segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Para driblar os espertinhos da rede

Entraremos em ano eleitoral em 2018, e nosso espaço virtual precisa ser preservado do "efeito manada", tão comum e, infelizmente, tão eficiente para transformação de atitudes e posicionamentos. Esse efeito é conseguido pela atuação maciça e sem filtros de perfis (nem sempre associados a um único indivíduo, ou a algum indivíduo) que invadem nossas postagens em blogues e redes sociais para, sem nossa autorização e sem nenhum respeito por nossa disposição (ou não disposição) para o debate e a polêmica, insuflarem ideias que lhes interessam. Normalmente, uma ideia qualquer precisa de um trabalho intenso, estratégico e contínuo para se tornar viral nas cabeças e bocas de quem a recebe. Esse trabalho é profissional, estudado, calculado, e muitas vezes remunerado. Nós, meros usuários comuns da rede, normalmente caímos como patinhos da FIESP nessas armadilhas virtuais, e acabamos por dar pauta, ibope e visibilidade a quem não queríamos. Acredito, assim, que seja hora de investir em estratégias para qualificar o debate dentro e fora da sua timeline, e de aproveitar o que realmente pode ser aproveitado da discussão saudável de conceitos e posicionamentos. Algumas dessas dicas eu descobri, inclusive, quando foram aplicadas contra minha falta de noção e minha impertinência. Ou seja, funcionaram contra mim.
Se as minhas regrinhas não servirem para você, tudo bem. Às vezes eu mesmo as descumpro, por relaxamento da vigilância e por ímpeto de expressão. O importante é que a gente consiga se entender, e se você perceber que a gente não consegue, talvez possa compreender as razões disso conhecendo o meu lado e os meus princípios dentro da confusão de informações do universo virtual.
Sete regras:

1) não agredir ninguém;
2) apagar tudo o que você não quer em seus espaços virtuais;
3) apoiar os apoiadores, em vez de enfrentar os adversários;4) publicar o que pensa sem medo;5) expressar dúvidas;6) ignorar intimidações;7) reconhecer o espaço da arte e da inventividade.



1) Não agredir ninguém. 
E aqui eu sugiro até a ideia cristã de oferecer a outra face, visto que o tapa virtual é simbólico. Não usar linguagem agressiva e sempre pensar se o que se diz fere o outro. É um processo de autovigilância dificílimo, mas imprescindível.
Por que isso é importante?
Isso é importante porque a virulência e a agressividade desviam as pautas da racionalidade e mesmo do bom senso mais basicão. Ainda mais: elas são capazes de introduzir pautas insignificantes ou irrelevantes, ou transformar questões pequenas em questões gigantescas. Quando alguém, por exemplo, quer desviar a atenção da mídia ou de um grupo específico de pessoas dos problemas efetivos e reais que elas poderiam estar enfrentando, nada melhor do que vociferar contra um alvo escolhido, postar palavras fortes, usar de kkkkks, expressões indicativas de desprezo ou outros modos de supostamente humilhar e diminuir o adversário. Isso mexe com nossa vaidade, nosso orgulho e nossos brios, e, num piscar de olhos, estamos perdendo preciosos minutos, e até horas, nos defendendo ou defendendo nossos pontos de vista. Acontece que você jamais responde tudo, nem de maneira completa, por várias razões. Uma, que você tem que trabalhar ou estudar, ou tem mais o que fazer. Duas, que o troll do outro lado por vezes toma a provocação e o bate-boca como missão (paga, determinada ou assumida pela falta do que fazer ou pelo fanatismo ideológico). Se você disser x, ele diz y, e z, e n, e não vai parar nunca. E ele vai assumir seu silêncio como derrota de argumentação, na linha do "vence quem der a última palavra".
No fim de tudo, você retorna ao tema do debate e percebe que ele muitas vezes é óbvio, irrelevante para o contexto de sua vida ou simplesmente sem propósito. Você não convenceu ninguém, ele não convenceu você, e muita informação fundamental de fato deixou de ser articulada.

