Outra das características fortes do pleito presidencial de 2010 foi o debate sem pauta. Nós não tivemos acesso aos planos de governo, mas sim às listas de intenções políticas de cada pleiteante. Talvez em função da polarização partidária, talvez em função do medo de fechar questão em pontos polêmicos, a verdade é que se se perguntasse a um petista, um tucano ou um verde, mesmo a poucos dias da eleição, quais eram as propostas efetivas para áreas como Educação, Saúde, Energia, Desenvolvimento Urbano, ninguém sabia dizer.
Essa falta de programa oficial, ou de pauta clara de opções administrativas e políticas, foi marca de todas as candidaturas. Os eleitores sabiam mais ou menos de que lado estava cada um dos atores, mas quase ninguém poderia dizer que implicação isso teria em questões específicas, porque as propostas, quando haviam, eram tão gerais que abrigavam também seus contraditórios. Dizer que a educação é prioridade, todos disseram, por exemplo. José Serra prometeu um milhão de vagas nas Escolas Técnicas. Mas o eleitor não ligou para isso. Por quê? Por várias razões. Em primeiro lugar, por conhecer gestões tucanas anteriores e saber que o investimento em educação nunca foi tão vultoso (na gestão FHC, por exemplo, as técnicas estavam sucateadas). Em segundo lugar, por estar habituado a promessas que não se cumprem, ou se cumprem pela metade, ou são esquecidas, sem cobrança alguma nem por parte da sociedade nem por parte da mídia. Em terceiro lugar, porque a proposta é vazia: criar vagas como? Onde? Ampliando ou construindo novas unidades? Contratando mais professores pelo mesmo salário ou flexibilizando direitos para contratar mais por menos? Não é uma questão que se resolva simplesmente com uma declaração de intenções. É preciso explicitar caminhos. Ampliar as escolas técnicas é, sem dúvida, importante, mas seria prioridade em relação, por exemplo, à formação de professores em universidades públicas, ou à erradicação do analfabetismo funcional nas escolas fundamentais? Ou haveria verba para fazer as três coisas ao mesmo tempo? Decisões implicam ganhos e perdas, sempre, e é preciso que ambos estejam claros para o eleitor. Quando não estão, surge o contraditório: quem defende a Educação pode investir em escolas técnicas e não investir em ensino fundamental? Pode abrir um milhão de vagas e não valorizar profissionalmente o professor?
Esses sinais dúbios foram captados pelo eleitor, que entendeu sagazmente que os candidatos tinham medo do compromisso político. Obama, quando candidato à Presidência dos Estados Unidos, defendeu aberta e publicamente reformas no sistema de saúde, que eram e são polêmicas, e que custaram ataques e ofensivas à sua credibilidade. Ele sempre deixou claro quais seriam essas reformas, o que visavam, a quem atingiriam e de que forma julgava que devessem ser feitas. Uma postura como essa custa alto politicamente, mas oferece ao cidadão a segurança de que se sabe com quem se está lidando.
Creio que nem Dilma, nem Serra, nem Marina, nem Plínio conseguiram oferecer uma pauta mais detalhada, um programa de governo mais explícito em pontos fundamentais. Marina, na reta final, teve mais clareza de posicionamento que os outros, mas mesmo assim o eleitor tinha dúvidas, pois seu partido, o PV, por vezes sinalizava programaticamente ou politicamente na direção oposta à da ex-senadora. Plínio falou de operários, camponeses, tansformações políticas, mas a verdade é que não teve tempo para detalhar como seria um governo de classes populares no contexto atual do planeta. Dilma não tinha programa de governo detalhado, pronto ou definido até o segundo turno; se tivesse, não teria caído na armadilha eleitoral do aborto. Visão administrativa ela obviamente, como cabeça do governo Lula, tinha e tem, mas uma coisa é saber governar, outra é saber convencer a população disso. O PT, embora tenha vencido a eleição, não deu a importância devida a esse contrato programático do governante com o governado, que é um lastro de confiança republicano, e que deveria pautar definitivamente as escolhas políticas que fazemos.
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