domingo, 19 de setembro de 2010

A queda - Mário de Sá-Carneiro

A queda

Mário de Sá-Carneiro

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesoiro,
Morro à míngua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços de alma - e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra - em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
- Vencer às vezes é o mesmo que tombar -
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...

............................................

Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...

SÁ-CARNEIRO, Mário de. Todos os poemas. Organização: Alphonsus de Guimaraens Filho. Rio de Janeiro, J. Aguilar; Brasília, INL, 1974, pp. 62-63.

sábado, 18 de setembro de 2010

Meus quinze filmes marcantes

Participando de uma brincadeira no Facebook, fui instado a escrever sobre 15 filmes marcantes. Era para ser rápido, os 15 primeiros que viessem à cabeça, ou algo assim, sem pensar muito. Mas essas coisas muito espontâneas me travam; ou então, quando consigo escrever tudo assim, de sopetão, automático, fico com vontade de me justificar sobre o que escrevi. É por isso que, depois de escrever a lista e mandar para 15 amigos da minha rede (que era a brincadeira), resolvi colocar no meu blogue uma postagem sobre o assunto (que é a justificação da participação na brincadeira - eita cara chato que sou para essas coisas!). Aí está ela:

O poderoso Chefão - parte 2 - Copolla

Perfeito. Al Pacino apaixonante. Casamento sem reparos entre duas estórias de grande impacto e beleza. Violência e corrupção no limite da indignidade, mas abordadas de forma a tornarem-se antítese da defesa da família, até o ponto de transformar essa contradição em algo de impossível superação.

Fanny & Alexander - Ingmar Bergman

Vi uma vez quando era adolescente. Fiquei impressionado com cada cena, a força das personagens, os cenários, os diálogos, mas não entendi nada de nada. Vi uma segunda vez mais velho, depois da faculdade. Fiquei novamente impressionado com tudo, quase da mesma forma que na vez anterior, e até consegui entender um pouquinho. Bergman realiza esse milagre incomum: nossa compreensão dos mistérios da obra parece em nada afetar a força com que ela nos pega. Tenho a impressão de que sempre verei esse filme pela primeira vez.

Vidas amargas - Elia Kazan

Vi várias vezes, nas madrugadas de insônia. É um filme perfeito, doloroso, melancólico, com forte carga emocional. James Dean faz miséria, mas o elenco todo é muito bom. Genial intertexto com o mito bíblico de Caim e Abel. Talvez um dos grandes filmes para se refletir sobre relações humanas e a precariedade da estrutura emocional dos indivíduos.

2001 - Stanley Kubrick

Este é um filme espetáculo por excelência. Feito para impactar, para embasbacar, para enlevar. Arte pura. O enredo é detalhe, o entendimento é desnecessário; mas isso só é possível porque a obra é do porte que é.

Barry Lindon - Stanley Kubrick

Mergulho na Europa pré-iluminista, este é o mais injustiçado filme de Kubrick. Eu o coloco como uma obra-prima inquestionável, perfeita, impressionante. Para além da reconstrução histórica, ele propõe a indagação a respeito dos valores que guiam uma história de vida. Dentro desse contexto, nada falta: questionam-se o casamento, as amizades, o amor, a violência, o interesse, a ganância, a paternidade, a decrepitude. Recomendo.

Cinema, urubus e aspirinas - Marcelo Gomes

Melhor filme brasileiro que vi nos últimos anos, fundamental para se pensar os diálogos entre culturas e a realidade de um país como o nosso. A estória é conduzida de maneira humana, sensível e sagaz. Pequenas malandragens e grandes gestos compõem personagens profundas e fortemente relacionadas aos povos que simbolizam. Lindo.

Beleza americana - Sam Mendes

Filme que mereceria dois Oscar, o do ano em que foi lançado e o de qualquer outro ano da década de 90 ou de 00 em que concorresse com qualquer outro filme. Creio que já virou um clássico, mas ainda não perdeu seu charme e sua capacidade de inquietar. Kevin Spacey impecável.

A dama de Shangai - Orson Welles

Aluguei esse há tempos atrás, e concordo com minha mulher: Welles é tremendamente charmoso. Até mais que Rita Hayworth (embora ela seja, obviamente, muito mais bonita). E sua concepção de cinema é apaixonante. Eu poderia colocar Cidadão Kane no lugar deste aqui, mas a lista é dos que mais marcaram, não dos que mais impressionaram. E a cena dos espelhos não sai da minha cabeça.

O falcão maltês - John Huston

Comprei esse naquela coleção da Folha de História do Cinema. Que trama, que peripécias! Você não consegue tirar o olho da tela. É daqueles filmes que, com poucos recursos técnicos, sobram em matéria de recursos estéticos.

Era uma vez no oeste - Sergio Leone

Mistura de música de primeira, protagonista feminina belíssima, mocinho e vilão cativantes, cenas tensas e coadjuvantes dramaticamente bem construídos, é o melhor filme western dos que pude ver. O clima é a grande sacada, penso eu. O resto, vem como consequência.

O touro indomável - Martin Scorcese

Scorcese transformou a biografia de um lutador num amargo questionamento sobre os sucessos e infortúnios da vida, e fez isso com a força das imagens. Um dos filmes que mais me fez sofrer, e pensar. A citação bíblica do final é, na minha opinião, o mais intenso arremate escrito de um filme, à exceção de Barry Lindon.