2) Apagar tudo o que você não quer em seus espaços virtuais. 
Ou, mais simples, apagar tudo o que você quiser. Se você tem um perfil no Face, um blogue, um site, um perfil no Sararah, ou qualquer espaço virtual que seja, você (e só você) decide o que é público e o que não é. O que você não quer compartilhar, não compartilhe.
A popularidade das postagens que colocamos na rede depende de comentários e curtidas. Mas comentários podem ser curtidos, curtidas podem ser negativas, e assim vai. Quando você posta algo que muita gente curte, transforma sua postagem em "palco" para os comentadores, que vão procurar curtidas dentro das curtidas ou não curtidas ou leituras que você recebeu. É o prato cheio para provocações, discordâncias sem leitura e desvios totais daquilo que você expressou no texto principal. Em nome da democracia, você aceita isso, e responde, certo? Errado. A democracia não é o acesso de todos a tudo que lhes interessa. A democracia depende do estabelecimento de contratos. O espaço virtual é seu. Ponto. Você tem um contrato com a prestadora que lhe garante isso. Se você apagar comentários e as pessoas ficarem ofendidas, o problema é delas. Elas têm o espaço virtual delas para postarem o que desejarem. Não precisam pegar carona na sua relevância. Se, por exemplo, alguém lhe atacar por meio da sua página pessoal, apague o ataque. Se alguém escrever algo indesejado, apague o que a pessoa escreveu. Se for ameaçador, printe, salve e apague. Não poupe nem mesmo a leitura enviesada mal intencionada, porque ela pode não ser violenta, mas causa estragos. E não se sinta mal se o outro apagar algo que você escreveu na página dele. Respeite os espaços individuais e as decisões dos que os gerenciam.

3) Apoiar os apoiadores, em vez de enfrentar os adversários.
Em vez de responder diretamente, reforçar a opinião que lhe contempla. Ou seja, em vez de entrar no comentário agressivo e "upar" com mais virulência, procurar um comentário que esteja alinhado com sua visão e valorizá-lo.
Por que isso? Por duas razões principais. Primeiro, porque você dá apoio a quem constrói argumentação; assim, pode refinar suas parcerias, alinhar melhor suas ideias e contribuir para que elas sejam mais conhecidas, de forma positiva e bem arregimentada. Segundo, porque você nega ao promotor da luta tudo que ele mais quer, que é a visibilidade do embate. Você não precisa provar no tatame ou arena virtual que é intelectualmente mais forte ou mais fraco. Isso é vaidade, é bobagem. Você precisa pensar com calma e profundidade nas questões importantes para sua vida, e, para isso, é mister construir o pensamento sem pressa, sem pressão, sem fatores desviantes menores. Quando você, em vez de direcionar uma resposta, apoia ou melhora um argumento anterior, você diz o que quer dizer sem precisar "esfregar na cara" de ninguém, e consegue se expressar de maneira mais lúcida.
Há uma terceira razão. Comentários muito respondidos (por exemplo, aqueles em que as pessoas atacam o comentador e ele vai respondendo todo mundo, sem exceção) são colocados entre os mais relevantes, mesmo que não acrescentem grande coisa ao debate. Ao respondê-los pelo ímpeto de aceitar a provocação ou contestar o absurdo, em vez de valorizar aqueles coerentes, equilibrados e com abertura ao diálogo, você está dando a esses de menor qualidade ética a visibilidade e a força que procuram, da qual tirarão proveito para suas estratégias de persuasão pela repetição.

