmo. Se agisse dessa forma, não estaria demonstrando gostar de ajudar pessoas, ou entender a importância de contribuir com a vida de necessitados. Estaria, sim, vendendo minha participação, e o valor seria minha exposição pública. Ou seja, quando ajo assim, só ajudo enquanto recebo algo em troca. Então, no meu entender, não participo da festa nem por bons sentimentos, nem por apelo de consciência; participo para que os outros pensem coisas boas de mim. Em outras palavras, para me promover.
Ao fazer uma analogia dessa situação hipotética com o Criança Esperança, vejo-me obrigado a reprovar a atitude absolutamente mal educada de artistas como Xuxa e Zezé di Camargo de criticarem o formato do programa. Pelo que entendi, não se trata de um superfestival ou de um evento com fins meramente lucrativos. Se um artista concorda em participar é porque aceita doar uma parte de seu tempo e emprestar por alguns minutos sua imagem para que a festa funcione. É ridículo fazer qualquer exigência, porque qualquer exigência caracteriza, nesse caso, que a participação não é altruísta, na medida em que se exige algo em troca, seja mais exposição, seja mais controle sobre o evento. É muito feio dar uma declaração de que um esforço midiático com essas características será um fracasso apenas porque não será feito da forma como o declarante considera que seja a melhor. É como torcer contra. É inacreditável, ainda, que alguém diga que "participou contrariado" do programa. Como assim? Que disposição de ajudar é essa? Que empenho altruísta há nisso? É melhor não ir, simples assim.
Aceitaria sem problemas que alguém dissesse: "não vou". Opção de cada um. Mas querer condicionar a colaboração "espontânea" e "de boa vontade" a prerrogativas de condução do evento é muito contraditório. Uma razão coerente e aceitável para uma recusa seria discordar da idoneidade da distribuição do dinheiro arrecado, ou do uso da imagem dos artistas para fins outros que não a filantropia. Mas não é nada disso. Do jeito que foi divulgado, fica parecendo que alguns artistas veem a benemerência como oportunidade de autoexposição. Para evitar essa má impressão, bastaria o silêncio, ou o bom senso, ou a correção da declaração inconsequente. Uma imagem de postura íntegra exige certo controle da vaidade, e um maior cuidado com os rompantes de estrelismo.

