Quando era criança e meus amigos me chamavam para jogar bola, bolinha de gude ou taco na rua, não foram raras as vezes em que preferi ficar em casa, isolado de todos, lendo. Para algumas coisas, acho que sempre fui uma alma velha; a idade madura, na verdade, não foi mais que o reconhecimento de uma identidade que, por vezes, neguei.
Talvez seja essa falta de espírito de adolescente a grande razão de meus fracassos na juventude e minhas conquistas na maturidade. Mas isso é questão para uma postagem mais longa. O que me importa, aqui, é revelar como essa tendência`prematura à seriedade e ao comedimento sempre me impediu de dar aval a um dos ritos de passagem de nossa sociedade.
Critiquem-me, discordem, vituperem, riam de mim, pouco importa. Serei sincero: sempre achei o trote uma babaquice. Nunca entendi, nunca vi graça, nunca quis fazer com os outros. Para mim, a única coisa que ele representava era a possibilidade de exercitar preponderância física e psicológica sobre um grupo de novatos, e, não raro, de descarregar instintos mais violentos. Talvez eu tenha me divertido com uma ou outra situação, mas aquilo nunca foi importante para mim.
Fui "trotado" três vezes: quando entrei na escola técnica, quando entrei na Filosofia da USP e quando retornei à USP para fazer Letras. A terceira não conta, porque os veteranos praticamente nada fizeram comigo, visto que eu tinha mais tempo de Universidade que a maioria deles e aquilo não era exatamente um ingresso para mim. Mas eles pintaram meu braço, numa estúpida concessão que fiz, apenas para parecer menos antipático. A segunda foi estimulada por uma ex-namorada, que me levou aos veteranos de Filosofia e Sociais. Fui para casa todo pintado, para não ter de contrariá-la e parecer menos ranzinza do que sou; outra vez, fui bobo. O primeiro trote era bem mais violento e invasivo. Além de me pintarem, jogaram um creme(?) metálico no meu rosto, que causou irritação na pele por alguns dias. Dessas experiências, que vivi de forma submissa e passiva, não tirei nada, nem em termos de integração com os veteranos, nem em termos de satisfação pessoal por participar da brincadeira.
Sou muito chato, admito. Não bebo, sou tímido e abomino atitudes invasivas e ameaças. Para mim, trote não serve para nada, só para encher o saco, e me deixar com raiva por não ter enfrentado com coragem a intimidação que sofri. Mas esta não é uma posição apenas em relação à minha vivência de trotes. Eu não vejo graça neles em absoluto. Hoje, vi trotes sendo aplicados na USP, no Mackenzie (em frente à minha casa) e no caminho do ônibus que tomei à tarde. A mesma coisa de sempre. Calouros intimidados, alguns poucos se divertindo, voltando para casa cobertos de tinta e sem descobrir nada de novo, produtivo ou interessante sobre a graduação em que acabavam de ingressar. Veteranos usando os mais novos como marionetes de espetáculos cretinos e constrangedores. Honestamente, fiquei chateado com aquilo. Vinte anos de universidade e as pessoas ainda não conseguiram criar uma recepção que não passe por essas brincadeiras surradas.
Respeito as pessoas que gostam do trote e entendem que ele representa uma perspectiva de integração e uma forma de tornar marcante o primeiro contato de um estudante com sua nova casa. Sinceramente, acho que há muitas experiências que são positivas em relação a isso, e conheço gente que gostou de levar trote e gosta de aplicá-lo. Mas isso depende de uma certa disposição de espírito para a novidade e uma certa tolerância com a brincadeira que, definitivamente, não possuo e nunca possuí. E respeitar a posição alheia não significa concordar com ela.
Eu passei pelos meninos hoje com vontade de ter em mãos um pano ou guardanapo qualquer e uma garrafa com água, para ajudá-los a limpar a sujeira que ficou sobre seus corpos. Pensei que, se fosse uma pessoa corajosa, sabotaria o trote da FFLCH oferecendo condições para os calouros se limparem e voltarem para casa com a aparência que quisessem voltar. Como não tenho essa coragem toda, limito-me a manifestar minhas discordâncias neste espaço protegido da internete. Mas, pelo menos, tenho coragem de admitir que sou um careta conservador em relação a recepções de calouros. E que, se nunca consegui relativizar essa opinião, foi simplesmente porque nunca quis, e nunca ninguém me convenceu a querer.
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