4) Publicar o que pensa sem medo.
Expressar a própria opinião ainda que, aparentemente, ninguém concorde.
É muito comum que, quando acontece alguma coisa com repercussão midiática imediata, enxurradas de postagens e comentários invadam a internet com opiniões vazias e apressadas que se encontram em algum ponto de "sim" e "não" urgentes. Às vezes, essa enxurrada de opiniões nos intimida, porque não pensamos daquela forma, mas não queremos que nossos familiares ou amigos saibam de nossa discordância, porque parece que eles também aderiram à unanimidade instantânea. Em consequência, bloqueamos nossa opinião e nos calamos, para não sermos confrontados.
Acontece que a internet é termômetro para muita coisa, mas para muitas outras, não. Primeiro, porque nem todo mundo acessa a mesma coisa. Segundo, porque nem todo mundo se relaciona com o mundo virtual da mesma maneira. Terceiro, porque a opinião pública é mais complexa, mais volátil e menos uniforme do que parece. Quando achamos que uma gritaria cibernética colocou todo o país em uma direção, eis que pesquisas realizadas por institutos renomados apontam para outra, completamente diferente. Às vezes a mídia aposta firmemente em uma figura, e ela não convence, não emplaca. Às vezes, um fenômeno novo, não previsto, não projetado, ganha espaços impensáveis. E as opiniões são muito flutuantes. Quem não vota em X, por exemplo, pode ser por achá-lo imprestável, por discordar do programa dele, por não entender o que ele quer, ou até mesmo por gostar dele, mas considerar que outra alternativa é melhor. Quem apoia uma causa Y, por exemplo, pode acreditar muito nela, considerá-la importante e não urgente, considerá-la desimportante mas apoiá-la mesmo assim, ou até apoiá-la apenas porque isso traz visibilidade e aceitação. Nem tudo envolve extremos, e, mesmo quando envolve, nem sempre esses extremos são opiniões sólidas.
Se você coloca sua opinião de maneira equilibrada, coerente e não invasiva, você pode afastar os veementes (pró e contra), mas talvez você atraia os conscientes (pró e contra), porque sentem que podem dialogar com propriedade. E acredite, pessoas que chegaram a ser agressivas e virulentas na discordância podem apertar a sua mão depois, na concordância. E nem demora muito.

5) Expressar dúvidas.
Não ter medo de não ter certeza. Dizer "não sei", "não pensei sobre isso", "não entendi" e "quero saber mais" faz bem à saúde.
Quando alguém não nos convence de alguma coisa, pode ser que não tenhamos entendido direito, e pode ser que a ânsia de se posicionar tenha atrapalhado. Mas pode ser também que o argumento pareça convincente, numa primeira aproximação, mas não nos mova interiormente. Pode ser que aquilo que não entendemos seja uma fraqueza de exposição da ideia ou mesmo da própria ideia que nos chegou. Como saber? Só perguntando, lendo, pesquisando.
Nos últimos anos, em que a espetacularização tomou conta de todos os setores da sociedade, as pessoas viraram produtos de supermercado, com qualidades muito definidas e propriedades muito evidentes. Há grande perigo nisso, porque a falibilidade do homem é um de seus encantos indisfarçáveis, e uma de suas maiores virtudes existenciais. Essa produção de figuras vendidas como invulneráveis potencializa-se no mundo virtual, porque perfis não são pessoas. E por essa razão, podem ser mais fabricados ainda.
Desconfie de quem não erra, não titubeia, não se corrige, não se envergonha, não se irrita, não teme, não foge, não se incomoda, não muda de opinião, não perde a linha. Via de regra, esse é aquele que também não ouve. E não existe, de fato: apenas projeta essa imagem na mídia, para seu benefício e sua popularidade.
Pessoas de verdade não são donas da verdade.
Ninguém está certo só porque parece estar certo. Ninguém está com a verdade só porque afirma coisas com tanta convicção que parece que está com a verdade.
Saber tudo e estar certo o tempo todo é uma vaidade paranoica. Estamos sempre aprendendo, e não precisamos apagar esses rascunhos de pensamento em processo, desde que sejamos intelectualmente honestos.

