sábado, 18 de agosto de 2012

Bienal do livro deste ano

Hoje, fui vistar a Bienal. Ganhei um ingresso cortesia, provavelmente em função do lançamento do meu livro pela Scortecci no início do ano.
Em todos os anos que visitei a feira (como em quase todas as feiras de livros a que vou), gastei muito dinheiro, muito mesmo, chegando a pagar prestações por meses. Sempre saí com muito material bacana, de qualidade, mas a verdade é que não consegui usufruir de tudo o que comprei das outras vezes. O tempo urge, as atividades são muitas e a leitura de um livro deve ser feita com carinho, com fruição. Sendo assim, fui com o propósito firme de não comprar nada que não fosse absolutamente necessário. 
Não foi difícil cumprir essa determinação. Fui naquele que é talvez o pior dia para visitação, o sábado. Encontrei o evento lotado, abarrotado, com muitas crianças e adultos. Caminhar era quase impraticável. Ainda mais porque o gostoso é caminhar observando os estandes; mas se eu prestasse atenção neles eu acabaria atropelando as pessoas. Difícil curtir um ambiente em que você passa mais da metade do tempo se livrando de aglomerados e achando brechas na confusão dos corredores. Não consegui ficar nem uma hora lá dentro.
Um fato curioso foi que passei por acaso por uma turba gritante, e quando me dei conta estava a dois metros de José Serra. Muita gente ao redor, querendo tirar fotos, ganhar um abraço, tirar qualquer casquinha que fosse. Acho que deve ter sido o mais próximo que já cheguei a ficar de um ex-governador. Eu não gosto de tietagem nem de aglomerados, mas não deixei de observar o tumulto e sacar coisas curiosas: muitas pessoas ali queriam apenas fazer algazarra e aparecer em fotos ao lado de qualquer celebridade que fosse, não necessariamente daquela específica que estava por ali no momento.
Tenho a impressão de que a Bienal está inchada, voltada muito mais para a venda efetiva e massiva de livros que para os eventos com autores e profissionais do setor. Não sei porque isso acontece, e não sei se é bom ou ruim. Apenas creio que um evento desse porte se torna mais interessante se assume mais a condição efetiva de "evento" que a de "feira com eventuais palestras". Mas pode ser que essa orientação atual traga mais pessoas para o consumo de livros. Não sei avaliar. Não sei nem se minha percepção foi correta, porque fiquei muito pouco.
Por fim, há algo que considero perfeitamente dispensável para a Bienal. Aliás, para qualquer evento. Trata-se da abordagem promovida por certas editoras, em que os vendedores dirigem-se a todo e qualquer passante oferecendo brindes e coisas do gênero e depois tentam enrolá-lo para que assine alguma revista. Alguns dizem que enviarão um brinde gratuito ou darão uma assinatura gratuita de presente, pegam os dados da pessoa e a transformam em assinante involuntário. Essa estratégia é absurdamente desonesta e tremendamente incômoda. Não sei como é possível que no maior evento de livros do país a organização permita uma atuação tão agressiva e antiética de uma empresa. Vacinado contra isso, passo longe dos que me oferecem brindes. Nunca sei se são brindes ou armadilhas, e isso é muito triste, porque posso ter perdido uma série de coisas interessantes a que tinha direito.
De resto, foi uma visita cansativa e serviu basicamente para matar a curiosidade sobre o estande da Scortecci. Em 2014, espero ter disponibilidade física e temporal para mais. 