Os esquecidos - Luis Buñuel

Obra antológica, é um grito de desespero de personagens excluídas, e um tapa na cara no espectador acomodado. Tanto é que nunca consegui revê-lo, embora o tenha comprado em DVD.

Os idiotas - Lars von Trier

Não sei se entendi esse filme em sua essência, mas, se não entendi, pelo menos contruí para ele uma função na minha consciência, que foi a de remexer minhas inquietações a respeito da responsabilidade individual diante das outras pessoas e da sociedade. Nesse sentido, é o mais perturbador de todos os que vi. (correção tardia: não é não, tem o Elefante do Gus van Sant, que não coloquei na lista por puro esquecimento).

O feitiço do tempo - Harold Ramis

Uma graça, perspicaz, inteligente, leve, comovente. Um pouco injustiçado pelas premiações da vida afora, um pouco marcado pela carinha de filme B. Mas é daquelas produções que souberam tirar leite de pedra em relação às suas limitações.

Quiz show - Robert Redford

Aqui, jogo entre os dois protagonistas é tudo, e sustenta todo o resto da trama. Sem explicitar a mútua admiração de herói e vilão, humanizando e desumanizando sutilmente cada um deles, esta película ganhou uma aura toda especial, graças à inteligente direção de Redford. Fica melhor a cada revisão.

Antes de terminar de escrever, já me vieram à cabeça pelo menos outros quinze que eu poderia colocar aqui. Deixo-os para outra brincadeira. Ou postagem.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Caçador de promoções

Não seria justo definir-me como um rato de livraria. Um rato de livraria é uma pessoa que passa longo tempo folheando livros, lendo capas, contracapas, capítulos, orelhas, tudo o que possa qualificar aquele material como importante ou desimportante. Um rato de livraria tem tempo, disposição e dinheiro para garimpar coisas boas e que valham a pena.
Eu não sou assim. Eu sou, na verdade, compulsivo para comprar livros. Eu não espero muito para decidir o que vou levar. Meu paladar não é apurado, quero experimentar de tudo um pouco, e acabo comprando mais do que posso ler, quase sempre, projetando que algum dia eu vá ter tempo de usufruir daquilo que adquiri.
Ao mesmo tempo, sendo professor, sou um assalariado brasileiro comum, com um salário bem distante dos mais altos do mercado. Isso me impede de comprar tudo o que vejo na frente: limito-me pelo bolso, não pelo exame atento da necessidade ou utilidade dos livros que quero. Sempre coloco na minha cabeça máximos a pagar por um livro, e dificilmente extrapolo essas determinações.
Mas como a compulsão não vai embora, a mente sempre encontra um subterfúgio para deixá-la aflorar. Esse subterfúgio no meu caso chama-se PROMOÇÃO. Sou um caçador de promoções de livraria. Entro na Nobel, na Saraiva, na Martins Fontes, e já vou direto farejando o que está abaixo do preço normal. E aí, perco a cabeça.
A última foi na Livraria Nobel do Shopping Frei Caneca. Tinha alguns minutos para perambular por lá, andei um corredor, andei outro, e de repente, pimba! Estante da promoção: todos os livros por dois reais. Aquela vozinha da consciência espetou minha orelha para dizer "controle-se, Vinicius, não vá fazer nenhum abuso, há contas a pagar e você está quase sem tempo de ler até mesmo o que você usa nas aulas". Era verdade. Decidi ser racional, dar vez ao meu bom senso. Prometi que não me excederia de maneira alguma. Combinei comigo mesmo que só levaria o imprescindível, o que estivesse tão inacreditavelmente barato e fosse tão relevante que não poderia ser deixado ali sem arrependimento.
O resultado? Treze livros comprados, com promessa e tudo. Total de R$ 27,00 (tinha um de três reais). Excelente aquisição, sem dúvida (João Cabral de Mello Neto, Cartas do Carlos Lacerda, livros sobre autonomia na escola, coisas bem legais). Mas a pergunta que não quis calar quando cheguei com tudo aquilo em casa era: você vai ler todos? Vai ter tempo de pelo menos sapear cada um deles? Ou vai deixar tudo na estante esperando o dia do juízo?
Sinceramente, é improvável que eu os leia todos de capa a capa. E creio que alguns deles eu nunca compraria se não estivessem em promoção. Foi mais um ato impulsivo de um leitor omnívoro, um desejo irrefreável de, como diz a canção de Caetano, "guardar o mundo em mim". Penitencio-me nesta postagem. Tenho de mudar.
Mas ainda não consigo me arrepender. Duro, né?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Até outubro

Não escreverei sobre política neste blogue até o final de outubro. Os últimos acontecimentos veiculados pela mídia fizeram-me muito mal. Já decidi em quem votar, e considero o cúmulo da estupidez ficar discutindo quem é o vilão ou o mocinho, quem cumpre as regras ou trapaceia, quem é algoz ou vítima. Cadê os planos de governo? Cadê as pautas? Cadê a postura civilizada?
Para mim, acabou. Voto e espero o resultado. Depois, me pronuncio.