Eu não sei nada sobre o evento Criança Esperança da Globo. Mas como é uma festa que arrecada dinheiro para pessoas necessitadas, conta com minha simpatia de cara.
Eu não vejo o programa, não gosto dessa coisa de amontoados de atrações musicais cantando uma música só, e isso é problema de bom ou mau gosto meu, e ponto. Mas este ano minha esposa me falou de um problema que não é de gosto ou opinião, e sim de conceito, sobre o qual resolvi escrever nesta postagem.
Vou começar propondo a seguinte situação hipotética: haverá uma festa na escola em que leciono. Essa festa será de benemerência, e contará com a participação de várias pessoas da comunidade. O diretor da escola me convida para participar da organização da festa. Eu disponho de horas livres, e quero ajudar. Vou à festa no horário que disponibilizei. Ele então diz que é necessário colocar uma pessoa na organização interna, para montar as salas em que haverá eventos mais tarde, e que eu poderia fazer isso. Eu digo que não farei essa tarefa, porque ela implicaria que eu ficasse nos bastidores e que as pessoas não me vissem trabalhando. Em decorrência, as pessoas não saberiam que estive presente e não congratulariam meu esforço.
Nessa situação que descrevi, na minha humilde opinião, eu estaria sendo absolutamente grosso e antiético. Por quê? Porque minha atitude caracterizaria tudo, menos benemerência, no sentido de entrega ao próximo, de disposição de ajudar, de altruísmo. Se agisse dessa forma, não estaria demonstrando gostar de ajudar pessoas, ou entender a importância de contribuir com a vida de necessitados. Estaria, sim, vendendo minha participação, e o valor seria minha exposição pública. Ou seja, quando ajo assim, só ajudo enquanto recebo algo em troca. Então, no meu entender, não participo da festa nem por bons sentimentos, nem por apelo de consciência; participo para que os outros pensem coisas boas de mim. Em outras palavras, para me promover.
Ao fazer uma analogia dessa situação hipotética com o Criança Esperança, vejo-me obrigado a reprovar a atitude absolutamente mal educada de artistas como Xuxa e Zezé di Camargo de criticarem o formato do programa. Pelo que entendi, não se trata de um superfestival ou de um evento com fins meramente lucrativos. Se um artista concorda em participar é porque aceita doar uma parte de seu tempo e emprestar por alguns minutos sua imagem para que a festa funcione. É ridículo fazer qualquer exigência, porque qualquer exigência caracteriza, nesse caso, que a participação não é altruísta, na medida em que se exige algo em troca, seja mais exposição, seja mais controle sobre o evento. É muito feio dar uma declaração de que um esforço midiático com essas características será um fracasso apenas porque não será feito da forma como o declarante considera que seja a melhor. É como torcer contra. É inacreditável, ainda, que alguém diga que "participou contrariado" do programa. Como assim? Que disposição de ajudar é essa? Que empenho altruísta há nisso? É melhor não ir, simples assim.
Aceitaria sem problemas que alguém dissesse: "não vou". Opção de cada um. Mas querer condicionar a colaboração "espontânea" e "de boa vontade" a prerrogativas de condução do evento é muito contraditório. Uma razão coerente e aceitável para uma recusa seria discordar da idoneidade da distribuição do dinheiro arrecado, ou do uso da imagem dos artistas para fins outros que não a filantropia. Mas não é nada disso. Do jeito que foi divulgado, fica parecendo que alguns artistas veem a benemerência como oportunidade de autoexposição. Para evitar essa má impressão, bastaria o silêncio, ou o bom senso, ou a correção da declaração inconsequente. Uma imagem de postura íntegra exige certo controle da vaidade, e um maior cuidado com os rompantes de estrelismo.
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