sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Voto e propaganda

Quando as pessoas se digladiam em ofensas ou argumentações incisivas, às vezes fico pensando se elas acreditam que conseguirão persuadir seu interlocutor dessa maneira. Tenho observado, nesses últimos anos, um curioso fenômeno ligado ao debate político que faz com que eu coloque em dúvida essa possibilidade de convencimento.
Noto que determinadas candidaturas vencem pela simpatia do eleitor com elas. O eleitor gosta da "cara" daquela candidatura e se predispõe a dar seu voto a ela. A partir daí, esse eleitor não se preocupa mais em discutir propostas ou programas ou históricos de ação, mas apenas em defender a escolha subjetiva e emocional que realizou. 
Quando isso acontece, não há argumentação que mude aquela forma de pensar (ou não pensar). Esse eleitor "fechado" com a possibilidade que lhe inspira mais simpatia passa a colecionar argumentos para defender sua opção sem avaliá-los ou pesar sua relevância. Ele sempre tem algo a dizer sobre o candidato escolhido, mas quase nunca é uma ponderação racional, e sim a repetição de mantras publicitários, argumentos pobres (por vezes desumanos ou falaciosos) e imprecações violentas contra adversários. Para quem não conhece embate de ideias de verdade, essa massa de informações, que mais parece uma competição de prolixidade e grito que um diálogo sobre os rumos da coisa pública, ganha o estatuto imerecido e indevido de "debate político". Parece-me que essa confusão é tudo o que os marqueteiros querem, e que se configura como um dos maiores desserviços à população que se pode imaginar.
Por muitas vezes, nesse contexto, percebo a irritação e o desespero de quem leva argumentos racionais e bem construídos, baseados em fatos e informações fidedignas, aos que não querem mudar de ideia de jeito nenhum. E percebo um erro estratégico complicado, que é a ingenuidade de achar que, vencendo um debate, você muda a atitude do derrotado. Muitas pessoas que conheço ficam felizes por destruir a argumentação de um adversário nas redes sociais, como se isso mudasse uma predisposição de apoio ideológico, que tem muito mais a ver com fatores subjetivos manipulados pela propaganda. Não quero dizer, com isso, que não adianta argumentar. Quero dizer que o problema não é só argumentar, mas trazer a discussão para um patamar de interesse comum. E, ao fazer isso, mostrar que esse interesse comum não é contemplado quando a discussão é pautada pela mídia corporativa e pelos marqueteiros.
Tomemos, por exemplo, a questão da educação pública, laica, gratuita e de qualidade. Se temos essa pauta em mente, e conseguimos mostrar que é relevante também para o nosso interlocutor, partimos de um ponto em que a avaliação de candidaturas passa por compreender qual o compromisso que elas têm com essa demanda. E então podemos mostrar que nenhuma candidatura atende totalmente aos interesses comuns, tal como nenhuma os desconsidera totalmente. Podemos estabelecer graus de proximidade de interesses, que nos ajudam a buscar o que nos favorece, enquanto trabalhadores e cidadãos, dentro de qualquer gestão eleita, seja mais próxima ou mais distante de nossas preferências.
Quantas vezes eu vejo as pessoas discutirem questões dificílimas e cheias de nuances, como o aborto, os rumos da economia, a distribuição de energia, a mudanças de leis trabalhistas, todas elas trazidas para as conversas como amontoados de raciocínios incompletos repetidos sem leitura e aprofundamento, associados, via de regra, a um viés partidário de preferência? Por vezes parece que as pessoas não veem contradição alguma em apoiar medidas que as prejudicam enormemente se defendidas por candidatos de sua preferência pessoal. Por outro lado, essas mesmas pessoas não conseguem elogiar ou apoiar medidas importantíssimas para elas e para os outros quando assumidas por candidatos do campo antagonista. Fica parecendo que, se o candidato querido disser que bois voam, o seu eleitor deve repetir essa argumentação até a exaustão, mesmo que tenha consciência de que ela é ridícula. Cria-se um compromisso de torcedor, e não de cidadão politicamente participante.
Acredito no diálogo, mas não acredito que o formato de interlocução oferecido pelas redes sociais ou pelos canais de televisão e rádio seja, de fato, favorável ao aprofundamento das questões mais importantes. Não compartilho do otimismo das pessoas que citam a amplitude da rede virtual e a velocidade da circulação das informações como benefícios imediatos à construção de consciências. Precisamos ter estratégias para navegar nesse mar de vozes, e a confrontação verborrágica orgulhosa e soberba só trará mais rusgas. Para mim, é preciso voltar às bases: procurar conhecer as demandas das pessoas ANTES de configurados quaisquer processos eleitorais, estudar as questões mais prementes, fazer leituras, grupos de estudo, grupos de discussão, problematizar a pauta da mídia antes de assumir uma posição em relação ao que ela oferece, criar uma pauta comum e dialogada como alternativa àquela estabelecida pelos que podem fazê-lo.
Sem isso, ficaremos na mesma.

Esta postagem é só um desabafo pessoal. Para pensar esse tema com mais consistência, recomendo a leitura das obras políticas de Noam Chomsky.