Terminei há pouco a leitura dessa obra sensacional de Mário de Sá-Carneiro. Denso, profundo, mas ao mesmo tempo vibrante e vivaz, o livro me remeteu ao que mais gostava e gosto em todos os eventos do mundo gay aos quais já estive presente: a atmosfera de liberdade para os sentimentos e as possibilidades que eles trazem. A personagem principal tem uma percepção elevada, acurada e detalhista das pessoas que a rodeiam, o que deixa transparecer uma postura de admiração e atração pelas mesmas. Lúcio, em sua paixão pelos outros, não faz distinção de gênero. A paixão de Lúcio não é sempre, nem necessariamente, sexual, remetendo às diversas formas de amar que se transformam, por nossas convenções de sociabilidade, em amizades, casamentos, casos, quedas, simpatias, companheirismos, e outros nomes para situações que não estão tão rigidamente empacotadas em nossos corações. Isso torna Lúcio belo: a sensibilidade à beleza alheia, a capacidade de identificar o ponto exato em que as pessoas o tocam.
Pensei muitas coisas da minha vida enquanto lia o livro de Sá-Carneiro. Sou um cidadão relativamente enquadrado no que a sociedade entende como sadio: heterossexual, com um relacionamento estável, nunca cometi crime por amor nem cultivei fantasias que prejudicassem outras pessoas. Mas o custo dessa normalidade envolveu, desde sempre, um certo receio de expor sentimentos e pensamentos que pudessem soar polêmicos em relação aos parâmetros de moralidade e imoralidade que me foram ensinados. A figura fictícia de Lúcio revolve a verdade desses sentimentos incovenientes com doçura e filosofia, o que lhe dá grandeza e força interior. Nesse sentido, a personagem afigura-se como mais real, verdadeira e verossímil,no que se refere à vida psicológica, que a maioria das personagens não-fictícias que encontro no meu dia-a-dia.
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