sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Sem pacto. Só impacto.

Quando eu era criança, em tempos de crise e recessão, as pessoas usavam muito a expressão "pacto social", que significaria um acordo em que vários segmentos da sociedade (empregados, empregadores, governo, funcionários públicos, ricos e pobres, classes A,B,C,D) teriam de fazer concessões individualmente para que se conseguisse um quadro melhor da economia que beneficiaria a todos.
Essas concessões seriam negociadas, é bom que se entenda.
Admitindo que essa ideia nunca realmente vigorou, e que os de menor renda sempre foram mais prejudicados, devo dizer que me espanta que, no quadro atual, a desfaçatez seja tamanha que nem esse tipo de pacto tenha sido proposto. Não há negociação, as concessões são praticamente todas dos empregados e funcionários públicos, e não há sequer a preocupação de se apresentar isso como um esforço de todos de "apertar os cintos".
Pelo contrário, trata-se às vezes de ameaça e chantagem explícita, via propaganda, como quando se diz que, se não for do jeito que o governo quer, o trabalhador perderá o benefício ou o direito que até então tinha. Se não mexer nos direitos (do trabalhador), não vai ter emprego. Se não cortar benefícios (do trabalhador), não vai ter educação e saúde. Ninguém fala de rever a alíquota do IR, ou de taxar grandes fortunas, ou de limitar a especulação financeira, medidas essas que seriam concessões dos mais ricos (e de uma parcela bem pequena deles, até). Não há mais a preocupação de convencer as pessoas de que todos estão no mesmo barco. Isso ao mesmo tempo em que se paga uma dívida interna irreal, se congelam investimento sociais e se perdoam dívidas de teles, agronegócio etc.
Sem proposição de pacto, sem esforço de persuasão e sem nenhum incômodo sequer para os que têm dinheiro e poder, olha só quanta coisa tem ido pro ralo para a minha e a sua vida:
- tempo para aposentadoria aumentará (muito);
- leis trabalhistas (acordos com patronato passam a ter valor de lei);
- CLT está sob ameaça;
- o mínimo aumentou menos do que era previsto;
- as contas de tudo subiram;
- salários de funcionários públicos não são pagos;
- salários congelados por anos;
- transportes subiram;
- vagas em universidades públicas sendo diminuídas;
- orçamento da educação sendo cortado;
- contratações de funcionários suspensas;
- discute-se mudar leis para poder pagar menos e demitir funcionários estáveis;
- nem os seus atenuadores de humor, como a Netflix e outros, estão garantidos, uma vez que haverá limitação da banda larga;
- e tudo isso no mesmíssimo mar de corrupção que sempre caracterizou a coisa pública brasileira, inclusive com as mesmas figuras de sempre ocupando cargos-chave no Congresso e no Planalto.
Esqueça o teatrinho político por um momento. Não defenda a espoliação dos seus direitos em função de "gostar" ou não de governante X ou Y, o de ter defendido X em determinada ocasião e agora se sentir comprometido com as escolhas que fez então. Pense que os nomes, as pessoas e as intenções estão a serviço de ideias e ações, e são estas que ficam. Não defenda nenhuma ideia ou ação que não traga benefícios a pessoas como você, seja quem for a figura pública envolvida.
Ou nos unimos em torno de ideias e questões específicas, da defesa dos nossos direitos, ou vamos perder todas as conquistas de anos para o país sair da crise (o que não é garantido) e deixar a gente, mesmo com a economia mais saudável (o que, de novo, não é garantido), em condição bem pior do que estávamos antes (o que é garantido e permanente com essas mudanças que estão sendo feitas).