quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Ano Novo

Que 2009 seja melhor que 2008. Um grande abraço aos leitores deste blog! Saúde!

sábado, 27 de dezembro de 2008

Minha sobrinha

Passei o Natal na casa de mamãe. Era madrugada, e eu durmo normalmente bem tarde. Minha mãe queria que víssemos um filme chamado "Questão de honra", e eu topei.
Sentamos no sofá enquanto minha sobrinha, desinteressada daquela trama, saiu para a cozinha. Lá pelas tantas, melindrosamente perguntei à minha mãe se tinha chá. Ela disse que sim, e ficou por isso mesmo. Lá da cozinha, entretanto, minha sobrinha ouviu a indagação. Vinte minutos depois, enquanto rolava um intervalo do filme, ela me aparece com uma xícara de chá mate, já doce.
- Eu que fiz. Está gostoso?
Nossa, estava ótimo! Mais gostoso que o chá era ver uma menina de apenas 12 anos esforçando-se para ser prestativa e gentil. Fiquei comovido.
Minha sobrinha se parece muito comigo, em gostos, em hábitos, até fisicamente, a ponto de alguns perguntarem se é minha filha. Como não tenho filhos, ela é o que mais perto chega disso. Mas ela tem algumas melhorias em relação a mim. É mais loquaz, mais ousada, mais pura, mais criativa, mais desinibida. Não sei se as pessoas fazem idéia do orgulho que tenho dessa menina, e da felicidade que é vê-la crescer tornando-se uma pessoa boa, sensível, humana, generosa. Não tenho acompanhado esse crescimento, pois moro longe, mas quando posso perceber seus sinais, fico tocado.
Eu demorei muitos anos para enquadrar meu individualismo e aprender a gostar de servir e oferecer o meu melhor para a felicidade de alguém. Como professor, nem sempre posso agir assim. A profissão nos obriga a ser um pouco duros e as condições de trabalho nos impõem certas necessidades de auto-proteção. Ainda assim, fui aprendendo com o tempo a ser mais doce, mais maleável, menos atento aos problemas e mais atento às pequenas bondades do cotidiano escolar. Talvez por isso me seja tão importante valorizar a gratidão e a generosidade quando as reconheço nas espontaneidades dos que me rodeiam. Talvez elas sejam a grande fonte de argumentos para minha insistente máxima de que a vida tem de valer a pena, qualquer que seja a história que a enforme.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Dica

Se você é vegetariano, deve ter encontrado problemas para comer por aí, quando não tem tempo de fazer uma refeição efetiva. Não é comum encontrarmos locais que oferecem variedade de opções para nossa dieta alimentar.
Pior ainda se você, como eu, tem problemas de saúde que se agravam quando seu peso aumenta. Se a opção vegetariana se restringia àquilo cujo recheio é queijo ou palmito, agora ela ganha o agravante da proibição de frituras, massas, refrigerantes e doces.
Andando pelo Shopping Light, avistei a Subway. Quis experimentar. Sem conhecer muito o esquema, perguntei para o rapaz se havia alguma opção vegetariana. Ele disse que havia um sanduíche de mussarela de búfalo com tomate seco. Só que, no sistema deles, eu é que tinha de montar o sanduíche, indicando quais seriam os ingredientes. Já que o rapaz dera a liberdade, me esbaldei: pão integral, a mussarela e o tomate seco quentes, queijo cheddar, alface, pepino, azeitona, cebola, sem tomate (não me faz bem, só me vai o seco), mais algum vegetal que não lembro, e, por último, o molho agridoce, como um toque especial.
Não sei se estava com muita fome, mas o fato é que achei esse sanduíche simplesmente delicioso. Deve ser um tanto quanto calórico, nem sei, mas parece ser uma opção para o caso de estar perdido num shopping, correndo contra o relógio e impedido de se empanturrar de coxinha e coca-cola. De qualquer forma, se alguém um dia resolver experimentar, tenho certeza de que não vai se arrepender.

Sem vergonha de ser feliz

Ou poderia ser medo, só quis variar o título um pouquinho.
Estava na nova Saraiva do Shopping Ibirapuera, que tem um telão. Nesse telão, estava o Keane, fazendo um show vibrante e comovente em Londres.
Estava eu parado na frente desse telão. Estava ali um tempão, tendo saído apenas uma vez para descansar as pernas e ir ao banheiro. Estava ali e fui ficando, ficando, ficando...
Eu vi quase todo o show do Keane de pé, no telão da livraria Saraiva, enquanto consumidores circulavam e faziam compras de Natal. Nenhum vendedor me perguntou nada. Só fui interrompido por duas pessoas, uma que me perguntou quem estava cantando e a outra, onde estava aquele DVD na prateleira. Digamos que eu fui até útil para os interesses da loja.
Não tenho vergonha nenhuma de ter assistido o show quase inteiro no telão da Saraiva. Se fosse um disco legal tocando, eu me sentaria no sofazinho e só sairia dali quando acabasse a audição. Tenho amigos, conhecidos e familiares que achariam horroroso, coisa de pobre. Não estou nem aí. A gente só pode se comover quando paga? A gente só pode curtir quando consome? Pobre, para mim, é espírito que não tem sensibilidade.
Outro dia, recebi um desses e-mails enviados a milhões de caixas-postais com "coisas de pobre", ou "sintomas de pobreza", não lembro bem. Tá certo, é pra ser engraçado, é uma piada, uma brincadeira etc. Mas aquilo, no fundo, me incomoda. Porque às vezes parece que todas as diferenças de cultura, gosto, escolha e hábitos se resumem ao pertencimento a uma camada social economicamente determinada. Ou que todas as pessoas querem as mesmas coisas da mesma forma, diferindo apenas na possibilidade de realizar ou frustrar suas ambições. Ou - mais maluco que isso - como se gastar fosse status, e economizar fosse sinal de inferioridade.
Não sei o que dizer quando as pessoas fazem essas brincadeiras, ou dizem coisas como: "se você pensar como pobre, será sempre pobre", "pobreza atrai pobreza", e pérolas do tipo. Azar delas: perdem o Keane fazendo um show lindo, de graça, quase exclusivo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Carros

