sábado, 1 de novembro de 2008

Incompreensível

Na estação Sé do metrô, entrou um grupo de rapazes, com aparência de adolescentes. Entraram cantando, rindo e provocando um outro rapaz que os conhecia e já estava no vagão. Até aí, tudo bem. É comum encontrar efusividade e irreverência no comportamento de muitos grupos de jovens.
Mas quando eles começaram a brincar de forma mais agressiva, empurrando-se e simulando surras em outros membros da patota, comecei a ficar cismado. Numa dessas brincadeiras exageradas, um deles caiu sobre meu braço, que descansava apoiado no ferro do banco próximo à porta. Nem se deram conta disso, ou nem quiseram manifestar-se. Desci na outra estação, sem que antes um deles simulasse tentar me atingir com uma revista, que depois foi arremessada para fora enquanto eu transladava de vagão, provavelmente com a mesma intenção.
Enfim, não era simplesmente irreverência ou babaquice. Havia algo de agressivo nessas atitudes, e também algo de frustrado, de pequeno. Geralmente adolescentes se provocam entre si ou provocam outras pessoas para ganhar pontos dentro do grupo a que se integram. Mas o que queria exatamente aquela platéia? Será possível que nenhum daqueles caras tivesse a sensatez de dizer "espera, isso não é legal"? Pois veja só o que aconteceu em seqüência.
Do vagão ao lado, eu podia ouvir, cada vez que as portas se abriam nas estações, uma vozearia insana e troante, a gritar freneticamente coisas absolutamente incompreensíveis. Isso durou cerca de 10 minutos, ou cinco paradas. Entre a estação Praça da Árvore e a estação Saúde, o trem parou no meio do túnel. Depois, voltou a andar vagarosamente, enquanto vimos, assustados, um vulto que corria pelo lado de fora do vagão, entre a parede e o trem em movimento. A composição parou de novo adiante, e vimos claramente um rapaz correndo pelo túnel para tentar retornar ao primeiro vagão. Ficamos assustados, ainda, quando, após a nova partida, percebemos a presença de um cheiro estranho e uma fumaça branca no vagão em que estávamos.
Chegando à estação Saúde, assim que as portas se abriram, desci do vagão e fui ver o que tinha acontecido. O trem ficou parado na estação por pelo menos cinco minutos. Cerca de seis jovens desceram do vagão que estavam tumultuando. Desceram menos festivos, mais incomodados, disfarçando, como pessoas que fizeram algo errado. Estava tudo coberto de espuma de extintor de incêndio, o que explicava a fumaça branca que percebêramos. Além disso, a trava de segurança de uma das portas tinha sido acionada. Pelas conversas que ouvi entre a única segurança na plataforma e um garoto sujo nas pernas e nos braços que estava sentado no chão resmugando, concluí que este havia sido atirado para fora do trem em movimento no meio do túnel que ligava as estações.
Vi coisas absurdas andando de metrô, mas nada que sequer chegasse perto disso. E o pior é que não havia efetivo de seguranças nem para acudir o rapaz, nem para coibir os outros que haviam feito tamanha aberração. Eles, espalhados pela plataforma, riam, andavam calmamente, e vi que pelo menos dois simplesmente tomaram o próximo trem, que eu também tomei, sem que nada lhes fosse sequer perguntado. Mais ainda: o rapaz que havia sido atirado para fora não reclamava dos companheiros. Ele queria que a segurança o levasse de volta para dentro do túnel para pegar seu boné, que caíra na via.
Isso aconteceu na quinta-feira, dia 30 de outubro, entre às 23h30 e 24h00. Até agora, não consegui deglutir, quanto mais compreender, a monstruosidade que presenciei. O que leva alguém a cometer, rindo, festejando e cantando, e com a anuência de um grupo de iguais, tão desabusada violência? Não entendo como uma tentativa de homicídio pode divertir uma criatura. Não sei o que dizer a respeito.

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