sábado, 16 de junho de 2012

Música e eu

Embora não goste muito da ideia, devo concordar com o que as pessoas dizem sobre gente como eu. Tenho um emprego estável e uma carreira no magistério. Tenho possibilidades dentro da minha área, e conto com o respeito dos profissionais com quem trabalho. Sendo professor, meu empenho é mal remunerado, mas não tendo os grandes vícios do homem moderno (drogas, jogos, ostentação, prostituição), consigo sobreviver até bem com o salário que tenho. 
Eu deveria investir na carreira acadêmica. Escrever montanhas de artigos e publicar em pencas de revistas. Eu deveria vender minha força de trabalho analítica a editoras e afins. Ou ser ghost writer de alguém, ou colaborar com políticos e celebridades fazendo revisões, escrevendo discursos, ajudando a montar publicidades. 
Estranhamente, quando tenho algum tempo vago, ou mesmo sem tê-lo, dedico-me à música. E pior de tudo, não me dedico à música de orquestra, erudita, com a disciplina e a humildade de quem sabe executar obras de gênios que merecem todo o empenho técnico do ser humano à disposição de sua criatividade. Dedico-me à música popular, mais especificamente à canção popular. 
Faço aula de canto há mais de dois anos. E não porque tivesse algum projeto nesse período. Eu não tinha nada, nem tempo de construir nada, ou de investir em alguma boa ideia, lucrativa ou não. Remexendo um pouco mais na extensão da memória, verifico que toco violão há 24 anos, e que participei de uma série de projetos, que, por um motivo ou outro, não vingaram. Na maioria dos casos, porque as necessidades da vida apertaram e eu precisei me concentrar nas coisas da carreira, não para alcançar grandes evoluções, mas para não perder a condição mínima de subsistência digna.
Se eu fosse uma pessoa dessas pragmáticas, que constroem coerentemente seus projetos de vida e têm disciplina suficiente para levá-los adiante, o correto seria largar a música. Nunca ganhei dinheiro com ela. Nunca atingi status social por meio dela. Nunca contei com a confiança das pessoas no meu trabalho. Nunca fiz algo que pudesse ser "descoberto" ou "reconhecido". 
A despeito de tudo isso, não posso, não sei, e não vou viver sem música. É uma parte de mim. É mais que um prazer e uma necessidade, é quase o que os religiosos denominam "chamado". Eu tentei. Rompi vínculos, desisti de projetos, coloquei necessidades à frente. Tudo inútil. A música não é um hobbie para mim. Ela é uma emoção profunda da minha integridade, uma das bases que me sustentam.
Minha primeira banda foi o Diversos. Talvez não a primeira, pois fiz tentativas com os colegas de Federal, mas na época eu era pura vontade, sem nenhuma depuração, e fui devidamente recusado. O Diversos era constituído por Luciano Luiz (hoje nome forte da imprensa esportiva e do gerenciamento da Copa de 2014), Eduardo Prevedelo (amigão, cara genial, grande coração e hoje provavelmente muito bem de vida em Santa Catarina), Lute (descanse em paz, irmão), Fernando Nishio (grande cara, deve estar por aí ganhando bastante dinheiro), Sapo (no lugar do Lute) e Ana Paula, com participação do Jabá no início de tudo, e de outras pessoas que perdi no turbilhão das lembranças. Era uma banda ao estilo punk, com canções pretensiosas e outras de tiração de sarro. Não fomos adiante por uma série de razões, entre as quais provavelmente a falta de recursos técnicos para fazermos o que queríamos, e o fato de que tínhamos, todos, planos paralelos e muita vida pela frente.
Depois do Diversos, fiz algumas tentativas de trabalhos em duplas. Uma com o grande amigo Ariel Carvalho, hoje construindo sua vida no Norte do Brasil. Faltou-me, nesse caso, técnica suficiente para sustentar as boas intuições do meu parceiro. Outra, com o maravilhoso cantor Arturo Viola, hoje na Inglaterra, trabalhando com produção musical. Em relação ao Arturo, faltaram-me noções de música mínimas para acompanhar o extraordinário talento nato que ele possuía.  Tentei também fazer algo com o Paulo Zorzetto, hoje grande nome da arte de tocar bateria, músico de primeira, com conhecimento acadêmico, mas não fui muito adiante, embora tenhamos conseguido, por curto período de tempo, fazer algumas noites no Bexiga, com o guitarrista e vocalista Marcos.
E nesse meio-tempo veio o convite para que eu participasse de uma banda de rock com meus amigos de bairro e de verve, Jefferson Luiz (hoje guitarrista do excelente Esquema Apê) e José Wildzeiss Neto, o Netinho (uma pessoa a quem devo, sem exageros, parte da minha vida, e que é tão especial que não tenho como defini-la). Inicialmente, éramos nós três e o Junior, baterista conhecido deles, que depois saiu. Rearranjos, discussões e tensões depois, acabamos nos fundindo com a outra banda do Netinho, e formamos o Nautilus, projeto encabeçado pelo extraordinário músico Pierini (sim, esse mesmo, dos CDs de música instrumental) e complementado pelo gênio musical inato do Marquinhos (que deve estar fazendo música por aí afora). Esse projeto, de rock progressivo e com intenções a longo prazo, tinha larga possibilidade de vingar, mas havia clara diferença técnica e mesmo de confiança entre eu e os outros integrantes. A prova disso é que, depois do rompimento por discordâncias musicais, a banda voltou a unir forças, com o nome de Arena, mas já sem minha participação. Mais tarde, o Jefferson, espírito irriquieto e criativo, e o Netinho formaram com o Eduardo a banda Esquema Apê, trabalho conceitual, avançado e brilhante, que está aí para quem quiser conferir. O Pierini construiu uma irretocável carreira-solo, sempre muito exigente em relação a tons e timbres e qualidades propriamente musicais do que produzia.
A verdade em relação ao Nautilus é que eu cantava e tocava violão, mas não fazia nenhuma das duas coisas bem o suficiente para participar de um projeto tão ambicioso. Tendo de encarar minhas limitações, fui estudar na ULM (Universidade Livre de Música), tendo sido aprovado para cursar canto popular. Mas a vida de professor é complicada, há altos e baixos, e tive de priorizar quase com exclusividade minha formação, até conseguir certa estabilidade profissional ao ser aprovado no concurso da Prefeitura de São Paulo. Com isso, a música ficou um pouco de lado.
Mas quando tudo indicava que a música ficaria no passado em minha vida, o Everson Bô (da sensacional banda Sudaka e do N-Grão) me falou de um pessoal que tinha uns projetos bacanas, ali na Vila Matilde. Era uma turma da pesada. A princípio, tínhamos o Bô, o João e o Alemão, esses últimos cabeças visionárias emprestadas às áreas de artes plásticas. Não formamos uma banda de imediato, houve alguns arranjos e desarranjos. Entre entradas e saídas, ficamos sendo eu, Alemão, João, Duda, Daniel, Pitchu (esse hoje é músico profissional). Queríamos uma vocalista feminina, testamos algumas pessoas, inclusive a Paulina, cantora brilhante, mas acabou não rolando. Formamos o Oficina Hz, proposta aberta para várias contribuições. Gravamos algumas coisas (foram as primeiras gravações, depois de tanto tempo, em que eu efetivamente fazia o papel de vocalista da banda; fiquei orgulhoso!) que ficaram interessantes, e provavelmente tínhamos futuro para além disso, mas nunca fizemos aparição pública. João e Pitchu acabaram saindo depois das primeiras gravações, e ficamos eu, Alemão, Daniel, Duda e Sandro. Esse era um pessoal muito bacana, receptivo, e que gostava da minha produção. 