Não tenho carro e não sei dirigir. Pretendo tirar minha carta em 2009, pois acho necessário poder guiar um veículo em uma eventualidade. Mas confesso que nunca tive muita ligação com automóveis, a ponto de ser incapaz de diferenciar visualmente um modelo de outro. Isso significa que se um dia precisar dizer a alguém qual carro estava na porta da minha casa, provavelmente só estarei apto a acertar a cor.
Não considero satisfatória minha posição indiferente em relação aos carros. Precisaria entender um pouquinho mais deles, e ter pelo menos a competência para utilizá-los. Creio, entretanto, que há um outro extremo dessa relação, que é aquele em que o indivíduo gosta tanto de seu automóvel que não consegue ter uma identidade sem ele. Não me refiro a motoristas, ou pilotos de corrida, ou aventureiros, ou pessoas que simplesmente gostam de passear com seus veículos. Refiro-me às pessoas que precisam do carro para ser quem são, para dizer o que dizem, para manifestar sentimentos de superioridade, para agredir.
O primeiro caso é o mais comum, e como exemplo posso citar dezenas de colegas que simplesmente consideravam (às vezes com razão) que suas namoradas os abandonariam e seus amigos desapareceriam se eles estivessem sem carro. Afinal, como entoa alegremente Ivete Sangalo, "andar a pé é lenha". A não-posse do veículo provocava nessas pessoas um sentimento de inferioridade tão descomunal, uma ansiedade de adquirir tão forte, que vi muitos deixarem de pagar pensões alimentícias ou ajudar suas famílias com o argumento de que estavam guardando dinheiro para comprar um carro ou pagando prestações do mesmo.
O segundo caso também é bastante freqüente. Tanto que aconteceu comigo hoje. Vinha eu da academia com uma camisa do Grêmio (para que fique claro, sou cruzeirense. Tenho, a despeito disso, camisas de vários clubes, porque acho bonitas) quando ouço uma buzina e uma voz provenientes de um carro que passava em alta velocidade. Disse o motorista algo como "aeeeeeeeeeeeeeeeeeeee viiiiiiiiiiiceeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!" (não conseguirei reproduzir a elaboradíssima entonação do sujeito) e continuou seu caminho, provavelmente satisfeito pela provocação e pela impossibilidade de revide. Eu não revidaria; sei que é brincadeira. Mas duvido, apostando todos os meus dentes e meus globos oculares, que esse cara me provocaria se estivesse a pé. O carro dá a certas pessoas a ilusão de que são inatingíveis, de que podem simplesmente acelerar e ir embora depois de brincarem ou provocarem alguém. Isso traz coragem. Lembro, quando adolescente, quantas vezes mexíamos com prostitutas ao voltar de alguma balada, apenas porque sabíamos que estávamos motorizados e que poderíamos fugir das respostas. Admito essa babaquice no meu currículo; até porque isso me ajudou a perceber o quão imbecil eu poderia me tornar numa situação como a do motorista são-paulino. Graças a Deus percebi mais cedo que outros minha sanha de covardia, e me regenerei a tempo.
O terceiro caso é o mais engraçado de todos. Há pessoas que se sentem bem dando cavalo de pau, ligando o som do carro num volume insano, passando quatrocentas vezes no mesmo lugar para ser reconhecido dentro do veículo, exibindo de todas as formas possíveis aquilo que é, basicamente, um meio de transporte. Eu lembro, quando morava com meus pais e minha família estendida, que, de vez em quando, minha prima aparecia por lá. Muito bonita e gostosona, ela chamava a atenção dos rapazes da praça onde morávamos. Um deles, conhecido garanhão do pedaço, adotava a estranha tática de sedução de encostar seu carro na calçada oposta ao portão da nossa casa e ficar buzinando por horas a fio, chamando a moça. Além de ser deselegante e cafajeste, era absurdamente ridículo, dado que, se ele simplesmente batesse palmas no portão, ela iria sem nenhum problema. Mas julgo que, ao fazer isso, ele se igualaria aos outros pretendentes, e sua segurança iria para o brejo.
O quarto caso é o mais perigoso. Diz respeito a pessoas que usam seus veículos para intimidar ou machucar outros indivíduos, sem nenhuma compreensão da responsabildiade que têm enquanto motoristas. É aquele pessoal que joga seu carro em cima de outro, em função de alguma discussão de trânsito ou manobra que não tenha gostado. Ou, pior ainda, que avança com seu carro sobre pedestres, às vezes buzinando, às vezes nem isso, para tirá-los do caminho ou acertá-los. Lembro de ter, uma vez, passado em frente a um estacionamento no exato momento da saída de um apressadinho. Ele brecou para que eu passasse, mas se irritou com ter de fazer isso, e deu um pequeno tranco, sem me acertar, mas como que dizendo "tá vendo, se eu quisesse?". Juro que fiquei olhando para o rapaz, mais estarrecido que ofendido. Minha cara era de "você passaria mesmo por cima de mim por causa de 3 ou 4 segundos?". O pior de tudo é que hoje sei que alguns passariam sem dó. E não por estourarem: apenas por poderem.
Pondero, por fim, que nossa sociedade precisa aprender que todo aumento de poder implica maior carga de responsabilidade, e que isso tem tudo a ver com o consumo, e mais a ver ainda com automóveis. É legal sentir-se bem e confortável dentro de um seu veículo; mas há algo de errado em sentir-se bem apenas quando dentro de seu veículo. E isso pode ser muito perigoso.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Nilmar

