Cá estou, escrevendo sobre sentimentos e experiências, como faço desde a adolescência. E fazendo isso, como sempre fiz, dentro do meu tempo, que teimo em tentar controlar.
Meu computador foi o mesmo durante pelo menos seis anos, e só recentemente comprei um modelo um pouco mais atual. Mas a minha impressora tem pelo menos oito anos. Na estante da sala, há livros de quando comecei a faculdade, outros que comprei para meus estudos e muitos referentes a assuntos com os quais já não trabalho. Foi também bem recentemente que resolvi trocar o aparelho de televisão por um digital, sem tubo; ainda não me acostumei com todas as vantagens da imagem mais nítida e perfeita. Meu celular é o melhor modelo que eu poderia conseguir gratuitamente com a minha operadora e, portanto, é uma porcaria tecnológica: não faz quase nada além de atender as chamadas (quando não falha nisso também). Eu só o troquei, há alguns anos, porque meu celular anterior pifou, e descobri que era possível pegar outro sem pagar, ou pagando uma taxa simbólica. Meu aparelho de telefone fixo, por sua vez, é primitivo e não tem integração com nenhum dos meus outros aparelhos em casa.
Eu poderia ter lançado meu livro, ano passado, em versão digital, para download. Preferi a forma tradicional impressa, encapada, com orelhas e possibilidade de entregar com dedicatória. Ainda não consumo muitos livros digitais, pois não gosto de ler nada na tela do computador. Durante muito tempo tive enormes desconfianças das compras pela internet, mas sinto-me mais seguro atualmente. Quanto a transações bancárias, ainda tomo cuidados paranoicos de vez em quando. Eu não sigo ninguém no Twitter de verdade, porque não gosto do Twitter, e não consigo acompanhar a vida real de ninguém sem ficar entendiado. Mesmo depois de dez anos de exibição, continuo detestando o Big Brother e os programas do gênero. Abandonei o orkut porque as pessoas migraram para o Facebook, mas penso que o Facebook é menos aberto ao debate de temas relevantes que o orkut. Não assino nenhuma petição online de nada e não acredito em nada que me mandam sem examinar por pelo menos uns dez dias.
Tudo isso poderia ser resumido em uma constatação maldosa: estou envelhecendo e não consigo me adaptar às mudanças cotidianas da sociedade e da tecnologia. Repare que usei a palavra poderia. Condicional. E usei porque penso, sinceramente, que não é essa a questão.
Pois, com todas essas resistências que citei acima, ainda consigo gerenciar cursos online, produzi-los, trabalhar dentro de sua plataforma. Consigo trabalhar com programas relativamente complicados para o usuário leigo não programador. Consigo entender a lógica de várias novidades em tecnologia, e visualizo sua utilidade. Não sou inimigo das mudanças.
O que ocorre é que vivo em outro tempo em relação às pessoas. Sempre vivi, desde quando os meninos iam aos bailinhos pegar menininhas e eu preferia ficar em casa com meus livros e meus discos. Desde quando senti o deslumbramento de entender uma aula bem ministrada e a diferença que isso fazia na minha vida, e que isso praticamente destruía o sentido de todos os outros microprazeres. Desde quando descobri que não tinha a menor vocação de acompanhar as modas e os padrões de comportamento vigentes e que não me sentia pior por isso (talvez solitário e desconfortável, mas nunca pior que ninguém). Essa insistência de falar do que ninguém está falando e não falar do que todo mundo está falando deixa as pessoas de fora do tempo presente, sancionado coletivamente, e sei disso desde o primeiro sorriso de deboche que enfrentei em rodinhas de garotos.
Como não acredito em progresso como linha contínua, não faz sentido dizer que estive e estou deliberadamente atrasado, ou arrogantemente adiantado em relação à média dos meus contemporâneos. Não é assim. Quando digo que vivo em outro tempo, não creio que seja em relação à noção de "atualidade" como sendo o tempo absoluto de tudo, que todos devem assimilar. Entendo que o ritmo com que experimento o mundo não é o ritmo com que o mundo me oferece experiências. E gosto disso, e não quero mudar.
Não li, por exemplo, os "Cinquenta tons de cinza". Não li, vi muita gente lendo e comentando, mas continuei desinteressado. Se lesse, teria assunto com mais pessoas. Postaria comentários sobre o livro e teria mais acessos em meus blogues. Pareceria atualizado com o mercado editorial. Mas nenhuma dessas possibilidades condiz com meus valores mais profundos.
Em lugar de ler esse livro que todos estão lendo, resolvi retornar a algumas releituras: os primeiros livros da Bíblia, os Analectos de Confúcio, Alice. Talvez você argumente que tenho algum tipo de fechamento em relação ao novo. Na verdade, o que tenho é uma reverência fiel às obras de arte que considero profundas e aos produtos da cultura e da história que me fascinam. É mais fácil para mim rever Psicose pela enésima vez que arriscar um Brinquedo Assassino 5 ou 6 só para ver do que se trata. Esse é meu tempo: Alice nunca se esgotou para mim, é sempre um prazer retornar a esse livro. Relê-lo é mais produtivo e satisfatório que ler uma obra mais recente e mais superficial.
Minha relação com as coisas funciona dessa forma que exemplifiquei. Eu não quero o novo pela embalagem de novo, eu quero o novo pela força de sua relevância. Fui um dos primeiros a baixar, ouvir e comentar o In rainbows, do Radiohead. Porque era novidade? Não. Se fosse desinteressante, fraco, sem graça, seria uma audição e nada mais. Mas ouço esse álbum até hoje, e percebo nele sempre uma coisinha a mais que não havia percebido antes. É esse tipo de novidade que me satisfaz: a que se dá a partir do aprofundamento das experiências.
Em relação às maravilhas da internet, das redes sociais, e da informática em geral, só faço questão daquilo que considero útil. O resto, sei que existe, e está bom. Twitter não serve pra mim? Prefiro o Face para divulgar minhas coisas? Sem problemas, ficamos no Face. Celulares de última geração acessam milhões de coisas extraordinárias. Preciso delas no momento? Sim? Não? Isso define minha necessidade do aparelho.
Ser desatualizado tecnologicamente não significa, de forma alguma, ser alienado. Você pode passar o dia inteiro conectado aos conteúdos veiculados por seu celular e continuar sem saber nada de política, de ética, de economia, de ciência. Eu não sei nada de um monte de disciplinas. Mas minha opção, parte consciente, parte espontânea, é pelo aprofundamento, pela seleção, pela triagem. Então, demoro mais em tudo: sei das coisas depois, aprendo a manusear depois, incorporo no meu cotidiano depois. No entanto, via de regra, sei das coisas que valem saber, aprendo a manusear melhor, e deixo minhas energias para experenciar o que posso consumir, e não o que me consome. Prefiro adaptar a tecnologia a meu modo de vida que adaptar meu modo de vida à tecnologia.
Há muitos mais como eu. Que preferem filmes antigos. Que reveem os mesmos filmes várias vezes. Que curtem bandas que não existem mais. Que persistem e propagam ideias consideradas ultrapassadas. Que mergulham em obras até o limite da compreensão possível. Que retornam ao mesmo, enquanto o trem da história segue seu rumo em ritmo inadiável.
Como eles, eu desci na estação que me convém. O mundo é redondo, o trem vai ter de voltar um dia. Quero estar preparado.
Um comentário:
Sou dessas também. Celular dura até pifar de vez e se possível pego um aparelho velho de algum amigo. Músicas e filmes repetidas inúmeras e incansáveis vezes.
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