6) Ignorar intimidações.
Não se sentir obrigado a publicar ou silenciar nada em função de uma intimidação. Ou seja, não moldar seu pensamento pelas limitações e contradições que você não reconheceu como válidas, e que lhe foram apresentadas de forma peremptória.
O mundo não é binário. Se você não apoia x, não quer dizer que apoie y. Você precisa ser convencido de que x e y são opostos, e isso não se dá simplesmente com a afirmação "x e y são opostos". Se você é conservador, não é necessariamente defensor de ditaduras. Se você é antipetista, não é necessariamente peessedebista. Se você gosta da DC, não é necessariamente anti-Marvel. Quando vierem com essa falácia para cima de você, entenda que isso serve apenas para: a) fazer você falar que é algo que não é; 2) constranger e calar sua opinião.
No primeiro caso, trata-se de enganar você. É aquela história de "ou você está com a gente, ou está com os maus". E aí você levanta uma bandeira com a qual não concorda. Quando menos espera, está contando como defensor de um conjunto de ideias estranhas e alheias, porque não quer ser associado ao outro lado, seja qual for. Não é porque você não defendeu o prefeito, o governador ou o presidente em alguma coisa que você está contra ele, ou não vai votar nele, ou vai votar no adversário dele. Se alguém induz essa oposição para forçar sua defesa de algo que você não quer defender, não se deixe confundir.
No segundo caso, cabe um exemplo. Muitos liberais defendem políticas sociais, algumas até relativamente avançadas comparadas ao retrocesso em que vivemos; mas haverá quem diga que você é comunista porque defende políticas sociais liberais (!). E isso não vai acontecer porque a pessoa se preocupe realmente com sua postura ideológica. O que ela quer é que você não defenda essas políticas, com medo de ser chamado de comunista.
Normalmente, rótulos e estereótipos não servem para muita coisa nos debates sérios e profundos, e são usados como etiquetas ideológicas vazias de sentido, como se fossem ofensas em brigas de criança. Com leitura, estudo, debate e construção de argumentos, não tem como falar de oposições de forma tão maniqueísta e primitiva.
Ademais, ainda que você pense que ser rotulado é perigoso para sua segurança, saiba que é exatamente isso que os extremistas querem quando fazem ataques maciços a alvos ideológicos determinados. A ideia é dizer "amanhã pode ser com você". Mas não se intimide, e conte com quem ouve, dialoga e respeita para se proteger da insanidade.

7) Reconhecer o espaço da arte e da inventividade.
Entender que nem tudo deve ser lido como literal ou verossímil: existem arte, humor, ironia, ficção. Você pode acreditar piamente em uma história de fantasia, mas saiba que isso é problema seu.
Quando as pessoas não entendem que a arte é um espaço diferenciado, costumam ter reações completamente descabidas. Não tem sentido avaliar "Senhor dos Anéis" pela possibilidade de que todos os seus detalhes sejam verossímeis em relação à geografia do planeta. Ou seja, não faz sentido achar que a história é boa porque poderia ter acontecido, ou pode acontecer na realidade. Se você levar ao pé da letra tudo o que está sendo expresso, não vai entender nada de quase nenhuma obra artística, nem de quase nenhuma piada ou quase nenhuma expressão figurada de sentimento. Assim, se você escreveu um poema, não cabe muito confirmar ou negar o conteúdo escrito, mas sim entender quais elos e jogos foram estabelecidos ali, e de que forma eles tocam em coisas importantes para nós. Nem sempre a arte tem uma posição explícita, direta e evidente sobre os temas que aborda, e nem sempre concordamos com a visão de mundo de um artista que podemos, ironicamente, admirar ou aplaudir.
A arte é livre, e reconhecer seu espaço implica suspender a ânsia de posicionamento em favor de uma fruição mais atenta e receptiva. A ficção não tem compromisso com as regras do mundo, e pode, inclusive, criar seu próprio mundo. O humor e a ironia são essenciais para suportarmos os problemas do cotidiano.
Então, fique esperto. Nem sempre o "eu" da obra é o "eu" do autor. Mostrar algo não é necessariamente defender nem negar algo, na arte. Pode ser "fazer pensar sobre algo". E às vezes pensar incomoda, e alguns não culpam o pensamento, mas o artista que o estimulou. Cuidado com isso.

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