Gosto muito de transmissões esportivas de todo o tipo. O esporte de ponta é, para mim, algo de grande beleza plástica, talvez até artística em alguns casos. Ao acompanhar partidas de futebol, tênis, vôlei, basquete, ou eventos de natação, atletismo, ginástica, gosto de ver os atletas mais elegantes, que combinam uma certa altivez pessoal com um desempenho plasticamente agradável aos olhos. Muitas vezes esses atletas não são os mais eficientes nem ganham o jogo, mas quase sempre ganham minha simpatia.
O jogador que mais gosto de ver no futebol brasileiro, hoje, é Nilmar, do Internacional. Leve, ágil, goleador, talentoso, um craque dentro da área. Hoje, enquanto acompanhava a eletrizante partida entre Internacional e Estudiantes, pela final da Copa Sulamericana, minha torcida não era apenas para um título dos gaúchos. Eu queria também que o gol do título fosse do Nilmar. Seria um coroamento ao bom futebol desse garoto, que, não entendo como, ainda não tem vaga garantida na seleção (Dunga estava no estádio, quem sabe volte pra casa com uma impressão semelhante à minha).
Pois não é que deu tudo certo? Não é que o Inter foi campeão com um gol do Nilmar? Fiquei muito contente, compensou ter ficado acordado até quase 1 da manhã.
Nilmar está na minha galeria pessoal de artistas do esporte, na qual eu incluo ainda Roger Federer, Daiane dos Santos, Ian Thorpe (aposentado), Marta, Manu Ginóbili e o levantador Ricardinho. Há muitos outros, sei, mas gostos pessoais não costumam ter tanto compromisso assim com a coerência. Esses me ganharam. Torço por eles, independente da camisa que vistam. É um modo diferente de torcer, eu sei, mas é igualmente bacana.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Televisivas

O concurso "Beleza na favela" da Record tem um lado interessante, que é dar oportunidade profissional a meninas de regiões desfavorecidas. Há, no entanto, a reprodução de um problema que é o mesmo de todos esses concursos de modelos: exige-se um biotipo extremamente magro e raro de encontrar na população em geral. Acaba-se reforçando o estereótipo de mulher magérrima, que ocasiona um parafuso mental nas adolescentes do mundo afora e está relacionado ao aumento assustador dos casos de anorexia e bulimia em pessoas cujo biotipo é diferente desse que é valorizado. Legal dar oportunidade a localidades diferentes; mas eu espero ainda um concurso aberto a tipos de beleza diferentes, valorizando, inclusive, a beleza das muitas mulheres brasileiras que não são magérrimas e compridas, mas enchem os olhos de encanto.
Agora, trocar "favela" por "comunidade" no nome do concurso é meio forçado. As palavras não são sinônimos, nem a segunda serve de eufemismo para a primeira. E "favela" não é pejorativo, na minha opinião.
Curioso vai ser explicar o concurso para quem não o conhece:
"- O que é esse não sei o quê de beleza na comunidade?
- Eles pegam meninas e elegem a mais bonita e fazem um contrato com ela.
- Meninas de onde?
- Acho que das favelas."
Nesse caso, creio que o vocábulo politicamente correto apenas contribui para reforçar a sensação de distanciamento entre o mundo do concurso e o mundo da favela. Soa falso, e menos simpático.

O César Tralli esteve aqui no meu bairro, a uma rua da minha casa. A reportagem filmou crianças traficando drogas livremente, com a maior tranqüilidade e sem pressão de nenhuma instância de segurança pública. Achei ótimo. Isso é denunciado faz tempo, mas é voz corrente que essas questões, por mais agudas que sejam, só incomodam os administradores da coisa pública quando expostas na mídia. Espero que haja respostas efetivas a essa louvável provocação do SPTV, porque essas crianças são a ponta de um processo muito pernicioso, e, por isso, as primeiras a sofrerem os brutais efeitos da violência ligada a esse gênero de criminalidade. Depois coloco o link.

