É meu dever ter profunda gratidão pelas pessoas que gostam de mim e que empregam parte de seu limitado tempo para conversar comigo e compartilhar momentos da rotina diária. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém, e creio que isso torna o bem querer ainda mais notável e precioso.
Há alguns dias, na casa de meus pais, uma situação chamou minha atenção. Não recordarei exatamente o contexto, mas meu irmão disse que sairia da cozinha porque alguma outra pessoa iria fazer uma atividade na sala ao lado. Essa atitude, que poderia parecer antipática, foi justificada por ele da seguinte forma: "Eu sei que sou chato, que a movimentação das pessoas vai me incomodar. Então, não vou ficar por perto, porque vou ficar de mau humor. Se eu saio e vou fazer outra coisa, ninguém me incomoda e eu não incomodo ninguém. A melhor coisa do mundo é você conhecer a si mesmo".
Essa cena me impressionou por dois motivos. Primeiro, pela lucidez que meu irmão tem de suas reações. Segundo, pela dureza com que ele se avalia. Meu irmão não é nada chato, pelo contrário, é uma pessoa querida de todos, sempre rodeada de amigos, sempre com assuntos para uma boa conversa e cheia de boa vontade.
Só que ele tem razão em uma coisa: é importante a gente se conhecer. Porque quando a gente se conhece, a gente sabe que não pode preencher certas expectativas; e, mesmo que pudesse, a gente não preencheria.
Eu não sou como meu irmão ou minha irmã, ou mesmo meu pai. Eles são muito mais sociáveis; considero impossível que eles fiquem sozinhos nessa vida. E ainda têm a seu favor o fato de serem pessoas agradáveis, bonitas e de forte personalidade. Eu sou mais fechado, menos seguro. E, para complicar ainda mais, eu me interesso por coisas que ninguém se interessa, e desprezo coisas que todo mundo valoriza. É difícil para mim entrar numa roda e entabular uma boa conversa. Eu não tenho, digamos assim, as senhas sociais de aceitação. E por várias razões.
A primeira e mais evidente talvez seja minha transparência emotiva. Quando estou preocupado, chateado, emburrado, contrariado, não consigo disfarçar. Raramente transformo isso em escândalo, mas qualquer pessoa vê muito claramente o que estou sentindo. Essa característica faz com que eu não consiga, por exemplo, sorrir para uma foto quando não estou contente, nem me entusiasmar com algo que não me entusiasma. Eu não consigo muito fazer média. Se eu tento, não dá certo. Não é que eu não queira, é que comigo não funciona.
A segunda razão de minha pouca sociabilidade é que sou caseiro por excelência. Não gosto de sair. Gosto de que as pessoas venham a minha casa, e gosto de ir à casa das pessoas. Nunca fui de baladas, de sair com amigos, de viajar muito, de procurar aventuras. Não me sinto seguro quando fico muito tempo longe das minhas coisas, do meu mundo.
Terceira razão, essa muito forte: eu sou estranho para a imensa maioria das pessoas. Eu não tenho os mesmos anseios que as pessoas têm, que são, basicamente, dinheiro, poder, popularidade, corpo perfeito, carro do ano, ter acesso a coisas que dão prazer e ter vantagens para contar. Quando as pessoas não me conhecem, geralmente se aproximam de mim para falar de alguma dessas coisas. Só que elas ficam sem graça, porque não encontram entusiasmo de minha parte. Um exemplo: um dia, na academia, pedi para revezar um exercício com um bombadão metido a comedor de lá. O rapaz cedeu a vez, e eu mudei o pino do aparelho colocando bem menos peso do que ele estava puxando. Enquanto eu fazia a série, ele me disse: "Como você está começando, e com pouco peso, faça bem devagar, que o resultado vem mais rápido. Depois, você começa a pegar mais pesado. Eu também, no começo, pegava pouquinho peso". Creio que eu deveria ter respondido de alguma forma interessada, como se realmente quisesse ficar fortão e admirasse os bombados, algo do tipo: "então, como eu faço para ficar assim como você?". Mas eu só agradeci e comecei a falar de outra coisa que não lembro, talvez de música. Resultado? O cara nunca mais nem me cumprimentou. Deve ter me visto como um fracote, um preguiçoso, sei lá o quê. O fato é que não houve identificação. E isso acontece comigo o tempo todo, com várias pessoas em várias situações.
Ainda dentro da terceira razão, há outro fator que me torna estranho para a maioria: a minha opção pela sobriedade. Imagine o que foi para um adolescente difícil como eu não beber, não fumar, não usar nenhuma droga (nem maconha), não gostar da insanidade de multidões e não se sentir à vontade em grupos que me pressionavam a fazer coisas que eu não queria. Eu sempre quis ser dono das minhas ações. Obviamente, só consegui isso até certa medida. Mas a verdade é que nunca precisei de nenhum facilitador para entrar num clima que queria entrar. Quando me sentia bem com as pessoas, estava bem, e pronto. Quando não me sentia à vontade, nada me deixava à vontade. Sou assim até hoje. E as pessoas veem isso como quadradice da minha parte.
Uma última razão para minha pouca sociabilidade (há muitas outras, mas vou parar nessas quatro) é meu gosto. Seja música, cinema, literatura, beleza física, culinária, opções de passeio, roupas, o que for, o que gosto precisa ser bom para meus padrões. E meus padrões são muito esquisitos. Todo mundo está pulando e cantando uma música de Carnaval, na maior alegria, num clima de festa e descontração; se a música é ruim, eu continuarei achando ruim. Todos têm tesão pela atriz fulana; se ela não me desperta nada, vai continuar não me despertando nada. Ninguém ouve uma banda que acho o máximo; se gosto dela, continuarei ouvindo e falando a respeito. Não consigo ver novela, reality show ou programa de auditório para ter assunto com os outros. Sou falho nessa estratégia. Sou aberto a muita coisa, mas modismos não fazem diferença para mim. Esse é um fator inacreditável de isolamento. As pessoas leem isso como arrogância, alienação e até incapacidade de fruir a qualidade dos produtos que elas consomem. Pode ser mesmo um pouco dos três, acrescentando aí uma boa dose de intolerância com o fútil e o superficial. Tive de superar isso para dar aula para as crianças do ensino fundamental, cujo referencial cultural quase absoluto era a televisão aberta. Mas só acessei certos produtos culturais por causa delas, como estratégia de aproximação para relacionar com elementos de aula; no fundo, eu não estava nem aí.
Construído esse quadro, posso afirmar, com tranquilidade, que a forma como meu irmão se referiu a si próprio serve muito mais para me definir do que para defini-lo. Se alguém é chato nessa história, sou eu. É por isso que prezo tanto as pessoas de que gosto: porque é difícil encontrar quem tenha algo em comum comigo. E é por isso que morro de medo de decepcionar alguém que gosta de mim: porque não será sempre que poderei ter esse privilégio. E entendo perfeitamente por quê. É a lei das probabilidades. Não tenho recursos para agradar a maioria das pessoas naquilo que elas valorizam. E não vou reclamar disso. Essa não é uma inquietação minha. É só uma constatação de alguém que tenta se conhecer melhor, para ser mais feliz.
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