terça-feira, 8 de março de 2011

As perguntas certas

Às vezes eu aparecia em casa com uma novidade amorosa, e as pessoas, como bem se sabe, logo espalhavam aos quatro ventos. Eu era tímido e sensível, e, por consequência, muito recatado em relação aos meus relacionamentos. Meus amigos não eram nada disso. Fazia parte da masculinidade falar e falar e falar, e contar vantagens tanto quanto possível. Então, pode-se imaginar o rol de perguntas que eram constantes nessas situações:

- E aí, já comeu?
- Ela é gostosa?
- Ela tem um bundão? Ela tem peitão?
- Ela faz de tudo?
- Ela tem ciúme de você?
- Ela se veste bem?
- A família dela aceitou normalmente? A família dela é liberal?
- Ela tem grana?


E outras afins, que durante algum tempo acreditei serem uma forma razoável de medir as aspirações em relação a uma garota.
Acreditei, mas no fundo nunca aceitei. Algum anjo torto me fez diferente, e a verdade é que nunca me fizeram as perguntas certas, que não eram essas. As perguntas certas, que ninguém me faria, eram as que eu, no fundo, me fazia todas as vezes, porque nunca gostei realmente de "garotas", e sim de mulheres. Eu queria que me perguntassem:

- Como ela trata você? Como um namorado, um bibelô, ou um ser humano, digno de elogios e broncas?
- Ela se dispõe a dividir coisas, opiniões, a conceder, a ser razoável?
- Ela trabalha em algo admirável, construtivo, bacana? Ela defende causas nobres, luta por pessoas indefesas, protege seus familiares e dependentes?
- Ela acredita em seu próprio potencial como pessoa, e em sua personalidade, mais que em sua imagem pública, para ser atraente?
- Ela é carinhosa? Ela aceita que você seja carinhoso?
- Ela compreende quando você chora, e sabe acalmar quando você se enerva?
- Quando ela quer alguma coisa, ela vai atrás, ou fica esperando você descobrir que ela quer?
- Quando ela gostou de você, ela teve a firmeza de assumir isso sem joguinhos?
- O que ela faria se você não manifestasse interesse a princípio? Desisitiria, ou insistiria?
- O que ela faria se não tivesse interesse em princípio? Esnobaria, ou seria clara, sincera e, ainda assim, delicada?
- Você sente que poderia perdoá-la por qualquer coisa que ela fizesse, sem ressentimentos?
- Você deixaria de fazer algo muito estimulante para não magoá-la, não porque sinta que ela descobriria, mas porque sente que ela não merece?
- Ela é capaz de encarar fases ruins? De manter um laço de ternura e respeito com você mesmo quando o sexo, o stress cotidiano e a rotina tornaram-se problemas?
Por fim, a maior perguntas de todas: - Você teria vontade de ter filhos com essa mulher?


Não, ninguém entenderia isso. E ninguém entenderia que essas perguntas não implicavam, em nenhum momento, um vínculo institucional, como o casamento, ou sequer a busca disso. Porque o amor, a admiração, a percepção de que alguém é especial, independe da sorte de ter essa pessoa a seu lado. Uma grande mulher não precisa gostar de você, ela só precisa ser o que é, com integridade. Se eu tivesse levado a sério as perguntas certas; ou melhor, se eu simplesmente tivesse conseguido formulá-las conciente e explicitamente, teria sido muito mais homem, e muito mais digno das mulheres que me amaram e que eu amei no decorrer da minha vida. Hoje, arrogo-me a intenção de transformar esse "se" em "sim", manter-me amando apesar de meus erros, e ser digno do amor de quem sempre esteve ao meu lado.
Hoje é o Dia Internacional da Mulher, e eu gostaria de deixar claro, nesta postagem, o quanto admiro, amo e respeito as mulheres de minha vida (minha esposa, minha mãe, minha irmã, minha sobrinha), as mulheres que conviveram comigo e as mulheres em sua generalidade, para além dos meus interesses imediatos ou da função que o mundo - ainda machista - lhes atribuiu.

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Homenagem mais bela e tocante é a do meu amigo Flávio Mello, nesta indefectível postagem.
Vale conferir.

domingo, 6 de março de 2011

Cuidar de mim

Venho cumprindo rigorosamente uma das decisões de ano novo que estariam, noutros tempos, fadadas ao esquecimento: cuidar da minha saúde.
Em anos anteriores, minha insaciável necessidade de aprovação externa fez com que eu tentasse abraçar o mundo com as pernas, e todos sabem que o preço disso costuma ser dramaticamente alto.
Resolvi, então, mudar de rumo. Venho me alimentando melhor, evitando trash food e investindo em refeições no lugar de lanches.
Venho frequentando com assiduidade a academia de musculação, sem pressa de resultados, porque não tenho mais 20 anos, e porque sei que minhas belezas vêm de fontes diversas, às vezes invisíveis.
Tratei de fazer alguns exames preventivos de problemas que volta e meia reaparecem. O primeiro resultado foi animador: não tenho mais cálculos renais a eliminar, o que mostra que o novo hábito de beber líquidos constantemente deu resultado. O segundo foi engraçado: pensei que tinha um monte de verrugas novas, mas na verdade são erupções de pele que aparecem em pessoas que engordam muito (o médico precisava ser tão claro? ;-)). Nada que um tratamentozinho não resolva, ainda que implique em dez dias sem perder calorias na esteira, já que a área envolvida localiza-se entre as coxas. (Aproveito esse tempinho que sobrou para atualizar o blogue.)
Decidi, também, não fazer nenhuma loucura profissional. Limitei as aulas noturnas a três dias por semana, vou fazer os estágios que devo na Uninove na medida do possível e vou me permitir cortar ou adiar tudo o que interferir diretamente em minha saúde.
Esses dias, alguém me disse algo bacana. Disse que ter quarenta anos hoje equivale a ter vinte em outros tempos, porque as pessoas chegam mais inteiras a esse período da vida, e podem, com a estabilidade profissional, empreender iniciativas até então podadas pela falta de dinheiro ou por outras urgências. Gostei muito desse raciocínio. Caiu como uma luva neste que vos escreve, que vai publicar um tão sonhado livro nos próximos meses e planeja construir, finalmente, um trabalho musical consistentemente produzido.
Eliminadas as pressões da busca do sucesso a qualquer preço, da insegurança em relação aos próprios potenciais, da necessidade de aprovação social explícita, da instabilidade emocional interior da juventude, parece que tudo começa a se encaixar na mente da gente, e os passos são menores, mas mais firmes e calculados. O saber acumulado, a saúde física, a confiança na capacidade profissional e o autoconhecimento somam-se, formando um todo maior que as partes. Tenho vontade de fazer muitas coisas boas, não somente porque sejam boas para mim, mas também porque são boas em si mesmas. Posso aturar fases mais difíceis e tarefas menos gloriosas, porque não preciso mais brigar com o que a vida me oferece. Enfim, quero estar melhor comigo mesmo, e romper em definitivo os contratos com as expectativas dos que não sabem quem realmente sou.
Tenho o compromisso de terminar 2011 inteiro, por dentro e por fora. Já consegui a sexta parte disso. E foi muito bom.