sábado, 29 de novembro de 2008

O episódio da Bienal

Na Bienal deste ano, vivi uma situação das mais impactantes da minha vida. Empolgado com os baixíssimos preços dos livros no estande da Imprensa Oficial do Estado, fiz compras grandes, de vários gêneros. Avisei minha namorada, que pediu alguns minutos para fazer suas escolhas. No estande, havia umas poltronas, junto às prateleiras, em que podíamos sentar. Escolhi uma delas e, esperando a compra da minha companheira, fiquei folheando livros que já havia comprado. Ela, então, colocou numa poltrona próxima livros pelos quais havia se interessado, mas ainda não decidira comprar.
Uma vendedora me abordou. Vira-me tirar um livro de minha sacola para ler. Perguntou se eu estava colocando aqueles outros livros da pilha feita por minha namorada na sacola. Eu fiquei ofendido, disse que não, que os livros que eu tirara da sacola eram os que eu tinha comprado, inclusive alguns ali mesmo. Ela saiu, desconfiada, mas alguns minutos depois retornou. Eu folheava um livro de prêmios da APCA. Ela me perguntou se eu tinha comprado aquele livro. Disse que sim. Ela me perguntou se eu tinha a nota fiscal da compra. Disse que sim, que já ia pegar. Mas a nota do livro estava no bolso da jaqueta, e eu, meio zonzo com a situação, puxei a carteira para procurá-la. Como passaram-se alguns segundos e eu não encontrava a bendita nota, a vendedora chamou outro vendedor, grandão e com jeito de segurança, e disse que precisava de auxílio para lidar comigo.
Aquilo me deixou muito nervoso, e aí é que eu não conseguia encontrar mais nada. Fiquei vermelho de vergonha (nunca tinha sido abordado dessa forma em público) e muito tenso, disse que eu não era ladrão e que ia provar. A sorte é que o rapaz grandão já tinha conversado comigo, e tinha me atendido antes de eu sentar nas poltronas. Ele disse qualquer coisa para a vendedora, e os dois saíram de perto de mim. Foi bom para que eu me acalmasse. Dois minutos depois, lembrei de pôr a mão no bolso da jaqueta e encontrei a nota. Fiz questão de me levantar, ir até onde estava a vendedora e mostrar para ela. Ela nem quis ver, disse que estava tudo bem. Mas para mim já estava tudo mal: voltei para o meu lugar muito, muito, muito triste. Não sei por que fiquei tão triste, foi uma sensação das piores que já tive. A vendedora ainda veio para perto de mim, puxou papo, perguntou se eu estava interessado em algum outro item. Eu disse secamente que não, menos para agredi-la, mais para não chorar na frente dela.
Esperei em silêncio minha namorada fazer suas compras. Saímos do estande, e ela me perguntou o porquê de minha mudança brusca de comportamento (a empolgação das compras vantajosas já tinha ido pro beleléu). Contei o que aconteceu, muito perto de ir às lágrimas. Ela quis voltar lá, eu não deixei. Resolvi deixar por isso mesmo.
A verdade é que o sentimento pelo qual fui tomado nesse incidente foi tão negativo que depois tive de refletir sobre por que ficara daquela forma. Entendi, revendo a situação, que fora vítima de um juízo precipitado. Talvez meu comportamento tivesse sido entendido como suspeito pela vendedora, e ela, zelosa de suas responsabilidades, tentara certificar-se de que eu não tinha causado prejuízo à sua empresa durante seu expediente. Entendo isso, que talvez tenha sido intuitivamente o que me fez não retornar ao estande para reclamar. Mas a verdade é que aquela abordagem não fora adequada, tanto que me senti acuado e constrangido; na verdade, até posso dizer humilhado. Naquele dia, descobri o quanto é duro ser acusado de roubo, e o quanto é constrangedor ser pressionado por alguém em função dessa acusação. Por outro lado, atesto que esse episódio me remeteu a uma segunda reflexão.
Pensei que aquilo que, talvez por causa de minha aparência despojada, meus cabelos compridos e minha postura tímida, eu vivenciara pela primeira vez na minha vida, muitas pessoas teriam vivenciado muitas vezes mais. Pensei nos indivíduos pobres, sobre quem sempre pairam suspeitas onde quer que estejam, perseguidos com os olhos e constantemente achacados de formas muito mais violentas. Pensei nas pessoas negras, que tantas vezes vi serem vergonhosamente maltratadas sem terem qualquer atitude que pudesse ser considerada suspeita. Pensei nos velhinhos, que têm dificuldade de lembrar de coisas e menos agilidade para apresentarem dinheiro e documentos, tantas vezes desrespeitados por pessoas impacientes e covardes. Pensei em tudo isso e, pela primeira vez, entendi DE VERDADE como essas pessoas se sentem, e quanto elas carecem de tratamento humano e digno. Se eu quase fora às lágrimas em função desse episódio, imagine os indivíduos que convivem com tanta freqüência com essas pequenas-grandes humilhações! E então, indaguei-me se não teria sido melhor reclamar da vendedora. Fiquei em dúvida, mas fato é que não fui. Na verdade, até hoje não sei o que deveria ter feito. O que realmente ficou disso tudo, e ainda me incomoda, é o que senti.
Muito tempo depois, lembrando desse episódio, julgo serem coisas completamente diferentes saber o que sofrem as pessoas e vivenciar esse sofrimento em situações como aquela. E creio que talvez falte um certo grau de compaixão de minha parte, perdido entre a alienação no dia-a-dia e a situação privilegiada em que me encontro em relação à maior parte do nosso povo.
Até o momento, foi o máximo que pude compreender.
Conheço uma pessoa que me disse recentemente: " - Agora que estou já há algum tempo sem emprego, não reclamo mais de garçons que trazem pratos que não pedi ou balconistas que erram nalgum momento do atendimento. Penso que essas pessoas não fazem por mal, e não gostaria que uma reclamação minha ocasionasse suas demissões e as colocasse na mesma situação em que me encontro". Considero elevado e belo esse pensamento, muito próximo do que eu chamei de compaixão no parágrafo anterior. É por pensamentos como esse que considero essa pessoa tão especial.