Entretanto, a vida de casado tem suas exigências, e não são muito fáceis de conciliar com a música. O fato é que acabei abandonando o Oficina Hz, lamentavelmente, e fiquei um tempo parado, esperando esquecer a vida de acordes e sons e tomar rumo em outras possiblidades. Qual o quê! Esse curto período foi interrompido pelo convite do meu irmão Daniel (sim, ele mesmo, vocalista do Nacionarquia) para fazermos um trabalho juntos. Devo muito a ele. Ele me trouxe de volta para a música, e isso foi importante não só para minha confiança como artista como também para minha recuperação de autoestima na vida pessoal, depois da minha separação. Fizemos várias apresentações e tínhamos (temos, na verdade) todo um projeto de MPB e poesia, muito bacana. Mas eu não consegui acompanhá-lo. Dispondo de muito mais talento e verve, o Daniel iria longe, e senti que eu o estava segurando, principalmente porque as exigências do mestrado me limitavam. 
E seguiu-se mais um período morno, que acabou me tornando cético em relação às minhas possibilidades. Eu fiquei, sinceramente, um tanto quanto descrente do que poderia fazer. Afinal de contas, depois de tantos anos, eu julgava que se tivesse algum talento especial ou diferenciado isso acabaria sendo reconhecido pelos pessoas, e algum sucesso (nada a ver com fama ou dinheiro) eu teria atingido. E que, se isso ainda não tinha acontecido, era porque talvez eu não servisse mesmo para a coisa.
Esse ceticismo não me impediu de continuar cantando, tocando e ouvindo muita música. Mas, devo confessar, na verdade essa desconfiança até me ajudou, porque muitas das tensões e encanações que eu tinha ficaram resolvidas de uma vez por todas com a constatação de que a vida continuaria com ou sem minhas pretensões musicais. E foi assim, com as ambições em baixa e a vontade de fazer música em alta, que eu decidi fazer aulas de canto com o Dudé, indicação do Daniel. 
A princípio, foi um pouco difícil para o Dudé me dar aulas, porque eu era muito tenso, nervoso, não me soltava. Parece que as críticas que recebia e as frustrações advindas da constatação de minhas limitações tinham sido incorporadas na memória do corpo, e a voz refletia isso. Devo ter sido o pior aluno do Dudé durante muito tempo, com dificuldades de fazer os exercícios mais básicos. Mas a verdade é que o capricorniano é teimoso, não desiste, não para, não entrega os pontos. E constatei melhoras, e fui me empolgando. E fui entendendo que tinha qualidades, e que deveria investir nelas, ao invés de ficar lamentando meus defeitos. A minha vida musical foi salva pelo Dudé, indiscutivelmente.
Então eu melhorei, e fiquei contente com isso, mas ainda não estava plenamente convencido, porque faltava tornar pública minha melhora. Faltava poder me apresentar, e oferecer um pouco do que vinha aprendendo.
Nesse intervalo de tempo, fiz uma loucura necessária para racionalizar minha vida profissional. Olhei para mim mesmo, enquanto professor e pesquisador, e cheguei à conclusão de que precisaria de algo mais forte, mais incrustado na minha personalidade, para seguir adiante. A vida acadêmica nunca foi um habitat natural para mim, eu sabia disso. Ou eu escolhia algo com o que teria profunda identificação, ou pararia mesmo no mestrado, comprometendo a possibilidade de dar aulas no ensino superior público, um objetivo de vida que o tempo tornou uma necessidade. Foi então que a mão do destino (dane-se se a imagem é brega) colocou no meu caminho as aulas de pós do professor Luiz Tatit. Foi encantamento, depois mergulho, depois certeza de que queria aquilo para mim. Não foi nada fácil. Saí de uma área em que havia investido pesadamente (Literatura Brasileira) para tentar a sorte na Línguística, na qual eu era não mais que um aventureiro, sem história pregressa, sem iniciação científica e mesmo sem bases mínimas de formação. Ralei muito para o processo seletivo, com expectativas limitadas e noção de que talvez não fosse suficiente. Como milagres vivem acontecendo comigo, o Tatit me aceitou como orientando, e estamos desenvolvendo um trabalho sobre as canções de Adoniran Barbosa. Sim, eu havia conseguido transformar a música em objeto de estudo acadêmico. Que vitória!
Mas tudo isso era vitória para mim, só para  mim. Ainda faltava mostrar para os outros o que estava conseguindo.
Foi então que o Sandro me indicou para um pessoal ponta firme que queria fazer blues, rock e canções com roupagens criativas. Participei do primeiro ensaio, muito nervoso, porque me sentia testado. Mas foi amor à primeira vista. Parece que o pessoal gostou do meu trabalho, e fiquei honrado com isso. Geralmente, eu cantava nas bandas porque escrevia as letras, e tinha ideias de composição, mas não porque as pessoas gostassem da minha voz. Desta vez, fui aceito cantando músicas que não eram minhas, e isso me deixou muito animado.
É esse o trabalho que desenvolvo hoje. Acredito que ele tem muito futuro, e que as pessoas são criativas e intensas. Começamos eu, Kleber Vaccioli (o maestro), Maurício Melo (nosso Hendrix), Rogério Rangel (a.k.a. Dedos de Veludo), o grande Tarcisio Capitão Caverna Duarte e Sandro, nosso gaitista meio sumido. Há outras pessoas a serem integradas no projeto, a longo prazo, e talvez a formação mude um pouco, porque a vida é assim, com idas e vindas. Mas a verdade é que esses caras são responsáveis pela segunda parte da minha salvação como músico. Eles me resgataram num momento em que eu nem sabia que poderia fazer o que estou fazendo. Nossa banda se chama Blue 7.1.
Pois é. Resta alguma conclusão de toda essa trajetória maluca de idas e vindas e acertos e erros e colaborações e descolaborações? Sim.
A conclusão final é que eu não consegui viver sem música. Não poderia dizer que não consigo, mas é indiscutível que não consegui. Não sei até onde posso chegar, mas isso hoje pouco importa. Na verdade, talvez isso nunca tenha sido o mais importante. Se fosse, eu já teria desistido há muito tempo. A verdade é que, quando subo num palco ou estou numa roda de amigos com o violão ou faço uma gravação que me parece boa, nesses momentos eu sou mais eu. Ou simplesmente: eu sou eu. E, sendo eu  nesses momentos, posso conviver melhor com o outro eu, de outros momentos que precisam se resolver em seus âmbitos próprios.
Até quando eu puder me suportar cantando, compondo e tocando, eu viverei a experiência da música tão intensamente que, mesmo diante dos antigos e futuros problemas ou fracassos, terá sido um sucesso sentir o que sinto cada vez que esse pedaço de mim se manifesta.

