domingo, 26 de fevereiro de 2012

Impressões do Oscar 2012


Vi toda a cerimônia do Oscar, de ponta a ponta. Aqui vai um breviário das coisas que senti.

Pré-festa: só vi três filmes este ano dos que concorriam, Meia noite em Paris, Os descendentes e O artista. Gostei dos três. O do Woody Allen, como sempre, era o mais inteligente. O filme do Clooney não era ruim, também; a proposta era sensível e a condução, condizente. Mas O artista tinha a pegada mais ousada e interessante dos três. Um filme com grandes méritos estéticos, na minha opinião. Eu torcia por ele.

Tapete vermelho: Angelina Jolie fez escolhas certas, e estava muito bonita. George Clooney é elegância e simpatia em pessoa.

Prêmios técnicos: o filme do Scorcese parece que ganhou quase tudo nos quesitos técnicos. Não faço ideia do que seja, mas gosto muito do cinema dele. Se é realmente tão bem feito tecnicamente, com certeza valerá o ingresso, porque duvido que o roteiro e a direção sejam meia-boca.

Prêmio de canção: deveriam cantar as canções no Oscar. Pelo menos um trechinho. Nada contra Sergio Mendes, mas eu estranharia se Carlinhos Brown ganhasse um prêmio que Chico, Caetano, Milton, Gil, Tom e até Paul McCartney nunca conquistaram. Mas não torci contra não; só achava que a chance era zero, mesmo.

Prêmios principais: O Oscar para Meryl Streep, segundo fontes seguras, é merecido. Parece, entretanto, um Oscar pelo conjunto da obra cinematográfica. Meryl é, provavelmente, uma das maiores atrizes de todos os tempos. Já a vi fazendo de tudo: papel sério, papel trágico, papel cômico, cantando, chorando, seduzindo. Tudo com talento. Às vezes, o Oscar não premia o talento, e algumas figuras insossas e sem mérito ganham mais ibope do que deveriam. Este ano, justiça foi feita.
Tudo o que O artista conquistou está em boas mãos. Se houvesse um Oscar para Melhor Bichinho, estaria em boas patas também. Considero muito curioso, significativo e simbólico o fato de que as duas produções mais premiadas, A invenção de Hugo Cabret, do Scorcese, e O Artista, funcionam como uma espécie de Alfa e Ômega da história do cinema: o filme francês vai buscar no cinema mudo as tensões trazidas pelas transformações tecnológicas decorrentes da sonorização; o filme americano, pelo que soube, procura traduzir ideias esteticamente consistentes na linguagem tecnologicamente inovada do cinema 3D. Ironias. E o passado é quem levou a melhor nesse embate.
O prêmio de roteiro para Woody Allen funciona como compensação da série histórica de injustiças cometidas pela Academia contra o melhor escritor do cinema americano atual. Ele também merecia por Vicky, Match Point e Reconstruindo Harry.

Intervalos: Vi a premiação na TNT e passava, o tempo todo, uma propaganda da Loreal com a Paola Oliveira, que me fazia pensar: as nossas são tão lindas quanto as deles. Até mais.

Cerimônia: Billy Cristal tem a medida do Oscar. Nem mais, nem menos: apresentação equilibrada, sem agredir o espectador com forçadas de barra. O momento em que o diretor iraniano recebeu a estatueta foi o mais bonito, porque ele dedicou a vitória ao povo de seu país e depois a todas as culturas e civilizações. O Cirque de Soleil mandou bem. O Oscar ficou mais clean este ano, mas também menos intenso, o que talvez reflita a qualidade da relação das novas gerações com o cinema em tempos de YouTube e vídeos medíocres disseminados aos milhões.

Saldo: Não sinto que tenha perdido tempo. O filme do Scorcese despertou meu interesse, o da Meryl Streep também, e, além deles, o do Brad Pitt. Uma das animações, a que tem livros voando, parece ser bem bonitinha. Tenho de ver tudo isso e voltar para reavaliar a justiça ou injustiça das premiações. Se não puder, confio no faro do Rubens Ewald.

Ano que vem, estamos aí de novo.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