sábado, 22 de novembro de 2008

Arrependimento

O título da postagem provavelmente enganará o leitor. Não vou confessar nada, não vou tratar de nenhum assunto embaraçoso, nem vou rememorar titubeações que porventura tenham me tirado oportunidades valiosas.
Queria apenas refletir sobre o conceito que as pessoas fazem sobre arrepender-se.
Muitos gostam de um chavão bastante motivador para quem não pode mais mudar algo que incomoda. Esse chavão é a frase "não se arrependa de nada". Que pode ser substituída por outra, de valor semelhante: "só se arrependa do que você não fez". Geralmente, essas frases querem dizer "não olhe para o passado, porque não adianta" ou "bola pra frente", em contextos nos quais as pessoas lamentam oportunidades perdidas ou erros de avaliação que causaram prejuízos ou problemas.
O curioso é que conheci pessoas que usavam esse chavão, mas não para todos os casos. Por exemplo, quando alguém procurava conselhos amorosos por ter sacaneado seu (sua) parceiro (a), essas pessoas diziam: "vai lá e diz que você se arrependeu, que quer uma nova chance". Ou quando seus filhos faziam alguma sacanagem própria da idade, exigiam: "peça desculpas e mostre-se arrependido pelo que fez". Ou quando algum ex-amigo as procurava depois de uma pisada horrorosa na bola, comentavam com outros: "não sei se darei outra chance, não sinto que ele esteja arrependido". Nesses casos, raramente vi pessoas dizendo às outras coisas como "tente voltar com ela mas não se arrependa de nada" ou "peça desculpas pela traquinagem mas só se arrependa do que não fez" ou ainda "vou dar mais uma chance a esta amizade porque não acho que ele deva se arrepender de coisa alguma".
Parece-me, então, que não há regra universal para o arrependimento, ficando ele sujeito a conveniências e convenções de todo o tipo. Resolvi, por isso, respeitar os arrependimentos das pessoas, e parar com essa mania de querer que todo mundo erga a cabeça de imediato depois dos percalços da existência.
Eu me arrependo de muita coisa que fiz e que não fiz. Acho que me dou esse direito, entendendo que o que não é saudável é brecar o fluxo da vida para remoer as coisas que já não alcançamos. Mas até isso eu respeito, sinceramente. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato, e tem arbítrio para decidir a hora de trocá-lo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Apoio a Fausto De Sanctis

Ouço muitas teorias conspiratórias e explanações detalhadas sobre todo tipo de esquema de corrupção e tráfico de influências. Se acreditar em todas elas, serei obrigado a concluir que a honestidade é a mais inconveniente característica para um cidadão que quer crescer na sociedade brasileira. Creio que, sim, há muita sacanagem por esse país afora, e há coisas abomináveis acontecendo que sequer posso supor. Mas não sou daqueles que vêem mutreta toda vez que seu time perde, ou que seu candidato não ganha uma eleição.
Tenho certo grau de desconfiança permanente em relação às instituições sociais, que não chega a um nível paranóico, até porque dependo, no dia-a-dia, do funcionamento delas. Em função disso, faz muito bem para minha saúde mental acompanhar o trabalho de indivíduos que conseguem desbaratar quadrilhas e esquemas criminais que a maioria considera inacessíveis ou intocáveis. O trabalho de Protógenes e Fausto de Sanctis, que conseguiram chegar até Daniel Dantas e colocá-lo na parede, é um dois maiores alentos que tive nos últimos anos em relação à atuação da polícia e da justiça no Brasil. As operações precisam ir adiante e não podem acabar em pizza, não só para que seja feita a justiça, mas também por uma questão de motivação moral. Eu arrisco dizer que a Operação Satiagraha é a mais importante ação institucional em andamento no Brasil de hoje, e é uma das maiores chances que temos de recuperar a fé na viabilidade de nossa nação, que depende justamente da confiança nas instituições que a sustentam.
Não sei quem vai ganhar o Campeonato Brasileiro, nem o que vai acontecer com os Nardoni, nem quantos pontos a bolsa vai cair, nem o que aconteceu com Eloá e Nayara em Santo André. Sei que apóio o juiz De Sanctis e quero ver até onde ele vai chegar. E que isso é muito mais relevante para o país que qualquer outro assunto veiculado pela nossa imprensa nos últimos meses.

sábado, 15 de novembro de 2008

Escolhas

Sexta-feira tinha Feira do Livro na USP. Eu queria muito ter ido, eram descontos de mais de 50% e oportunidades únicas. Tinha também um churrasco de confraternização dos alunos de EJA no Chiquinha. Seria muito bacana poder celebrar com esse pessoal, com quem tive o prazer de trabalhar um ano inteiro, aprendendo muito e divertindo-me à beça.
Mas não fui a um nem a outro. Fiquei preparando minha aula da faculdade, que transcorreu bem, dentro do possível.
E devo confessar que dar uma boa aula de literatura, para mim, gera tanto prazer quanto comprar livros ou comemorar com os amigos. Pode parecer estranho, mas é verdade.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Diálogo com uma estudante de Pedagogia - verídico

- Li o Dom Casmurro inteiro ontem.
- Nossa, você gosta de estudar, hein? Eu não gosto de ler.
- É o meu trabalho. Amanhã vou ler Os Maias.
- Mas amanhã é sexta-feira!
- Ué, e daí? Por acaso tem dia certo para ler?
- Claro que tem. Segunda, terça e quarta.

Silêncio meditativo.

domingo, 2 de novembro de 2008

Rebelado - Cruz e Sousa

Ri tua face um riso acerbo e doente,
Que fere, ao mesmo tempo que contrista...
Riso de ateu e riso de budista
Gelado no Nirvana impenitente.

Flor de sangue, talvez, e flor dolente
De uma paixão espiritual de artista,
Flor de Pecado sentimentalista
Sangrando em riso desdenhosamente.

