domingo, 19 de setembro de 2010

A queda - Mário de Sá-Carneiro

A queda

Mário de Sá-Carneiro

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesoiro,
Morro à míngua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços de alma - e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra - em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
- Vencer às vezes é o mesmo que tombar -
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...

............................................

Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...

SÁ-CARNEIRO, Mário de. Todos os poemas. Organização: Alphonsus de Guimaraens Filho. Rio de Janeiro, J. Aguilar; Brasília, INL, 1974, pp. 62-63.

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