sábado, 4 de abril de 2009

Currículo

Vez por outra temos de preencher, formatar, enviar, reformular currículos. Hoje em dia há vários modelos diferentes, do Catho ao Lattes, do impresso ao virtual, do sucinto ao prolixo. Sempre fico imaginando, quando estou empenhado em produzir mais um dos muitos currículos sobre minha carreira, como escreveria uma apresentação que valorizasse, em lugar do aspecto profissional, minhas opiniões, opções, decisões e ideias mais relevantes. Muitas vezes chego a pensar que é mais importante saber que sou apaixonado por música que conhecer a lista dos numerosos cursos que fiz e dos quais não me recordo sequer do tema. Minhas inquietações acadêmicas valem muito mais que meu desempenho no histórico. Minhas posições políticas são muito mais determinantes para um bom desempenho nas escolas em que trabalho que minha eventual disposição para cumprir as normas regimentais. As pessoas gostam de mim como profissional não apenas porque sei fazer meu trabalho, mas também porque elas conseguem reconhecer um ser humano decente por detrás do trabalho realizado.
Pensando nessas coisas todas, tentarei nas próximas linhas rascunhar um currículo que seja de fato vitae (ou seja, de vida), cuidando para que não fique parecido com os perfis de rede social, que são apenas uma outra forma de transformar aspectos irrelevantes em elementos de autodefinição. Aí vai:

1 - Sou paulistano, amo São Paulo, vivi em São Paulo todos os 35 anos de minha vida, e teria muita dificuldade de me adaptar a qualquer cidade culturalmente pacata.
2 - Trabalhei como voluntário no Socorro Emocional de Vila Maria por 2 anos, em um trabalho semelhante ao do CVV. Desisti por me sentir muito aquém do que me era exigido.
3 - Aprendi violão na raça, com meu pai e meu avô, e montei diversas bandas, sem nunca conseguir consolidar nada de efetivo. Toquei em muitos pequenos festivais, fiz uma curta e esporádica carreira como cantor de barzinho (ou músico de apoio do meu grande amigo Daniel Munhoz) e até hoje tenho como objetivo para algum dia gravar minhas composições e disponibilizá-las.
4 - Sou completamente apaixonado por música, uma das poucas coisas capazes de me enlevar. Pink Floyd, Sigur Ros, Madredeus, Beethoven.
5 - Consta que estudei telecomunicações na Escola Técnica Federal, mas lembro apenas que fiz excelentes amigos nessa época.
6 - Ganhei dois concursos literários na época do colégio. Depois, nunca mais ganhei nada, mas continuei produzindo poemas e textos curtos. Não sei por que, certa feita resolvi criar um blog de poemas, no qual coloquei um poema por dia de minha autoria durante um ano, entre 2004 e 2005.
7 - Sou de esquerda, sem radicalismos. Tive nojo de colegas que comemoraram o 11 de setembro, na época de faculdade. Recuso-me a celebrar a morte, a guerra, a infâmia e a desgraça, ainda que se relacionem a adversários políticos. Fiquei muito feliz com a eleição de Lula, embora tenha me decepcionado com alguns petistas. Não acredito nas soluções neoliberais, e ainda considero o povo capaz de gerenciar e fiscalizar o Estado segundo seu interesse.
8 - Votei em Lula, Marta, Eduardo Suplicy, Carlos Giamnazzi, Carlos Neder, Aloisio Mercadante, Covas (contra Rossi), Covas (contra Maluf), Cristóvão Buarque, Ivan Valente, Soninha, e outros que não foram eleitos. No geral, não me arrependi de nenhum desses votos.
9 - Moro sozinho, não sei cozinhar, meu quarto de dormir é uma bagunça, e vivo cercado de livros.
10 - Choro frequentemente. Há filmes que me pegam. Há livros que releio, chorando na releitura. Há músicas que me arrancam lágrimas. Há situações que me emocionam. E há vezes em que fico imaginando coisas que nunca aconteceram nem acontecerão, chegando a chorar nesses devaneios.
11 - Respeito e admiro todas as pessoas em suas orientações, opções e experiências sexuais. Quanto a mim, sempre me soube heterossexual e louco por mulheres. Acrescento que acho bonitas quase todas as pessoas que vejo, e sinto atração por uma quantidade enorme de mulheres, de todas as idades e etnias.
12 - Tive número razoável de paixões na vida. Considero possível apaixonar-se por pessoas de ambos os sexos, por animais de estimação, por ídolos, por filmes, por hobbies, e por muitas outras coisas. Minha primeira namorada talvez não tenha sido o porquinho da Índia (salve Bandeira!), mas há grandes chances de que fosse o jogo de botão.
13 - Casei-me com uma mulher extraordinária, mas nossa paixão esmoreceu rapidamente. Das paixões não oficialmente documentadas, e que envolviam, além da paixão em si, grande dose de desejo carnal e de admiração, uma pude desenvolver até os dias atuais, com muita satisfação. Considero possível amar apaixonadamente mais de uma pessoa ao mesmo tempo, ou em tempos diferentes, tanto quanto, por outro lado, considero possível não amar a ninguém durante toda uma existência. Quanto a manter relacionamentos concomitantes, acho mais difícil. A vida ainda é feita de escolhas, e as pessoas ainda precisam muito de segurança.
14 - Torço para o Cruzeiro, para a seleção brasileira, para o Roger Federer, para o Nilmar, para o Juventus, para o Barcelona, para o Massa, e para as meninas do futebol feminino.
15 - Vejo pouquíssima televisão (quase nada na TV aberta, excetuando-se a Cultura).
16 - Não gosto de saber de tudo um pouco, nem da angústia de me "manter informado". Não preciso saber a cotação do dólar todo dia. Desprezo o noticiário político, quase sempre partidário, fútil, preocupado com escândalos e fofocas e totalmente por fora das votações no Congresso e das decisões governamentais que nos afetam. Em compensação, fico muito tempo na internet, lendo blogs, entrando e saindo do Orkut e procurando notícias que me interessem. Já assinei jornais e revistas, mas já não acho que valha tanto a pena. Leio muitos livros, até por força da profissão.
17 - Poucas coisas me dão mais prazer na vida do que ministrar uma aula de literatura.
18 - Preciso aprender a ter menos vergonha e medo do ridículo. Não gosto de errar, nem de ser ridicularizado. Sou inseguro, e a opinião alheia me afeta negativamente. Isso geralmente configura-se como uma limitação.
19 - Odeio que me imitem.
20 - Se eu chegar a não gostar de uma pessoa (o que é raríssimo), não há retorno.
21 - Sou umas das pessoas mais sensíveis que conheço, e até hoje não sei se isso é bom ou ruim.

Bom, se o leitor chegou até aqui, acho que já sabe mais do meu caráter e da minha personalidade do que qualquer funcionário de RH que porventura vier a ler meu currículo. Dir-me-ão, por certo, que pouco do que afirmei pode ser documentado. Bem sei. Mas, no caso de uma entrevista voltada para o conhecimento de Carlos Vinicius como indivíduo, acredito que posso oferecer meu olhar como garantia.