Da alma sombria de tranqüilo asceta
Bebeste, entanto, a morbidez secreta
Que a febre das insânias adormece.

Mas no teu lábio convulsivo e mudo
Mesmo até riem, com desdéns de tudo,
As sílabas simbólicas da Prece!

sábado, 1 de novembro de 2008

Incompreensível

Na estação Sé do metrô, entrou um grupo de rapazes, com aparência de adolescentes. Entraram cantando, rindo e provocando um outro rapaz que os conhecia e já estava no vagão. Até aí, tudo bem. É comum encontrar efusividade e irreverência no comportamento de muitos grupos de jovens.
Mas quando eles começaram a brincar de forma mais agressiva, empurrando-se e simulando surras em outros membros da patota, comecei a ficar cismado. Numa dessas brincadeiras exageradas, um deles caiu sobre meu braço, que descansava apoiado no ferro do banco próximo à porta. Nem se deram conta disso, ou nem quiseram manifestar-se. Desci na outra estação, sem que antes um deles simulasse tentar me atingir com uma revista, que depois foi arremessada para fora enquanto eu transladava de vagão, provavelmente com a mesma intenção.
Enfim, não era simplesmente irreverência ou babaquice. Havia algo de agressivo nessas atitudes, e também algo de frustrado, de pequeno. Geralmente adolescentes se provocam entre si ou provocam outras pessoas para ganhar pontos dentro do grupo a que se integram. Mas o que queria exatamente aquela platéia? Será possível que nenhum daqueles caras tivesse a sensatez de dizer "espera, isso não é legal"? Pois veja só o que aconteceu em seqüência.
Do vagão ao lado, eu podia ouvir, cada vez que as portas se abriam nas estações, uma vozearia insana e troante, a gritar freneticamente coisas absolutamente incompreensíveis. Isso durou cerca de 10 minutos, ou cinco paradas. Entre a estação Praça da Árvore e a estação Saúde, o trem parou no meio do túnel. Depois, voltou a andar vagarosamente, enquanto vimos, assustados, um vulto que corria pelo lado de fora do vagão, entre a parede e o trem em movimento. A composição parou de novo adiante, e vimos claramente um rapaz correndo pelo túnel para tentar retornar ao primeiro vagão. Ficamos assustados, ainda, quando, após a nova partida, percebemos a presença de um cheiro estranho e uma fumaça branca no vagão em que estávamos.
Chegando à estação Saúde, assim que as portas se abriram, desci do vagão e fui ver o que tinha acontecido. O trem ficou parado na estação por pelo menos cinco minutos. Cerca de seis jovens desceram do vagão que estavam tumultuando. Desceram menos festivos, mais incomodados, disfarçando, como pessoas que fizeram algo errado. Estava tudo coberto de espuma de extintor de incêndio, o que explicava a fumaça branca que percebêramos. Além disso, a trava de segurança de uma das portas tinha sido acionada. Pelas conversas que ouvi entre a única segurança na plataforma e um garoto sujo nas pernas e nos braços que estava sentado no chão resmugando, concluí que este havia sido atirado para fora do trem em movimento no meio do túnel que ligava as estações.
Vi coisas absurdas andando de metrô, mas nada que sequer chegasse perto disso. E o pior é que não havia efetivo de seguranças nem para acudir o rapaz, nem para coibir os outros que haviam feito tamanha aberração. Eles, espalhados pela plataforma, riam, andavam calmamente, e vi que pelo menos dois simplesmente tomaram o próximo trem, que eu também tomei, sem que nada lhes fosse sequer perguntado. Mais ainda: o rapaz que havia sido atirado para fora não reclamava dos companheiros. Ele queria que a segurança o levasse de volta para dentro do túnel para pegar seu boné, que caíra na via.
Isso aconteceu na quinta-feira, dia 30 de outubro, entre às 23h30 e 24h00. Até agora, não consegui deglutir, quanto mais compreender, a monstruosidade que presenciei. O que leva alguém a cometer, rindo, festejando e cantando, e com a anuência de um grupo de iguais, tão desabusada violência? Não entendo como uma tentativa de homicídio pode divertir uma criatura. Não sei o que dizer a respeito.

domingo, 19 de outubro de 2008

Minha final de Winbledon

Uma das manias que adquiri durante essa longa espera pelo dia da defesa de mestrado foi a de fuçar o Youtube à procura de vídeos de atletas em momentos de glória.
Um dos meus vídeos favoritos é o que traz os 13 pontos finais dos Grand Slams conquistados por Roger Federer.
Federer (muito mais pela figura pública que é, que pelo talento que tem) angariou minha simpatia a tal ponto que torço por ele como se fosse meu clube de coração. Reconheci nele um certo sentido de dignidade, tanto na vitória quanto na derrota, que sinto me faltar nos momentos decisivos da minha vida. Ainda não aprendi a perder de cabeça erguida, nem a dimensionar a importância das minhas vitórias. Provavelmente porque ainda não aprendi a reconhecer meus potenciais e meus limites.
Na última quinta-feira, 16 de outubro, defendi minha dissertação. Minha preparação, que envolveu dois dias de isolamento em um hotel e duas noites passadas em claro, dava a entender de que eu enfrentaria Nadal na final de Winbledon. Fui para a USP duas horas mais cedo, como quem vai para uma partida decisiva. Eu quase não falava, não conseguia ficar parado, respirava mal.
O problema foi que o jogo não teve adversários: jamais poderia chamar assim os simpáticos argüidores que teceram muitos elogios ao meu trabalho e fizeram poucas, justas e precisas críticas ao meu texto. Meu adversário foi, ao contrário, meu cérebro que, consumido pelo cansaço e pelo desgaste da véspera, parecia resistente às questões simples que me foram dirigidas.
O fim da argüição me daria a oportunidade de me jogar no meio da quadra e chorar, tendo atingido o máximo de empenho e esforço que se poderia esperar de minha atuação. Chorar, chorei. Mas sentindo que a semifinal, as quartas e as oitavas tinham sido o grande desafio. Na final, apenas domei o oponente chamado expectativa, especialista em jogar nos meus erros.
Voltei para erguer o troféu diante da pequena e maravilhosa platéia que me aplaudia. Nunca saberei o que Federer e Nadal sentiram quando ergueram os deles. Sei que venci a mim mesmo nesses quatro anos de luta, e terei sempre em comum, com eles, essa alegria indescritível, tão nossa, de atingir um grande objetivo.