domingo, 11 de março de 2012

Gabriel Braga Nunes, Marcelo Serrado e a química dos antagonistas


As pessoas estão deslumbradas e surpresas com o grande desempenho de Marcelo Serrado como uma personagem caricata da novela das nove. Eu não estou nem um pouco surpreso. Marcelo é extremamente talentoso, disso eu já sabia. Já o vi em outros papéis, e sua versatilidade é impressionante. O que as pessoas talvez não consigam lembrar é que foi contracenando com outro ator que ele fez parte da dupla com mais química da teledramaturgia brasileira nos últimos anos. Infelizmente, isso aconteceu em um trabalho de bem menor audiência.
Não acompanho novelas. São um bom produto cultural, mas não fazem minha cabeça. Entretanto, sempre acabo vendo alguns capítulos, porque minha companheira trabalha com isso, e acompanha várias delas. O pouco que vejo não me permite oferecer opiniões avalizadas, mas algumas impressões sempre são possíveis.
Entre essas impressões, está a de que a novela "Poder Paralelo", da TV Record, foi, de longe, a melhor produção da emissora nesse gênero. Inspirada claramente em "O poderoso chefão", sustentou com competência o clima nervoso decorrente da constante troca de posições entre os rivais no mundo do crime. Mas isso só foi possível graças à química entre Marcelo Serrado, vilão, e Gabriel Braga Nunes, mocinho.
Muitas pessoas preocupam-se demais com o casal central da trama e a eficiência que ele demonstra em ação. Para elas, galã e gostosa precisam convencer o público nas cenas de beijos, nas tomadas picantes, etc., e isso é um dos fundamentos do sucesso de uma novela. Essa visão deixa em segundo plano uma relação ainda mais importante para que a trama convença: a que se dá entre sujeito e antissujeito, ou mocinho e vilão. Se não houver química entre esses dois, as cenas-chave previstas pelo enredo (que são justamente aquelas que envolvem essas forças motrizes) estão fadadas ao fracasso. E, se a intriga, a oposição e a tensão não funcionam, o casal amoroso central pode exalar sensualidade que não vai adiantar nada. Quem define o enredo é o problema; quem define a novela é o antissujeito. Se um casal romântico de protagonsotas é insosso, mas o "casal" de antagonistas é forte, está tudo em dia. É essa a química que vai trazer o público, com suas faíscas, suas reviravoltas, suas provocações.
Partindo desse princípio, nenhuma dupla de atores ou atrizes foi tão brilhante nas novelas que pude ver (embora sem realmente acompanhar) quanto Marcelo Serrado e Gabriel Braga Nunes. Suas personagens trocaram de posição na preponderância, desafiaram-se mutuamente, enfrentaram-se com ritmo. E eles se fizeram divertidos, insanos, sedutores, canalhas diante do outro. Valorizaram o bom texto das falas com uma desenvoltura artística só possível pela sinergia das atuações. Agora, na Globo, que recebam os louros que bem merecem. Mas eu poderei dizer que vi o auge de cada um deles nessa parceria na Record.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Palavras em agradecimento aos que gostam de mim


