sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O que é informação?

Deve haver um volume da antiga coleção Primeiros Passos (muito boa, por sinal)com esse título. Se há, eu não li, e lerei quando tiver acesso, pela curiosidade em relação ao assunto. Disso o leitor pode depreender, de imediato, que sou um leigo abordando uma questão da qual pouco sei. Mas considero minhas dúvidas pertinentes.
Lamento por meus amigos jornalistas, pessoas sérias e competentes, que não merecem ler isto, mas a pauta jornalística com que me deparo diariamente parece fictícia. Durante muito tempo, entre as décadas de 80 e 90, circulou a fantasiosa noção de que qualquer criança pequena dos tempos atuais estaria lidando com uma gama muito mais ampla e complexa de informações que os adultos do passado. Sempre achei isso um exagero, mas é incrível como a maioria das pessoas creem piamente que seus filhos são mais brilhantes porque sabem lidar melhor com novas tecnologias e coisas que os circundam. Não é que eu tenha dúvidas a esse respeito: eu tenho certeza de que isso é bobagem. Essa certeza vem da experiência de longos anos ministrando aulas para meninos e meninas na Prefeitura de São Paulo.
Fato: há mais mídia, e maior presença da mídia. Você senta num restaurante, e a TV está ligada. Você anda nas ruas, e elas estão repletas de pessoas com fones de ouvido e celulares. Você liga o computador, e ele tem quase infinitas possibilidades para seu entretenimento ou para sua atualização. Você tem mais opções de mídia em casa, fora de casa, no caminho de casa...
Além disso, é perceptível que a mídia torna determinadas questões importantes, em detrimento de outras. E que isso passa a ser não uma questão de escolha dos indivíduos, mas uma questão de possibilidade social de interação. As pessoas sabem que se não assistem determinados programas, se não repetem determinados chavões e se não embarcam em determinadas ondas, não conseguem se comunicar.
É nesse ponto que entra o questionamento que venho me fazendo: como fica a informação nesse contexto? Digamos que um coelhinho atravesse um vagão de metrô na Tailândia, e isso se torne um hit no YouTube ou seja um quadro do Fantástico. Isso é informação? Isso é relevante? Eu quero falar disso com meus amigos? Provavelmente não. Não é informação porque não acrescenta nada em termos de conhecimento, e nem é realmente útil para o que faço. Não é relevante porque não se relaciona a nenhum dos valores sobre os quais é pertinente refletir sempre. Não quero falar disso com as pessoas porque valorizo o tempo que tenho em suas companhias, e quero compartilhar o que tiver de melhor, e não isso. Mas, em determinado momento, você conversa com as pessoas, e elas falam desse vídeo de coelhinho. E esperam que você se posicione em relação a isso, que compartilhe dessa experiência, que pelo menos saiba algo a respeito para poder sustentar a conversação. E você não sabe.
Quando você se dá conta de que vai ficar isolado se não estiver "por dentro" dessas falsas informações, você começa a tentar conhecê-las. Se você possuir uma monstruosa inteligência emocional, conseguirá articulá-las como itens de comunicação interpessoal, na mesma categoria do "bom dia" ou "vai chover hoje". Mas se você afrouxar a vigilância interior, logo vai concordar com o festival de afirmações cretinas, disparatadas e sem noção que o rodeia. E lá se vão as pessoas repetindo coisas como "o problema do Brasil são os marajás", "o bug do milênio destruirá tudo", "funcionário público é tudo vagabundo" e coisas do gênero. Afirmações que cinco minutos de raciocínio simples, ou dez minutos de leitura de informação de verdade, destruiriam sem deixar vestígios.
Não, amigos, nada disso é informação. Isso é distração, entretenimento travestido de informação.
E é muito duro ficar sozinho no meio de tudo isso. Mas o dia chega. E quando ele chega, você não consegue mais achar que é preciso saber das últimas fofocas da rabuda da vez, ou da última porcaria sem letra nem melodia que "todo mundo está ouvindo". Você quer falar de bandas com músicas sensíveis e trabalhadas, mas as pessoas não conhecem, e - pior - têm medo de que conhecer e gostar delas torne-se fator de isolamento. Você quer falar de livros, mas as pessoas não leem nada, e evitam aquilo que pode ser relevante e, consequentemente, polêmico. Você quer falar de religião, política, futebol, mas as pessoas não querem lidar com discordâncias. Você quer contar histórias, mas ninguém está disposto a ouvir mais do que cinco minutos de absolutamente nada. As pessoas têm tanta pressa de preencher seus vazios que acabam esquecendo de conferir se eles realmente foram preenchidos.
