domingo, 20 de fevereiro de 2011

Tempestades

Na minha religião, as tempestades são respeitadas. Quando os primeiros estrondos surgem depois do céu escurecido, preparo-me para um recolhimento espiritual. Desligo todos os aparelhos eletrônicos, todas as lâmpadas, todas as invenções humanas que utilizam eletricidade. Bem sei que a ousadia de mantê-las ligadas pode ser punida com a raiva divina, capaz de ceifar suas vidas úteis de forma definitiva. Dentro de mim, desligo também uma série de coisas. O choque constante e violento da água contra as janelas fechadas deve ser ouvido com atenção, em tudo o que tem a dizer. Os raios e os trovões merecem ser observados e ouvidos, mas sem que percebam. O medo de ser atingido deve levar a uma imobilidade física catártica. Só é possível sentir os arrepios de susto depois dos relâmpagos se nos mantivermos silenciosamente atentos, deitados ou sentados, desprovidos de qualquer intenção posterior (seja sair, lavar louça, ler, ver televisão) ou incômodo anterior (seja culpa, ansiedade, raiva, tédio). É preciso abandonar a mente ao temor primitivo de nossos ancentrais nas cavernas. É preciso pensar que nossos escudos de proteção (o teto, as paredes, os para-raios) poderiam, como todas as criações da espécie humana, falhar diante da perene demonstração de força dos elementos. Só quem compreende misticamente o sentido da tempestade é capaz de beber desse estranho e belo medo entranhado no inconsciente coletivo, poderoso como o que sentimos ao imaginar os piores vilões, os maiores heróis, e os deuses em fúria.

Um comentário:

Guaraciara de Souza Zello guara7guara disse...

Belo texto! Reflexivo na melhor qualidade de uma boa narrativa, a presença.

Quando crescer quero ser igual! rsrsrs

Abraço