É meu dever ter profunda gratidão pelas pessoas que gostam de mim e que empregam parte de seu limitado tempo para conversar comigo e compartilhar momentos da rotina diária. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém, e creio que isso torna o bem querer ainda mais notável e precioso. 
Há alguns dias, na casa de meus pais, uma situação chamou minha atenção. Não recordarei exatamente o contexto, mas meu irmão disse que sairia da cozinha porque alguma outra pessoa iria fazer uma atividade na sala ao lado. Essa atitude, que poderia parecer antipática, foi justificada por ele da seguinte forma: "Eu sei que sou chato, que a movimentação das pessoas vai me incomodar. Então, não vou ficar por perto, porque vou ficar de mau humor. Se eu saio e vou fazer outra coisa, ninguém me incomoda e eu não incomodo ninguém. A melhor coisa do mundo é você conhecer a si mesmo".
Essa cena me impressionou por dois motivos. Primeiro, pela lucidez que meu irmão tem de suas reações. Segundo, pela dureza com que ele se avalia. Meu irmão não é nada chato, pelo contrário, é uma pessoa querida de todos, sempre rodeada de amigos, sempre com assuntos para uma boa conversa e cheia de boa vontade. 
Só que ele tem razão em uma coisa: é importante a gente se conhecer. Porque quando a gente se conhece, a gente sabe que não pode preencher certas expectativas; e, mesmo que pudesse, a gente não preencheria.
Eu não sou como meu irmão ou minha irmã, ou mesmo meu pai. Eles são muito mais sociáveis; considero impossível que eles fiquem sozinhos nessa vida. E ainda têm a seu favor o fato de serem pessoas agradáveis, bonitas e de forte personalidade. Eu sou mais fechado, menos seguro. E, para complicar ainda mais, eu me interesso por coisas que ninguém se interessa, e desprezo coisas que todo mundo valoriza. É difícil para mim entrar numa roda e entabular uma boa conversa. Eu não tenho, digamos assim, as senhas sociais de aceitação. E por várias razões.
A primeira e mais evidente talvez seja minha transparência emotiva. Quando estou preocupado, chateado, emburrado, contrariado, não consigo disfarçar. Raramente transformo isso em escândalo, mas qualquer pessoa vê muito claramente o que estou sentindo. Essa característica faz com que eu não consiga, por exemplo, sorrir para uma foto quando não estou contente, nem me entusiasmar com algo que não me entusiasma. Eu não consigo muito fazer média. Se eu tento, não dá certo. Não é que eu não queira, é que comigo não funciona.
A segunda razão de minha pouca sociabilidade é que sou caseiro por excelência. Não gosto de sair. Gosto de que as pessoas venham a minha casa, e gosto de ir à casa das pessoas. Nunca fui de baladas, de sair com amigos, de viajar muito, de procurar aventuras. Não me sinto seguro quando fico muito tempo longe das minhas coisas, do meu mundo. 
Terceira razão, essa muito forte: eu sou estranho para a imensa maioria das pessoas. Eu não tenho os mesmos anseios que as pessoas têm, que são, basicamente, dinheiro, poder, popularidade, corpo perfeito, carro do ano, ter acesso a coisas que dão prazer e ter vantagens para contar. Quando as pessoas não me conhecem, geralmente se aproximam de mim para falar de alguma dessas coisas. Só que elas ficam sem graça, porque não encontram entusiasmo de minha parte. Um exemplo: um dia, na academia, pedi para revezar um exercício com um bombadão metido a comedor de lá. O rapaz cedeu a vez, e eu mudei o pino do aparelho colocando bem menos peso do que ele estava puxando. Enquanto eu fazia a série, ele me disse: "Como você está começando, e com pouco peso, faça bem devagar, que o resultado vem mais rápido. Depois, você começa a pegar mais pesado. Eu também, no começo, pegava pouquinho peso". Creio que eu deveria ter respondido de alguma forma interessada, como se realmente quisesse ficar fortão e admirasse os bombados, algo do tipo: "então, como eu faço para ficar assim como você?". Mas eu só agradeci e comecei a falar de outra coisa que não lembro, talvez de música. Resultado? O cara nunca mais nem me cumprimentou. Deve ter me visto como um fracote, um preguiçoso, sei lá o quê. O fato é que não houve identificação. E isso acontece comigo o tempo todo, com várias pessoas em várias situações.
Ainda dentro da terceira razão, há outro fator que me torna estranho para a maioria: a minha opção pela sobriedade. Imagine o que foi para um adolescente difícil como eu não beber, não fumar, não usar nenhuma droga (nem maconha), não gostar da insanidade de multidões e não se sentir à vontade em grupos que me pressionavam a fazer coisas que eu não queria. Eu sempre quis ser dono das minhas ações. Obviamente, só consegui isso até certa medida. Mas a verdade é que nunca precisei de nenhum facilitador para entrar num clima que queria entrar. Quando me sentia bem com as pessoas, estava bem, e pronto. Quando não me sentia à vontade, nada me deixava à vontade. Sou assim até hoje. E as pessoas veem isso como quadradice da minha parte.
Uma última razão para minha pouca sociabilidade (há muitas outras, mas vou parar nessas quatro) é meu gosto. Seja música, cinema, literatura, beleza física, culinária, opções de passeio, roupas, o que for, o que gosto precisa ser bom para meus padrões. E meus padrões são muito esquisitos. Todo mundo está pulando e cantando uma música de Carnaval, na maior alegria, num clima de festa e descontração; se a música é ruim, eu continuarei achando ruim. Todos têm tesão pela atriz fulana; se ela não me desperta nada, vai continuar não me despertando nada. Ninguém ouve uma banda que acho o máximo; se gosto dela, continuarei ouvindo e falando a respeito. Não consigo ver novela, reality show ou programa de auditório para ter assunto com os outros. Sou falho nessa estratégia. Sou aberto a muita coisa, mas modismos não fazem diferença para mim. Esse é um fator inacreditável de isolamento. As pessoas leem isso como arrogância, alienação e até incapacidade de fruir a qualidade dos produtos que elas consomem. Pode ser mesmo um pouco dos três, acrescentando aí uma boa dose de intolerância com o fútil e o superficial. Tive de superar isso para dar aula para as crianças do ensino fundamental, cujo referencial cultural quase absoluto era a televisão aberta. Mas só acessei certos produtos culturais por causa delas, como estratégia de aproximação para relacionar com elementos de aula; no fundo, eu não estava nem aí.
Construído esse quadro, posso afirmar, com tranquilidade, que a forma como meu irmão se referiu a si próprio serve muito mais para me definir do que para defini-lo. Se alguém é chato nessa história, sou eu. É por isso que prezo tanto as pessoas de que gosto: porque é difícil encontrar quem tenha algo em comum comigo. E é por isso que morro de medo de decepcionar alguém que gosta de mim: porque não será sempre que poderei ter esse privilégio. E entendo perfeitamente por quê. É a lei das probabilidades. Não tenho recursos para agradar a maioria das pessoas naquilo que elas valorizam. E não vou reclamar disso. Essa não é uma inquietação minha. É só uma constatação de alguém que tenta se conhecer melhor, para ser mais feliz.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Impressões do Oscar 2012


Vi toda a cerimônia do Oscar, de ponta a ponta. Aqui vai um breviário das coisas que senti.

Pré-festa: só vi três filmes este ano dos que concorriam, Meia noite em Paris, Os descendentes e O artista. Gostei dos três. O do Woody Allen, como sempre, era o mais inteligente. O filme do Clooney não era ruim, também; a proposta era sensível e a condução, condizente. Mas O artista tinha a pegada mais ousada e interessante dos três. Um filme com grandes méritos estéticos, na minha opinião. Eu torcia por ele.

Tapete vermelho: Angelina Jolie fez escolhas certas, e estava muito bonita. George Clooney é elegância e simpatia em pessoa.

Prêmios técnicos: o filme do Scorcese parece que ganhou quase tudo nos quesitos técnicos. Não faço ideia do que seja, mas gosto muito do cinema dele. Se é realmente tão bem feito tecnicamente, com certeza valerá o ingresso, porque duvido que o roteiro e a direção sejam meia-boca.

Prêmio de canção: deveriam cantar as canções no Oscar. Pelo menos um trechinho. Nada contra Sergio Mendes, mas eu estranharia se Carlinhos Brown ganhasse um prêmio que Chico, Caetano, Milton, Gil, Tom e até Paul McCartney nunca conquistaram. Mas não torci contra não; só achava que a chance era zero, mesmo.

