Meu ônibus não passava e resolvi tomar um caldo de cana num ponto próximo do metrô. Sentei-me na cadeirinha giratória do balcão com aquele desleixo que é minha marca, e espalhei carteira, pasta e braços antes de pedir o que queria. Não deu vinte segundos, sentou-se um indivíduo maior que eu, moreno, forte, barba por fazer, cara meio inchada, e me pediu que lhe pagasse um conhaque. Instintivamente, peguei minha carteira que dava sopa no balcão e botei no bolso. Eu tinha separado cinco reais para pagar o caldo, e a nota estava na minha mão esquerda. O rapaz já tinha visto, evidentemente.
- Não.
Costumo ser seco e direto nesse tipo de abordagem, principalmente quando percebo que se trata de intimidação. Era o caso. O olhar firme do sujeito, a postura corporal de avanço, a noção de que eu era menor, a certeza de que eu tinha dinheiro suficiente em mãos. Mas mais que isso, o discurso posterior: hoje você está por cima, amanhã está por baixo, amanhã eu posso te encontrar na rua numa outra situação, e tal. Eu podia simplesmente sair dali, ou insistir que não pagaria. Mas sinto que não consigo comunicar firmeza para as pessoas, e por isso sou abordado muitas vezes e de forma muito insistente, por pedintes, vendedores, marqueteiros, pessoas que querem que eu quebre algum galho delas, e afins. E foi o estigma dessa insegurança que me fez não querer sair de onde eu estava: era como se eu quisesse sinalizar que ele não tinha me intimidado, para dizer a mim mesmo que eu não titubeio, ou que não seria assim daquela vez. E quando o moço perguntou de novo se eu não podia pagar o conhaque dele, devolvi algo que o irritou.
- Poderia pagar seu conhaque, mas não quero e não vou.
Ele sentiu a afronta e começou a falar mais alto, mais e mais. Começou a discursar, disse que eu o estava humilhando porque ele era pobre e só queria um conhaque e ele tinha problemas com a justiça e a família e outras coisas de que não me lembro, porque naquele momento eu estava com medo e raiva eu mesmo tempo, dele e de mim, por não saber lidar com essas situações. A verdade é que fui realmente grosseiro na minha negativa, desnecessária e vinda da mais profunda incerteza em relação a conseguir me impor. Mas agora é que eu não ia pagar nada mesmo. O homem crescia para cima de mim, e agora era um jogo de forças no qual ceder, na minha cabeça, significaria aumentar as possibilidades de ser achacado por esse cara em outras oportunidades. Dessa vez, fui didático e honesto:
- Você não pediu comida, você pediu um conhaque. Eu não bebo, não pago bebida nem para mim, por que pagaria para você, que nem conheço?
Senti-me um pouco melhor, porque agora as palavras estavam bem colocadas. Mas isso funcionou só para mim. O rapaz não me ouviu. Trocou os argumentos pela ameaça pura e simples. Disse que ia pedir um conhaque e pronto. Eu reiterei que não ia pagar. Ele disse que acabaria preso se eu não pagasse o conhaque. Eu lhe disse que, se assim era, que não pedisse. E aí já era puro braço de ferro de insistência contra convicção. Então eu fiz o que devia ter feito já no início de tudo: fui sentar numas mesinhas lá no fundo do bar. O rapaz não veio atrás de mim. Passou a perturbar o balconista, a agredi-lo, xingá-lo, esmurrou o balcão, disse que queria um conhaque, e outras barbaridades mais pesadas. Conseguiu que um outro rapaz, que estava de saída, interviesse na situação, e se propusesse a pagar a bebida que ele queria. Se pagou ou não, nem sei, porque a essa altura eu já tinha tragado sem nenhum prazer o caldo e me dirigido ao ponto de ônibus, de onde nunca deveria ter saído. Fiquei lá uns minutos, esperando a chegada do transporte.
Dali a pouco chegou o rapaz do conhaque. Nem falou comigo, nem fez menção de ter me visto. Ficou lá, perguntando às pessoas que ônibus ia para o Aeroporto. Não estava nem aí para mim, pois eu já não servia para resolver nenhum problema dele. Até subir no meu ônibus, quase nem nos olhamos. De minha parte, posso dizer que não estava com medo nem com raiva. O problema não era ele. O problema era o incômodo que sinto por não saber tomar as atitudes convenientes e firmes nas relações com pessoas que me pressionam. Desse ponto de vista, devo admitir que a insistência ameaçadora daquele moço contribuiu, de certa forma, para que eu tivesse de refletir a respeito de algo que escondo até de mim mesmo. Continuei achando que não deveria pagar conhaque nenhum, mas fiquei com a sensação de que sou meio infantil às vezes, querendo provar para meu ego que sou melhor do que sou. Se eu tivesse sacado isso a tempo - e havia de ser eu na situação, porque uma pessoa dominada pelo vício não tem condições de fazê-lo - teria tomado minha garapa sem susto e sem pressa noutro lugar. Na verdade, creio que se eu conseguisse aceitar determinadas falhas de caráter que tenho, teria maior capacidade para corrigi-las ou conviver com elas. Fico com essa ideia. Página virada.
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