Tive a curiosidade de pesquisar a respeito de um tema esquisito, veiculado numa chamada de matéria televisiva que acabei não vendo.
Seguindo este link, este e este, você se deparará com uma certa pesquisa que indica uma relação entre os sorrisos das pessoas nas fotos de quando eram crianças e o índice de divórcios dessas mesmas pessoas no decorrer de suas vidas.
Antes de qualquer desenvolvimento a respeito do assunto, quero dizer que não considero a pesquisa nem um pouco confiável, e sequer acho que os índices percentuais mostrados (repare: os 10% mais sorridentes, os 10% menos sorridentes, 5% de divórcios, 25% de divórcios) possam servir para quaisquer suposições a respeito dessa relação alardeada pelas matérias. Do ponto de vista científico, é temerário e até irresponsável traçar conclusões com evidências tão tênues, opções tão pouco rigorosas (o que é sorrir, afinal? pessoas que moram juntas mas se odeiam estão casadas ou divorciadas? etc.) e dados estatísticos tão inconclusivos. Além disso, as comparações entre quem sorriu mais ou menos se ativeram a um décimo dos pesquisados em cada caso, ou seja, não se construiu um gráfico de proporção entre sorrisos e casamentos com o universo de pesquisa, apenas compararam-se dois estratos desse universo entre si. E, não bastasse tudo isso, soa estúpido saber que "pesquisadores olharam os álbuns escolares de pessoas e analisaram seus sorrisos, atribuindo notas de 1 a 10 de acordo com a 'intensidade'", como se houvesse forma de quantificar algo tão subjetivo, pessoal e dependente de traços fisionômicos particulares.
A veiculação de matérias desse teor já é, por si só, mau jornalismo. Primeiro, porque dá visibilidade ao irrelevante, produzindo manchetes e suposições que não se sustentam. Segundo, porque apresenta o que é questionável até pelo bom senso como se fosse uma verdade científica. Por último, porque induz a raciocínios preconceituosos e redutores. Um exemplo dessa indução é o comentário abaixo, presente numa das matérias que linkei:
“Talvez o sorriso mostre uma atitude otimista em relação à vida” explica Matthew Heinestein, um psicólogo da Universidade DePauwn, no Indiana. “Ou talvez sorrir para as pessoas atraia outras pessoas felizes e, daí, surja uma união boa”.
Ou talvez as pessoas que mais sorriem nas fotos (visto que sorrir em fotos não é, de forma alguma, sinal de otimismo ou de felicidade, mas uma prática social convencionada) sejam justamente aquelas que mais se preocupam com a aparência, a forma como são vistas pelos outros. Por essa razão, também seriam as que mais dificilmente se divorciam, tentando sempre acreditar ou fazer acreditar numa imagem positiva de seus relacionamentos. Por que não considerar essa hipótese também?
Simples: porque ela não serve para a reportagem que se pretendia fazer. Se a divulgação midiática da pesquisa já é, em si, lamentável, a opção de interpretação da mesma, fechada, obtusa, acrítica, serve apenas para confirmar a opção pelo mau jornalismo. Os dados apresentados não permitem nenhuma conclusão, e, por isso mesmo, a interpretação psicologizante dos mesmos acima transcrita é tão válida quanto zilhões de outras, porque nenhuma se sustenta. Estamos, nesse caso, totalmente imersos na chave do talvez, e é fácil perceber que as análises dizem mais sobre predisposições mentais de quem analisa do que sobre os objetos investigados.
Alguns blogs que li e a própria matéria do Fantástico que linkei chegam a sugerir que as fotos das pessoas na infância deveriam ser vistas para se calcular as possibilidades de sucesso do casamento. Nem de brincadeira aceito isso. Apesar de divorciado (e extremamente sorridente em tudo quanto é foto, diga-se de passagem), ainda considero casamento uma coisa muito séria. Séria demais para ser tratada com preconceitos: o sucesso do casamento, obviamente, não está associado à sua duração, e a felicidade de um indivíduo e sua positividade em relação à vida nada têm a ver com o número de casamentos que ele faz. Essas pseudoverdades científicas, expostas com esse viés normativo e conservador, ao espalharem-se pelas mentes das pessoas menos esclarecidas e mais passivas em relação à mídia, produzem encanações, autojustificações e temores infundados que, ironicamente, em nada contribuem para "uma visão otimista da vida" ou um casamento "de sucesso".
Só não foi uma total perda de tempo ter lido as matérias sobre a pesquisa porque no fim produzi esta postagem, este desabafo. Da próxima vez, vou propor às empresas jornalísticas que exijam, anexadas ao currículo dos pleiteantes a vagas, fotos dos mesmos quando eram crianças. Talvez seja um critério coerente com a seriedade dos conteúdos que veiculam.
Um comentário:
que medo dessa pesquisa...rs... apesar de ter sido uma criança muito alegre, nas fotos escolares meu sorriso não era dos mais entusiasmados. Portanto, só me resta concordar com vc e acreditar que essa "pesquisa" é uma grande bobagem mesmo...
:)
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