Prêmios principais: O Oscar para Meryl Streep, segundo fontes seguras, é merecido. Parece, entretanto, um Oscar pelo conjunto da obra cinematográfica. Meryl é, provavelmente, uma das maiores atrizes de todos os tempos. Já a vi fazendo de tudo: papel sério, papel trágico, papel cômico, cantando, chorando, seduzindo. Tudo com talento. Às vezes, o Oscar não premia o talento, e algumas figuras insossas e sem mérito ganham mais ibope do que deveriam. Este ano, justiça foi feita.
Tudo o que O artista conquistou está em boas mãos. Se houvesse um Oscar para Melhor Bichinho, estaria em boas patas também. Considero muito curioso, significativo e simbólico o fato de que as duas produções mais premiadas, A invenção de Hugo Cabret, do Scorcese, e O Artista, funcionam como uma espécie de Alfa e Ômega da história do cinema: o filme francês vai buscar no cinema mudo as tensões trazidas pelas transformações tecnológicas decorrentes da sonorização; o filme americano, pelo que soube, procura traduzir ideias esteticamente consistentes na linguagem tecnologicamente inovada do cinema 3D. Ironias. E o passado é quem levou a melhor nesse embate.
O prêmio de roteiro para Woody Allen funciona como compensação da série histórica de injustiças cometidas pela Academia contra o melhor escritor do cinema americano atual. Ele também merecia por Vicky, Match Point e Reconstruindo Harry.

Intervalos: Vi a premiação na TNT e passava, o tempo todo, uma propaganda da Loreal com a Paola Oliveira, que me fazia pensar: as nossas são tão lindas quanto as deles. Até mais.

Cerimônia: Billy Cristal tem a medida do Oscar. Nem mais, nem menos: apresentação equilibrada, sem agredir o espectador com forçadas de barra. O momento em que o diretor iraniano recebeu a estatueta foi o mais bonito, porque ele dedicou a vitória ao povo de seu país e depois a todas as culturas e civilizações. O Cirque de Soleil mandou bem. O Oscar ficou mais clean este ano, mas também menos intenso, o que talvez reflita a qualidade da relação das novas gerações com o cinema em tempos de YouTube e vídeos medíocres disseminados aos milhões.

Saldo: Não sinto que tenha perdido tempo. O filme do Scorcese despertou meu interesse, o da Meryl Streep também, e, além deles, o do Brad Pitt. Uma das animações, a que tem livros voando, parece ser bem bonitinha. Tenho de ver tudo isso e voltar para reavaliar a justiça ou injustiça das premiações. Se não puder, confio no faro do Rubens Ewald.

Ano que vem, estamos aí de novo.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

As vantagens do anonimato

Quando era criança, e depois mais ainda na minha longa adolescência, tive o sonho de ser um artista famoso por sua música. A palavra "famoso" é a mais apropriada, sem dúvida. O desejo que movia minhas dedicadas horas de concentração ao violão era um desejo de reconhecimento e popularidade. Não exatamente de sucesso, porque há muitas formas de sucesso. Fazer uma boa música com boas ideias é, de certa forma, atingir algum sucesso, ainda que restrito, pessoal e sem holofotes. Não, naquele tempo não era isso o que eu mais queria.
Porque já naquele tempo as pessoas, praticamente todas as pessoas ao meu redor, já tinham como certeza uma das maiores inverdades que conheço. As pessoas tinham certeza da relação inegável e inquestionável entre fama, sucesso e talento. Algo como: aquele que pode fazer bem, inevitavelmente fará bem e será reconhecido como alguém que faz bem. Em certa medida, isso funciona, como no caso dos Beatles ou de Elvis, ou Chico Buarque. Mas, falando do circuito musical que vivenciei desde aqueles anos, posso testemunhar centenas de casos em que isso simplesmente não aconteceu.
 Mas como as pessoas não questionam muito a qualidade nem a seleção que fazem dos produtos que consomem desde que eles não as incomodem, eu ouvi essa ladainha por anos e anos e anos, até que ela se encaixasse em definitivo na minha cabeça. Era uma ideia que tinha uma logica clara: eu tinha algum talento, eu poderia depurá-lo com o trabalho, eu seria reconhecido. Mas era uma ideia vazia: o que exatamente era depurar um talento? Qual era exatamente meu talento? Como exatamente esse trabalho todo corresponderia às exigências e demandas de um público?
 Com o tempo, fui descobrindo outras coisas que podia fazer (e afinal de contas, tinha de fazer, porque precisava ganhar a vida) e fui deixando esses sonhos de fama de lado. Recentemente, voltei a estudar música e percebi que ainda posso produzir algo de bom e bacana dentro do que me proponho a criar. As aulas de canto e o estudo semiótico da canção me reencorajaram a trabalhar com música de novo. Mas não terei nunca mais a gana e o ímpeto de adolescente. E quer saber? Graças a Deus! E quer saber por quê? Porque um dos elementos da fórmula está riscado para sempre do rol de meus valores. Eu não quero mais ser famoso.
Ter um público fiel, tocar minhas músicas, curtir bons momentos com o que faço, atingir emocionalmente pessoas, tudo isso é maravilhoso. Mas eu gostaria de poder fazer tudo isso sem essa necessidade esquizofrênica de popularidade e essa superexposição dilacerante que acontece com os que resolvem levar a mídia a sério. Quando saio de um ensaio com a minha banda, posso sentar num bar qualquer e comer um pastel de carne falando sobre os arranjos que fizemos e os que queremos mudar. Eu posso, de manhã, sentar numa padaria e tomar um café sem que ninguém me perturbe. Eu vou para a academia e ninguém olha na minha cara (gordinhos, descabelados e não-bajuladores de gostosas não têm vez nesses ambientes); e eu acho isso um horror de falta de educação, mas no fundo é muito bacana, pois ninguém me incomoda. Se eu vou a uma feira, a um evento, a um show, não tem ninguém me filmando, me fotografando, prestando atenção no que falo ou em quem está comigo. Quando vou à praia, ninguém tira foto do meu corpo sem autorização. Se resolvo gastar dinheiro num lugar mais chique (dentro das minhas possibilidades), fico em absoluta tranquilidade. Ninguém quer saber quem é a minha mulher ou por que estou com ela. Ninguém quer saber como está minha relação em casa ou com minha família. Poucas pessoas leem meus blogues, e tenho certeza de que os leem porque gostam. Poucas pessoas me convidam para eventos, e tenho certeza de que o fazem porque querem minha presença. A mulher que me ama me ama pelo que sou, as pessoas que se interessam por mim se interessam pelo que tenho interiormente, e minha música precisa ser bem feita e realmente comover, porque não tenho máquina de divulgação para provar, pela insistência, a qualidade do que faço. Se eu atravessar um farol vermelho, xingar alguém que quase me atropelou ou tropeçar num buraco de bueiro, ninguém além de mim vai saber. Meus problemas não serão problemas dos outros, minha vida íntima será efetivamente pessoal e privada, minhas manias poderão ser preservadas da curiosidade alheia, e tudo isso será subordinado a minhas próprias decisões sobre o que quero ou não contar aos que me rodeiam.
Perguntaria o provocador: então você não quer dinheiro, prestígio, facilidades em conseguir coisas, pessoas apaixonadas suspirando aos seus pés? Você não quer que sua vida seja mais fácil, que as portas se abram sem ter de empurrá-las?
Não, provocador. A vida não é assim. Esses são alguns elementos possíveis da fama. Mas não representam um quadro consistente dessa condição.
As pessoas se enganam. A fama pode atender aos desejos mais agudos de espíritos vaidosos e carentes, mas quando as pessoas resolvem seus fantasmas interiores, ela pode se tornar um empecilho tremendo ao equilíbrio interior. Sim, amigo, você pode ser famoso e profundamente infeliz. Isso é possível. Há quem desenvolva tamanha covardia de si próprio que seja incapaz de conviver com momentos de menor exposição e menor popularidade. Há quem procure, depois de ter sentido o gosto dos holofotes e do assédio constante de outras pessoas, uma maneira de preservar um espaço próprio, íntimo, de reconstrução interior, e não consiga nunca mais. Há quem, no desespero de aproveitar tudo o que uma fama percebida como imerecida oferece, mergulhe em todas as possibilidades de conseguir prazer fácil e sem compromisso no tempo em que está em evidência, tornando-se uma criatura sem caráter nem consistência.
 Se posso dizer que aprendi algo com a vida, digo que aprendi a cuidar de mim. E que, para cuidar de mim, preciso de silêncio, alguma solidão, paz de espírito e tempo para me recriar. A fama definitivamente não me serve. Sucesso, para mim, hoje, é fazer um bom trabalho, dentro do que considero um bom trabalho. Alguém há de gostar, mas definitivamente não quero ficar pensando nisso. Boas críticas são sempre bem vindas, e ponto. Sucesso é isso, e talento é o que chamo de verdade interior. Se eu tiver os dois, não preciso de fama. Aliás, no meu caso, acho que ela só atrapalharia. Entre uma fama que atrapalhe meu equilíbrio de alma e um anonimato consciente e produtivo, fico com o segundo. Só não abro mão da liberdade de expressão artística; o resto, eu resolvo comigo.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O que é informação?

