Se você colocasse uma câmera em um lugar qualquer do mundo não imediatamente acessível ao ser humano, provavelmente conseguiria filmar algum tipo de vida formando-se e protegendo-se em grupos e sistemas. Que tipo de vida seria esse? Poderiam ser criaturas como pequenos insetos, peixes circulando em cardumes, plantas parasitando outras plantas, mamíferos em semivigília para antecipar o ataque dos predadores. Seja qual for o formato desse ser, seja qual for a enformação dessa vida, o fato é que ela estará, sempre, fragilmente, equilibrando-se sobre uma corda bamba. Para esses notáveis batalhadores, conviver com a iminência do desaparecimento, da morte, da destruição, é parte de uma experiência evolutiva instintiva da qual, mesmo não tendo consciência, eles são os legítimos atualizadores e mantenedores em sua singularidade individual.
Quando um bando de roedores atravessa desavisadamente um caminho cheio de sinuosidades e esconderijos, onde uma serpente silenciosa posiciona-se para obter sua presa do dia, não há garantias, nem seguros, nem leis, nem justiça, nem nada. Daqueles vinte ou trinta que passarão, um ficará, e não é possível dizer qual seja. Aos outros, restará a fuga, a reorganização do grupo, a triste percepção da perda de um membro, e a continuidade da jornada. E a inteligência do instinto, a avisar: deve-se estar atento, pois é preciso que continuemos no mundo.
Por que aquele, e não outro? Por que x e y sobrevivem a uma inundação, e não a ou b? Por que, das tantas moscas que sobrevoam os restos nos matagais, justamente aquelas tinham de enredar numa teia de aranha, e outras prosseguiriam com sua rotina de alimentação e reprodução? Não sei se é possível responder a essas especulações, e talvez elas nem façam realmente sentido, uma vez que procuram encontrar padrões numa realidade ainda não suficientemente desvendada. O que considero, na verdade, mais intrigante nisso tudo é que, embora tenhamos muitas vezes a convicção de que, pelo menos no espaço de tempo em que realizamos nossas atividades cotidianas, nosso lugar no universo está garantido, estamos, provavelmente, na mesma situação dos roedores do parágrafo anterior. Vivemos num mundo em que, caminhando por dentre multidões, ou fechados em fantasias de segurança, somos absolutamente vulneráveis. Menos que as moscas, que os coelhos, que a plantas? Talvez. Mas quando um atirador anônimo invade um espaço em que você está, num momento de delírio psicótico, caberá uma mesma indagação aplicável ao reino animal: por que fiquei, e outro se foi? Por que alguns são pegos de surpresa por coisas tão absurdas quanto uma bala perdida ou uma queda aparentemente trivial, enquanto outros escapam de guerras sanguinárias e condições completamente desfavoráveis?
Creio que somos animais, antes de tudo, e que tenhamos essa bela e sábia condição de seguir em frente, sobrevivendo, dando continuidade à espécie. Mas nossa relativa segurança física para o prosseguimento da experiência da vida, construída pelo engenho de inúmeras gerações de nossos antepassados, talvez tenha nos dado uma percepção arrogante do mundo, camuflando a irmandade que temos com todos os seres subsistentes que nos rodeiam, que é baseada, justamente, na quase insignificância perante o todo, aliada à extrema singularidade de permanecer uno e respirando apesar de todas as possibilidades em contrário. É um milagre estar aqui blogando e dividindo a sensação da própria finitude com outros da mesma espécie, num planeta tão rico de vidas e experiências do existir. Se somos animais antes de tudo, somos homens, acima de tudo, e espíritos, em meio a tudo, e expressões de uma inteligência superior, a despeito de tudo.
Nisso se fundamenta meu amor por Deus.
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