sábado, 2 de agosto de 2008

Vida nova

Um dos momentos mais importantes da minha vida foi o depósito de minha dissertação de mestrado, em 31 de julho. Vejo que ele é marcado, como todo momento dessa natureza, por mudanças drásticas na relação entre minha consciência, minha auto-estima e minhas metas pessoais.
No mês imediatamente anterior ao depósito, consegui a proeza de engordar 10 quilos (sem exagero: 10 quilos em trinta dias). Abri mão de uma série de celebrações e eventos a que fui convidado. Me enfurnei dias e noites em casa ou na casa da minha namorada. Tive insônia feroz e tomei comprimidos para ansiedade. Pior de tudo: esse foi o período de minhas férias na Prefeitura e na FIP. Não gozei de descanso um dia sequer.
O que mudou agora? Volto a fazer exercícios físicos, saio um pouco mais (bem pouco, na verdade), durmo com mais regularidade e retomo a dieta anterior. Descobri que sou capaz de sacrifícios muito altos, e que gerencio muito mal minhas limitações. Talvez eu não seja talhado para uma disciplina rigorosa, nem mesmo a imposta por mim.
A verdade é que, se por um lado viverei de forma mais saudável, por outro fico um pouco carente de objetivos, o que pode ser ótimo, porque me dá a oportunidade de experimentar um monte de coisas, ou não tão ótimo assim, porque existe a necessidade de crescimento profissional na carreira.
Para o bem ou para o mal, eu tinha foco absoluto na entrega dessa dissertação. Agora, não há mais prazos nem angústias, tanto é que deu tempo até de escrever neste blog.
Talvez eu acostume com isso. Se me fizer bem, fico flutuante mais tempo. Uma hora aporto nalgum lugar, ou iço velas rumo à nova conquista. Que venha.

domingo, 23 de março de 2008

Rato chupando manga


Estávamos na Sala de Leitura e víamos o excelente filme da Discovery, Nefertiti revelada. Era uma noite de quarta-feira e a sala fica no segundo andar do prédio da escola, sendo que suas janelas estão voltadas para o pequeno espaço de terra cultivável do estabelecimento, constituído de algumas árvores e muitos arvoredos.
A certa altura, um aluno chamou minha atenção para um movimento estranho vindo de uma árvore. Ele constatara que era um rato comendo uma manga madura.
Nunca tinha visto aquilo. Achei a cena extremamente inusitada. A certa altura, parei a exibição do filme e chamei todo mundo para ver. Como o rato subira ali, ninguém sabia. Mas que era incrível, todos concordavam.
Tirei uma foto que ficou simplesmente horrorosa, escura e tosca. Mas é a única prova do fato. observando com muita paciência, dá para identificar o bochinho, pelo menos os contornos.
Às vezes, a natureza nos proporciona espetáculos (ainda que bizarros) que valem a perda de uma parte da aula. Adiante, isso se reverte em ganho, tenho certeza.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Educação - casos verídicos 2: Os 907 livros

Reclamei com a coordenadora pedagógica. Eu não podia distribuir os livros didáticos de 8a. série para os alunos, nem os de 7a. Faltavam livros. Alguns ficariam sem. E pior: se um aluno se matriculasse no meio do ano, fato comum na nossa escola, ficaria sem livro.
Reclamara isso logo na primeira semana. Já era passado mais de um mês de aula quando cansaram da minha insistência e resolveram me responder. A primeira resposta foi: não havia mais exemplares do título escolhido na reserva técnica. (Equivale a dizer que nos estoques da Prefeitura, não tinha mais daquele título, nenhum exemplar).
Devolvi com minha indignação de sempre, e questionei a quantidade enviada. São os professores que escolhem o título e determinam o número de exemplares, de acordo com a expectativa de formação das classes. A Prefeitura simplesmente confirma (ou não) a compra e envia o material. Para mim, nenhum professor com funções cerebrais normais pediria uma quantidade de livros incapaz de atender a demanda. Sendo assim, se a compra havia sido feita e sabíamos disso, onde estavam os livros?
Segunda resposta que chegou: muitos livros ainda estavam no correio.
Não gostei da resposta e pedi para ver a planilha de entrega dos títulos. De fato, estão no correio até agora. Somando todas as disciplinas que estão com problemas equivalentes, são 907 livros.

Peço atenção para o número: 907 livros didáticos estão no correio. Por algum motivo não foram entregues nem antes das aulas nem nas primeiras semanas. Estamos com um mês e pouco de aula e 907 livros destinados aos alunos da EMEF Dona Chiquinha Rodrigues continuam no correio. Repito: 907 livros ainda estão no correio depois de um mês e pouco de iniciadas as aulas.