Deve haver um volume da antiga coleção Primeiros Passos (muito boa, por sinal)com esse título. Se há, eu não li, e lerei quando tiver acesso, pela curiosidade em relação ao assunto. Disso o leitor pode depreender, de imediato, que sou um leigo abordando uma questão da qual pouco sei. Mas considero minhas dúvidas pertinentes.
Lamento por meus amigos jornalistas, pessoas sérias e competentes, que não merecem ler isto, mas a pauta jornalística com que me deparo diariamente parece fictícia. Durante muito tempo, entre as décadas de 80 e 90, circulou a fantasiosa noção de que qualquer criança pequena dos tempos atuais estaria lidando com uma gama muito mais ampla e complexa de informações que os adultos do passado. Sempre achei isso um exagero, mas é incrível como a maioria das pessoas creem piamente que seus filhos são mais brilhantes porque sabem lidar melhor com novas tecnologias e coisas que os circundam. Não é que eu tenha dúvidas a esse respeito: eu tenho certeza de que isso é bobagem. Essa certeza vem da experiência de longos anos ministrando aulas para meninos e meninas na Prefeitura de São Paulo.
Fato: há mais mídia, e maior presença da mídia. Você senta num restaurante, e a TV está ligada. Você anda nas ruas, e elas estão repletas de pessoas com fones de ouvido e celulares. Você liga o computador, e ele tem quase infinitas possibilidades para seu entretenimento ou para sua atualização. Você tem mais opções de mídia em casa, fora de casa, no caminho de casa...
Além disso, é perceptível que a mídia torna determinadas questões importantes, em detrimento de outras. E que isso passa a ser não uma questão de escolha dos indivíduos, mas uma questão de possibilidade social de interação. As pessoas sabem que se não assistem determinados programas, se não repetem determinados chavões e se não embarcam em determinadas ondas, não conseguem se comunicar.
É nesse ponto que entra o questionamento que venho me fazendo: como fica a informação nesse contexto? Digamos que um coelhinho atravesse um vagão de metrô na Tailândia, e isso se torne um hit no YouTube ou seja um quadro do Fantástico. Isso é informação? Isso é relevante? Eu quero falar disso com meus amigos? Provavelmente não. Não é informação porque não acrescenta nada em termos de conhecimento, e nem é realmente útil para o que faço. Não é relevante porque não se relaciona a nenhum dos valores sobre os quais é pertinente refletir sempre. Não quero falar disso com as pessoas porque valorizo o tempo que tenho em suas companhias, e quero compartilhar o que tiver de melhor, e não isso. Mas, em determinado momento, você conversa com as pessoas, e elas falam desse vídeo de coelhinho. E esperam que você se posicione em relação a isso, que compartilhe dessa experiência, que pelo menos saiba algo a respeito para poder sustentar a conversação. E você não sabe.
Quando você se dá conta de que vai ficar isolado se não estiver "por dentro" dessas falsas informações, você começa a tentar conhecê-las. Se você possuir uma monstruosa inteligência emocional, conseguirá articulá-las como itens de comunicação interpessoal, na mesma categoria do "bom dia" ou "vai chover hoje". Mas se você afrouxar a vigilância interior, logo vai concordar com o festival de afirmações cretinas, disparatadas e sem noção que o rodeia. E lá se vão as pessoas repetindo coisas como "o problema do Brasil são os marajás", "o bug do milênio destruirá tudo", "funcionário público é tudo vagabundo" e coisas do gênero. Afirmações que cinco minutos de raciocínio simples, ou dez minutos de leitura de informação de verdade, destruiriam sem deixar vestígios.
Não, amigos, nada disso é informação. Isso é distração, entretenimento travestido de informação.
E é muito duro ficar sozinho no meio de tudo isso. Mas o dia chega. E quando ele chega, você não consegue mais achar que é preciso saber das últimas fofocas da rabuda da vez, ou da última porcaria sem letra nem melodia que "todo mundo está ouvindo". Você quer falar de bandas com músicas sensíveis e trabalhadas, mas as pessoas não conhecem, e - pior - têm medo de que conhecer e gostar delas torne-se fator de isolamento. Você quer falar de livros, mas as pessoas não leem nada, e evitam aquilo que pode ser relevante e, consequentemente, polêmico. Você quer falar de religião, política, futebol, mas as pessoas não querem lidar com discordâncias. Você quer contar histórias, mas ninguém está disposto a ouvir mais do que cinco minutos de absolutamente nada. As pessoas têm tanta pressa de preencher seus vazios que acabam esquecendo de conferir se eles realmente foram preenchidos.
A não ser que você considere que se possa chamar de informação a compra de um mamão na feira por uma celebridade, ou declarações completamente estapafúrdias de pseudoespecialistas, eu creio que não estamos sendo bombardeados de informação pela mídia. Nós estamos sendo enganados, e estamos aprendendo a desconfiar dessa enganação. Mas ainda de forma muito tímida, e com alguns retrocessos, como se pode perceber pelas últimas "febres" nas redes sociais.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Reciclagem de lixo (a que funciona)