A não ser que você considere que se possa chamar de informação a compra de um mamão na feira por uma celebridade, ou declarações completamente estapafúrdias de pseudoespecialistas, eu creio que não estamos sendo bombardeados de informação pela mídia. Nós estamos sendo enganados, e estamos aprendendo a desconfiar dessa enganação. Mas ainda de forma muito tímida, e com alguns retrocessos, como se pode perceber pelas últimas "febres" nas redes sociais.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Reciclagem de lixo (a que funciona)

O lixo aparece. Feio, sem graça, sem trazer nada de novo, sem acrescentar nada. Era simples: jogar na lata ou na trituradora.
Aí, o espertalhão vem com uma excelente ideia: por que não ganhar dinheiro com esse lixo? Os não-espertalhões argumentam: ora, porque isso é lixo; é feio, não tem graça, não traz nada de novo e não acrescenta nada. O espertalhão preferiria não responder, mas responde: "e daí? O importante é que eu vou ganhar dinheiro!".
E então o lixo, em vez de ir para a lata ou a trituradora, vai para o computador. O computador se esforça: melhora infinitamente a imagem, melhora o som, melhora a narrativa. O lixo fica parecendo produto. Continua feio, sem graça, sem trazer nada de novo e sem acrescentar nada. Mas vira um lixo apresentável.
O problema é que geralmente o lixo tem um dono. E não dá para reciclar o lixo sem reciclar o dono. O computador sabe que, para achar mais lixo, as pessoas procurarão o dono. As pessoas não sabem que, para achar mais lixo, podem procurar milhares de outros donos de lixo, tão competentes em fazer coisas feias, sem graça, sem trazer nada de novo e sem acrescentar nada quanto quaisquer outras.
Mas o computador tem até fórmulas para o dono do lixo: assessoria de imprensa, aulas de etiqueta e um monte de coisas, respostas padrão para jornalistas não encomendados. O computador manda colocar uma roupinha da moda, se é dono, e uns silicones, se é dona. Pronto, o dono já é tão apresentável quanto seu lixo.
Agora é hora de replicar o lixo. Não, não é reciclar: é replicar. É mostrar o lixo na mão de gente sorrindo. É jogar o lixo na mídia. É fazer gente conhecida dizer que o lixo é bom. É associar o lixo a "estar na onda" ou "estar por dentro". É tornar impossível a quem não liga para o lixo de ficar indiferente a ele. Aos que tentarem resistir, replicar, mais e mais. Naturalizar o lixo. Fazer com que o lixo seja um padrão, algo a ser copiado. Parabenizar publicamente o dono do lixo. Pagar puxa-sacos e liberar otários para pedirem mais lixo ao dono do lixo. Convocar intelectuais para afirmarem o direito ao lixo e condenarem como antidemocráticos e atrasados os que chamam o lixo de lixo. Criar uma polêmica sobre a qualidade do lixo, e obrigar os que não gostam do lixo a consumir o lixo para terem autoridade ao criticá-lo. Escrever sobre o lixo, justificando-o, reconhecendo que ele tem aspectos sadios para a cultura, apesar de ser feio, sem graça, sem novidade e sem nada a acrescentar.
E se o dono do lixo concordar em continuar revirando seus estrumes e porcarias para oferecer lixo dentro desse esquema, ele pode se tornar um verdadeiro lixo humano. Uma celebridade, idolatrada, querida. Feia, sem graça, sem trazer nada de novo e sem acrescentar nada a ninguém, mas querida.
Mas pode ser que o dono do lixo julgue ter direitos. Ou o direito de criar mais lixo sem recurso ao computador, ou o direito de não fazer mais lixo. Então, está na hora de procurar outro lixo para reciclar. De pegar o dono do lixo e jogar na lata ou na trituradora. De jogá-lo fora e ainda continuar lucrando com o lixo dele. Porque o espertalhão não curte lixo. Ele vende lixo para poder comprar o que não é lixo. Ele pode se desfazer do dono do lixo, porque o espertalhão é dono de algo maior: da estrutura toda da reciclagem. Então, não é preciso nem muito esforço. Basta ele parar o processo, e dono do lixo não é mais apresentável. As pessoas não procurarão mais o dono do lixo, porque os jornalistas não farão mais perguntas, os puxa-sacos não aparecerão mais, não haverá mais orientação para nada. Mas o lixo continuará apresentável e apresentado, gerando dinheiro. Feio, sem graça, sem trazer nada de novo e sem acrescentar nada, mas gerando dinheiro.
E quando o lixo gastar (porque a embalagem feita pelo computador é rapidamente degradável), não tem problema. O espertalhão sabe que lixo é fácil de achar, daqui a pouco aparece mais.
E aparece o lixo. E começa tudo de novo. Por isso é que se chama reciclagem.