907 livros. Só acredito porque vi escrito.

domingo, 9 de março de 2008

A voz mecânica

Hoje entrávamos no Shopping Ibirapuera, e quando passamos pela catraca para pegar o ticket do estacionamento, o rapaz que nos entregou conversava interessadamente com uma moça a seu lado. Enquanto ele, sem sequer nos fitar, estendia o braço e entregava o ticket, ouvíamos uma voz mecânica dizer: "Obrigado por sua visita ao Shopping Ibirapuera".
Na Reunião de Professores deste ano, na escola em que trabalho, a coordenadora comentou alguns assuntos, assuntou outras coisas e fez as recomendações necessárias no meio de uma falação geral. Quando um colega levantava a mão para expor algum item importante, os outros simplesmente ignoravam a colocação, continuando ou iniciando uma conversa paralela. Não dava pra ouvir ninguém. Até que chegou o momento de passar o vídeo com a fala do secretário da educação.
A coordenadora nos advertiu de que era improtante, de que tínhamos de fazer silêncio. Nós advertimos nossos colegas de que era preciso maneirar para ouvir o vídeo. Botei o vídeo para rodar. O murmurinho acabou, a falação cessou, todos prestaram atenção. A imagem do secretário no vídeo impôs mais respeito que a fala de qualquer dos colegas que estava presente. Respeitamos mais a fita de vídeo que o companheiro de profissão sentado ao nosso lado.
Refleti sobre isso hoje. Em um caso, a voz mecânica foi mais educada que a pessoa de carne e osso. No outro caso, as pessoas foram mais educadas com a voz gravada que com as pessoas de carne e osso. Nos dois casos, a pasteurização da fala e a impossibilidade de diálogo mostraram-se menos incômodas que as possibilidades de trocas erigidas na relação interpessoal. As pessoas não querem conversar, parece que isso incomoda. E parece que isso já foi descoberto por quem as manipula.

sábado, 1 de março de 2008

Sapato sob medida

Há alguns meses meu pai me ofereceu um sapato, novinho em folha e muito bom. Eu experimentei e caiu como uma luva no meu pé (luva no pé foi bacana!). Agradeci o presente, mas ficou a dúvida: porque ele não queria um artigo tão bonito e fino como aquele?
Acontece que o velho conhecera um senhor que confeccionava sapatos sob medida. Conversa daqui, conversa dali, resolvera encomendar um par. O sapateiro tirou as medidas do pé do coroa e fez o combinado. Quando meu pai foi buscar o produto, trouxe para casa para experimentar. Constatou, consternado, que o sapato simplesmente não calçava. Não havia encaixe possível com seus pés.
Ora, era possível devolver e ser ressarcido. Mas ele gentilmente lembrou de mim, e como o sapato tinha ficado realmente bonito, bem feito, me ofereceu como presente, desde que me servisse. Adorei a idéia.

Creio ser esta a primeira história conhecida de sapato cientificamente projetado sob medida para uma pessoa e milimetricamente confeccionado sob medida para outra. Torço para que meu pai volte sempre àquele sapateiro.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Vendo o Oscar, de madrugada

Os irmãos Cohen merecem o Oscar. Só a piada com o tempo para agradecimentos já vale a estatueta.
Eu é que acho que não mereço a sorte que tenho. Devia ter terminado meu capítulo da dissertação sobre Indústria Cultural ao invés de assistir a cerimônia.
De que vale estudar tanto as mazelas do mundo do espetáculo se sou tão fascinado por ele quanto quem nunca leria Adorno?
Amanhã farei tudo direitinho, prometo.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Educação - casos verídicos

Uma pessoa prepara um projeto, extremamente bem feito e bem estruturado, para dar aulas com e sobre a televisão brasileira.
O projeto passa por um processo de seleção, a pessoa é entrevistada por coordenadores pedagógicos, a viabilidade é debatida exaustivamente. Ele é aprovado com a condição de ser aplicado em toda a sua riqueza de propostas.
A pessoa se prepara, então, para a primeira aula, o primeiro contato com os alunos: grava vídeos, xeroca textos, organiza uma explicação.
A pessoa se depara, então, com a primeira pedra no caminho: constata que a escola estadual na qual desenvolverá seu projeto não possui nenhuma sala com tomada funcionando. Todas as tomadas foram destruídas pelos alunos com a introdução de objetos.
A pessoa pasma. Mas insiste. Procura a coordenação e pergunta se não há nenhuma possibilidade para ligar os aparelhos da escola (afinal, argumenta, é um trabalho sobre televisão). A coordenação diz que a realidade é aquela, e que a pessoa tem de usar a criatividade para driblar a situação.
Não, a coordenação não diz que chamará um eletricista para consertar ao menos uma tomada de uma sala. A realidade é aquela, é preciso usar a criatividade para driblar a situação.
Não tem tomada. O projeto é sobre televisão. Mas a realidade é aquela, é preciso usar a criatividade para driblar a situação.

A pessoa existe. A escola existe. A situação não foi ficcional.
Sejam bem-vindos a meu blog.
Aqui vou tentar expor minhas opiniões e compartilhar percepções do mundo.
Espero que funcione bem.

Para começar, uma obra-prima de elevação espiritual do mestre Cruz e Sousa, que será, não à toa, o título do blog:

Sorriso Interior

O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasão augusto
Do grande amor, da nobre fé tranqüila.

Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser tranforma tudo em flores...
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!