O lixo aparece. Feio, sem graça, sem trazer nada de novo, sem acrescentar nada. Era simples: jogar na lata ou na trituradora.
Aí, o espertalhão vem com uma excelente ideia: por que não ganhar dinheiro com esse lixo? Os não-espertalhões argumentam: ora, porque isso é lixo; é feio, não tem graça, não traz nada de novo e não acrescenta nada. O espertalhão preferiria não responder, mas responde: "e daí? O importante é que eu vou ganhar dinheiro!".
E então o lixo, em vez de ir para a lata ou a trituradora, vai para o computador. O computador se esforça: melhora infinitamente a imagem, melhora o som, melhora a narrativa. O lixo fica parecendo produto. Continua feio, sem graça, sem trazer nada de novo e sem acrescentar nada. Mas vira um lixo apresentável.
O problema é que geralmente o lixo tem um dono. E não dá para reciclar o lixo sem reciclar o dono. O computador sabe que, para achar mais lixo, as pessoas procurarão o dono. As pessoas não sabem que, para achar mais lixo, podem procurar milhares de outros donos de lixo, tão competentes em fazer coisas feias, sem graça, sem trazer nada de novo e sem acrescentar nada quanto quaisquer outras.
Mas o computador tem até fórmulas para o dono do lixo: assessoria de imprensa, aulas de etiqueta e um monte de coisas, respostas padrão para jornalistas não encomendados. O computador manda colocar uma roupinha da moda, se é dono, e uns silicones, se é dona. Pronto, o dono já é tão apresentável quanto seu lixo.
Agora é hora de replicar o lixo. Não, não é reciclar: é replicar. É mostrar o lixo na mão de gente sorrindo. É jogar o lixo na mídia. É fazer gente conhecida dizer que o lixo é bom. É associar o lixo a "estar na onda" ou "estar por dentro". É tornar impossível a quem não liga para o lixo de ficar indiferente a ele. Aos que tentarem resistir, replicar, mais e mais. Naturalizar o lixo. Fazer com que o lixo seja um padrão, algo a ser copiado. Parabenizar publicamente o dono do lixo. Pagar puxa-sacos e liberar otários para pedirem mais lixo ao dono do lixo. Convocar intelectuais para afirmarem o direito ao lixo e condenarem como antidemocráticos e atrasados os que chamam o lixo de lixo. Criar uma polêmica sobre a qualidade do lixo, e obrigar os que não gostam do lixo a consumir o lixo para terem autoridade ao criticá-lo. Escrever sobre o lixo, justificando-o, reconhecendo que ele tem aspectos sadios para a cultura, apesar de ser feio, sem graça, sem novidade e sem nada a acrescentar.
E se o dono do lixo concordar em continuar revirando seus estrumes e porcarias para oferecer lixo dentro desse esquema, ele pode se tornar um verdadeiro lixo humano. Uma celebridade, idolatrada, querida. Feia, sem graça, sem trazer nada de novo e sem acrescentar nada a ninguém, mas querida.
Mas pode ser que o dono do lixo julgue ter direitos. Ou o direito de criar mais lixo sem recurso ao computador, ou o direito de não fazer mais lixo. Então, está na hora de procurar outro lixo para reciclar. De pegar o dono do lixo e jogar na lata ou na trituradora. De jogá-lo fora e ainda continuar lucrando com o lixo dele. Porque o espertalhão não curte lixo. Ele vende lixo para poder comprar o que não é lixo. Ele pode se desfazer do dono do lixo, porque o espertalhão é dono de algo maior: da estrutura toda da reciclagem. Então, não é preciso nem muito esforço. Basta ele parar o processo, e dono do lixo não é mais apresentável. As pessoas não procurarão mais o dono do lixo, porque os jornalistas não farão mais perguntas, os puxa-sacos não aparecerão mais, não haverá mais orientação para nada. Mas o lixo continuará apresentável e apresentado, gerando dinheiro. Feio, sem graça, sem trazer nada de novo e sem acrescentar nada, mas gerando dinheiro.
E quando o lixo gastar (porque a embalagem feita pelo computador é rapidamente degradável), não tem problema. O espertalhão sabe que lixo é fácil de achar, daqui a pouco aparece mais.
E aparece o lixo. E começa tudo de novo. Por isso é que se chama reciclagem.