As postagens anteriores já apontaram alguns dos fatores que considerarei como problemáticos para as instituições democráticas, dentre eles a cobertura tendenciosa da mídia, a exploração fundamentalista de questões importantes, a ausência dos planos de governo, a agressividade desenfreada no lugar do debate de propostas. Quero ressaltar, entretanto, que o próprio fato de conseguirmos eleger, por decisão soberana, um presidente da República pela sexta vez seguida é notável, dada a nossa extensa lista histórica de ditaduras e eleições com cabresto. No saldo geral, é evidente que a democracia venceu. Mas creio terem havido algumas baixas nessa batalha.
Além das questões que citei no parágrafo anterior, creio que saímos desta eleição com um vazio de pautas. Há duas tendências hegemônicas na política brasileira: o lulismo-petismo, e a tucanagem. Ambas amadureceram politicamente e construíram seus espaços, maiores ou menores conforme a oportunidade. Entretanto, ambas as tendências são muito mais estruturas de agrupamento ideológico para manutenção do poder que correntes de sensibilidade política, ou algo que valha. Elas digladiam-se entre si, mas não por ideias, propostas, busca de pontos em comum, convicções. Soninha saiu do PT e apoiou Serra para presidente; mudou radicalmente de lado sem maiores consequências, em menos de dois anos. Gabriel Chalita fez o caminho inverso: pulou do PSDB para a campanha de Dilma, chegando a ajudá-la na questão do aborto. Roberto Freire, uma das mentes mais lúcidas do comunismo brasileiro, descambou para um antilulismo estranho, tosco, infeliz. É perfeitamente possível que as pessoas mudem de opinião, mas é curioso notar como elas pulam livremente de um lado para o outro sem pudores ou tempo de maturação/adaptação. Para mim, isso é sinal de que qualquer um dos lados pode abrigar e acomodar o discurso de Soninha, de Chalita, de Freire, exatamente porque não há convicção programática, política ou ideológica nem no bloco lulista, nem no antilulista. Os blocos são grandes guarda-chuvas políticos, e não agrupamentos por valores e modos de compreender o mundo. Evidentemente, há diferenças, e elas não são poucas nem desprezíveis; mas há, também, muitas semelhanças, há consensos possíveis, há valores em comum. Há muita coisa que às vezes pode até ruir em função das rusgas e trincheiras pelo poder.
Eu espero há tempos uma terceira via, uma uma via alternativa, um projeto novo de poder e de sociedade, que possa mostrar-se digno da confiança da população. Marina pareceu a muitos essa alternativa, mas ela ficou no meio termo, acenando ora para um lado, ora para o outro, e não chegou a apresentar algo efetivamente novo. Até porque, vencendo, ela teria de compor com essas tendências hegemônicas, e seria muita cara de pau negá-las completamente nessas condições. O PSOL tem quadros interessantes, mas seu programa ainda não me convenceu por completo.
Enfim, torço para que os próximos anos vejam o surgimento de novas forças políticas e o crescimento de partidos com propostas inovadoras. Porque senão, a julgar por esta eleição, os debates serão ainda mais pobres em matéria de ideias. E democracia, para mim, é muito mais a possibilidade de existência de minorias que a garantia da vitória das maiorias.
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