sábado, 7 de agosto de 2010

O fenômeno Lula

Eu fico imaginando.
Fico pensando o que aconteceria a alguém que disputasse três eleições seguidas para o mesmo cargo, sofrendo três derrotas consecutivas. E que assumisse esse cargo marcado por uma grande desconfiança em relação aos rumos que tomaria.
Fico pensando o que aconteceria a essa pessoa se, desde o momento em que assumisse esse cargo, sofresse oposição violenta dos quatro maiores jornais do país e da maior revista em circulação. Fico pensando como essa pessoa lidaria com uma sucessão de escândalos e manchetes negativas na imprensa.
Fico pensando como alguém poderia se segurar no governo nesse contexto, se ainda colaborassem para seu azar as trapalhadas de membros de sua administração e práticas antiéticas de pessoas de seu partido.
Fico pensando como uma pessoa, com todos esses fatores contrários, poderia sobreviver a um bombardeio midiático pré e pós-eleição que a associasse a corrupção e desvios de conduta.
Como uma pessoa pode suportar a ação legitimada e bem paga de colunistas de revista e blogueiros que a ofendem sistematicamente, acusando-a de desonesta, chamando-a por apelidos indecorosos, comparando-a a sapos, antas, mulas e afins? Como uma pessoa pode manter sua popularidade se sofre ataques constantes à sua reputação, que se estendem a membros de sua família, amigos próximos e homens de confiança? Como, se são levantados todos os aspectos que possam afastá-la da imagem de sucesso construída pela ideologia da elite e culturalmente aceita por grande parcela da população? Como, se aplicam contra ela preconceitos de classe, de procedência geográfica, de formação escolar e muitos outros?
Como as pessoas olhariam para mim se eu fosse descrito como um alcoólatra? Se eu fosse acusado de pedir que minha ex-companheira abortasse uma filha? Se eu fosse tachado de estuprador de meninos? Se ventilassem que me aproveitei financeiramente do fato de ter sido cassado pela ditadura, ou da desgraça de ter perdido um membro do corpo? Se minha forma de falar fosse impiedosamente ridicularizada dia após dia em vídeos postados na internete e distribuídos em listas a milhões de pessoas? Se eu fosse, sem nenhum respeito ou consideração por minha posição institucional, chamado de analfabeto, ignorante, mentiroso e despreparado?
Como eu poderia ser querido do povo se os jornais associassem minha imagem a acidentes aéreos com centenas de mortos? Se associassem a imagem de minha administração a apagões e surtos de febre amarela e questões de segurança nos estados e a vazamentos de provas do ENEM e dossiês fabricados contra adversários e a problemas tantos que nem fosse possível um só governante por eles se responsabilizar? Se associassem minhas aparições públicas a manifestações de repúdio? Como ficaria minha imagem se eu fosse vaiado na abertura de um evento esportivo internacional, transmitido ao vivo e a cores para toda uma nação?
Fico imaginando.
Fico imaginando alguém que passasse por todos esses problemas e ainda outros. Uma crise mundial que abalasse mercados em todo o planeta. A necessidade de se posicionar em relação a blocos de poder em atrito evidente. A urgência de reverter um quadro de miséria de uma enorme população desamparada. A cobrança de resultados em diferentes áreas sociais destruídas pelos mandos e desmandos de pessoas desqualificadas para administrá-las.
Fico imaginando a cabeça de alguém que tem seu principal projeto social criticado impiedosamente e que, depois de vê-lo vingar, tem de ouvir os mesmos críticos dizerem que outros governantes deveriam receber os méritos desse sucesso, por terem sido pioneiros nas iniciativas.
Fico imaginando como se sente alguém criticado em seu próprio país por conduzir uma política externa considerada desastrosa enquanto recebe prêmios tanto dos fóruns dos países capitalistas quanto dos fóruns alternativos com inspirações socialistas.
Fico pensando que todas essas condições, somadas, inviabilizariam a eleição, ou a reeleição, ou a carreira política, ou mesmo a imagem de integridade de uma pessoa.
E é por isso que considero a popularidade do presidente Lula um fenônemo extraordinário, que dificilmente se repetirá. Nunca houve oposição tão feroz, agressiva e sem limites a uma figura pública quanto a que vi ser praticada contra o presidente nos últimos oito anos - e não estou discutindo as razões dessa oposição, se fundadas ou infundadas, estou apenas constatando sua obstinação. Não foi apenas crítica a um estilo governo; foram ofensas que beiraram o inaceitável, como a alusão ao dedo perdido da mão ou à condição de nordestino. E ainda assim Lula se manteve, sobreviveu no imaginário da população, tornando-se, ao fim de seus dois mandatos, não apenas o presidente mais popular de nossa história, mas a figura pública de maior credibilidade do Brasil, como atestam pesquisas realizadas nos últimos tempos, com possibilidade clara de fazer seu sucessor e até mesmo, se quisesse, de conseguir um terceiro mandato, com aval dos brasileiros. Mais de 80% da população apoia o presidente no fim desse longo e tortuoso percurso, mesmo com o desgaste que seria natural para uma personagem com tão ampla exposição. Isso não é normal, definitivamente. Ampliando o raciocínio da manchete da revista CULT sobre a gestão Lula, diria que não tivemos um presidente apenas improvável, mas em grande medida também impensável.
Gostemos ou não de Lula, seremos sempre obrigados a admitir que desenvolveu-se uma química entre ele e o povo que não acontece todo dia. Quando nos afastarmos no tempo dessa época histórica, teremos condições de avaliar com menos parcialidade ou paixão o seu legado, entre os muitos erros e os muitos acertos. Mas será muito difícil explicar às gerações vindouras uma popularidade tão gigantesca e consolidada num contexto tão traiçoeiro e complicado de governabilidade. Estou certo de que se trata de um fenômeno singular, e que deve ser analisado e compreendido como tal.