As vantagens do anonimato

Quando era criança, e depois mais ainda na minha longa adolescência, tive o sonho de ser um artista famoso por sua música. A palavra "famoso" é a mais apropriada, sem dúvida. O desejo que movia minhas dedicadas horas de concentração ao violão era um desejo de reconhecimento e popularidade. Não exatamente de sucesso, porque há muitas formas de sucesso. Fazer uma boa música com boas ideias é, de certa forma, atingir algum sucesso, ainda que restrito, pessoal e sem holofotes. Não, naquele tempo não era isso o que eu mais queria.
Porque já naquele tempo as pessoas, praticamente todas as pessoas ao meu redor, já tinham como certeza uma das maiores inverdades que conheço. As pessoas tinham certeza da relação inegável e inquestionável entre fama, sucesso e talento. Algo como: aquele que pode fazer bem, inevitavelmente fará bem e será reconhecido como alguém que faz bem. Em certa medida, isso funciona, como no caso dos Beatles ou de Elvis, ou Chico Buarque. Mas, falando do circuito musical que vivenciei desde aqueles anos, posso testemunhar centenas de casos em que isso simplesmente não aconteceu.
 Mas como as pessoas não questionam muito a qualidade nem a seleção que fazem dos produtos que consomem desde que eles não as incomodem, eu ouvi essa ladainha por anos e anos e anos, até que ela se encaixasse em definitivo na minha cabeça. Era uma ideia que tinha uma logica clara: eu tinha algum talento, eu poderia depurá-lo com o trabalho, eu seria reconhecido. Mas era uma ideia vazia: o que exatamente era depurar um talento? Qual era exatamente meu talento? Como exatamente esse trabalho todo corresponderia às exigências e demandas de um público?
 Com o tempo, fui descobrindo outras coisas que podia fazer (e afinal de contas, tinha de fazer, porque precisava ganhar a vida) e fui deixando esses sonhos de fama de lado. Recentemente, voltei a estudar música e percebi que ainda posso produzir algo de bom e bacana dentro do que me proponho a criar. As aulas de canto e o estudo semiótico da canção me reencorajaram a trabalhar com música de novo. Mas não terei nunca mais a gana e o ímpeto de adolescente. E quer saber? Graças a Deus! E quer saber por quê? Porque um dos elementos da fórmula está riscado para sempre do rol de meus valores. Eu não quero mais ser famoso.
Ter um público fiel, tocar minhas músicas, curtir bons momentos com o que faço, atingir emocionalmente pessoas, tudo isso é maravilhoso. Mas eu gostaria de poder fazer tudo isso sem essa necessidade esquizofrênica de popularidade e essa superexposição dilacerante que acontece com os que resolvem levar a mídia a sério. Quando saio de um ensaio com a minha banda, posso sentar num bar qualquer e comer um pastel de carne falando sobre os arranjos que fizemos e os que queremos mudar. Eu posso, de manhã, sentar numa padaria e tomar um café sem que ninguém me perturbe. Eu vou para a academia e ninguém olha na minha cara (gordinhos, descabelados e não-bajuladores de gostosas não têm vez nesses ambientes); e eu acho isso um horror de falta de educação, mas no fundo é muito bacana, pois ninguém me incomoda. Se eu vou a uma feira, a um evento, a um show, não tem ninguém me filmando, me fotografando, prestando atenção no que falo ou em quem está comigo. Quando vou à praia, ninguém tira foto do meu corpo sem autorização. Se resolvo gastar dinheiro num lugar mais chique (dentro das minhas possibilidades), fico em absoluta tranquilidade. Ninguém quer saber quem é a minha mulher ou por que estou com ela. Ninguém quer saber como está minha relação em casa ou com minha família. Poucas pessoas leem meus blogues, e tenho certeza de que os leem porque gostam. Poucas pessoas me convidam para eventos, e tenho certeza de que o fazem porque querem minha presença. A mulher que me ama me ama pelo que sou, as pessoas que se interessam por mim se interessam pelo que tenho interiormente, e minha música precisa ser bem feita e realmente comover, porque não tenho máquina de divulgação para provar, pela insistência, a qualidade do que faço. Se eu atravessar um farol vermelho, xingar alguém que quase me atropelou ou tropeçar num buraco de bueiro, ninguém além de mim vai saber. Meus problemas não serão problemas dos outros, minha vida íntima será efetivamente pessoal e privada, minhas manias poderão ser preservadas da curiosidade alheia, e tudo isso será subordinado a minhas próprias decisões sobre o que quero ou não contar aos que me rodeiam.
Perguntaria o provocador: então você não quer dinheiro, prestígio, facilidades em conseguir coisas, pessoas apaixonadas suspirando aos seus pés? Você não quer que sua vida seja mais fácil, que as portas se abram sem ter de empurrá-las?
Não, provocador. A vida não é assim. Esses são alguns elementos possíveis da fama. Mas não representam um quadro consistente dessa condição.
As pessoas se enganam. A fama pode atender aos desejos mais agudos de espíritos vaidosos e carentes, mas quando as pessoas resolvem seus fantasmas interiores, ela pode se tornar um empecilho tremendo ao equilíbrio interior. Sim, amigo, você pode ser famoso e profundamente infeliz. Isso é possível. Há quem desenvolva tamanha covardia de si próprio que seja incapaz de conviver com momentos de menor exposição e menor popularidade. Há quem procure, depois de ter sentido o gosto dos holofotes e do assédio constante de outras pessoas, uma maneira de preservar um espaço próprio, íntimo, de reconstrução interior, e não consiga nunca mais. Há quem, no desespero de aproveitar tudo o que uma fama percebida como imerecida oferece, mergulhe em todas as possibilidades de conseguir prazer fácil e sem compromisso no tempo em que está em evidência, tornando-se uma criatura sem caráter nem consistência.
 Se posso dizer que aprendi algo com a vida, digo que aprendi a cuidar de mim. E que, para cuidar de mim, preciso de silêncio, alguma solidão, paz de espírito e tempo para me recriar. A fama definitivamente não me serve. Sucesso, para mim, hoje, é fazer um bom trabalho, dentro do que considero um bom trabalho. Alguém há de gostar, mas definitivamente não quero ficar pensando nisso. Boas críticas são sempre bem vindas, e ponto. Sucesso é isso, e talento é o que chamo de verdade interior. Se eu tiver os dois, não preciso de fama. Aliás, no meu caso, acho que ela só atrapalharia. Entre uma fama que atrapalhe meu equilíbrio de alma e um anonimato consciente e produtivo, fico com o segundo. Só não abro mão da liberdade de expressão artística; o resto, eu resolvo comigo.