domingo, 6 de fevereiro de 2011

Torcer, acompanhar, apreciar

Dividi algumas opiniões no Facebook com um amigo meu sobre o Australian Open. O mais bacana desse nosso diálogo internético foi que ninguém ficou agitado, defendendo um ou outro atleta, fazendo bravata ou exagerando observações. Parece-me que ambos queríamos ver bom tênis, esporte bem praticado, jogadas disputadas, enfim, algo que valesse a pena curtir na madrugada.
Eu fiquei pensando comigo mesmo, depois, se não seria esse o jeito certo de torcer. Então concluí que não se trata de certo e de errado, não se pode predeterminar como as pessoas devem "sentir" um espetáculo esportivo. Trata-se, na verdade, de entender as formas de envolvimento do espectador.
Acho que a própria palavra "espectador" no lugar de "torcedor" já antecipa um pouco meu raciocínio. É que eu acredito que algumas pessoas, quando estão vendo futebol, vôlei, F1, basquete, hóquei, etc., torcem, ou seja, escolhem um lado e vibram com jogadas que beneficiam o lado escolhido e com jogadas que prejudicam o adversário. Esse comportamento é característico do torcedor fanático, das torcidas organizadas, do sujeito que "veste a camisa", simbolicamente ou literalmente. Há gradações, evidentemente, que vão do cara que não usa uma camiseta verde por ser corintiano até o sujeito que nem torce tanto assim e quando vê que seu time está perdendo, já se desinteressa. Mas acho que é possível identificar o comportamento geral do torcedor como de um espectador que tem alterações emocionais mais fortes conforme seu time/atleta de coração aproxime-se ou distancie-se da vitória.
Nem todo mundo é assim. Existem também pessoas que gostam de um clube, de um atleta, de uma equipe ou seleção, mas não consideram importante nem prazeroso ter reações emocionais fortes. Torcem para o Corinthians, o São Paulo, o Flamengo, o Santos, o Cruzeiro, mas não vestem camisetas do clube, não compram chaveirinhos, não sabem quais são as chances de título, não se inscrevem no tuíter, nem nada. Essas pessoas não se enquadram no comportamento anterior. Elas acompanham um jogo de futebol ou vôlei ou basquete até onde têm paciência e consideram produtivo, mas podem perfeitamente ser interrompidas por telefonemas e chamados, ou simplesmente ir fazer outra coisa.
No mesmo balaio desses "torcedores mornos", eu incluiria aquelas pessoas que não têm uma equipe de coração específica, ou um atleta que admirem em especial. Comportam-se como o gremista assistindo a um jogo da terceira divisão de Pernambuco: apenas observam o que está acontecendo, gostam de uma ou outra jogada, pegam no sono quando a coisa está muito feia. Não assistem ao espetáculo esportivo para torcer para um lado, mas sim para acompanhar alguma narrativa que faz algum sentido no meio do vazio do não-fazer-nada (mais ou menos como os que veem os capítulos intermediários e sem peripécias de novelas e seriados). Esse comportamento geral eu classificaria como o do "acompanhador": ele segue a narrativa do jogo, do desempenho da equipe, das conquistas/derrotas de um atleta, mas isso não o mobiliza emocionalmente a ponto de colocá-lo em estado de tensão, ou de fazê-lo vibrar emocionalmente fora do que lhe é comum.
Por fim, acho que há um terceiro comportamento geral em relação a espetáculos esportivos. Esse comportamento pode aparecer tanto no torcedor como no "acompanhador", mas precisa de uma brecha: no caso do primeiro, precisa de menos fanatismo e envolvimento emocional; no caso do segundo, precisa de mais investimento de atenção e maior atribuição de importância ao espetáculo. Trata-se da apreciação (apreciar é, etimologicamente, "colocar preço em", ou seja, atribuir valor a), forma de se relacionar com o acontecimento esportivo que implica reconhecimento de aspectos estéticos e poéticos no desenvolvimento do mesmo.
Apreciar um jogo de futebol é diferente de torcer. Quando simplesmente torcemos, podemos odiar Zidane, porque seus gols nos derrubaram numa final de Copa do Mundo. Quando apreciamos um jogo de futebol, somos obrigados a reconhecer a beleza e o talento de Zidane, mesmo que ele vista a camisa adversária. Assim também ocorre em outros esportes. Podemos torcer para a Rússia, mas temos de aplaudir o Dream Team. Podemos torcer para Ben Johnson, mas não é possível aplaudi-lo por vencer dopado. Quando apreciamos um espetáculo esportivo (e é por isso que gosto de usar a noção de "espetáculo"), é porque valorizamos a história daquele esporte, a competição dentro das regras, a inteligência de procurar estratégias, o empenho de se dedicar até o último momento, a decência de proporcionar a quem pagou ingresso ou faz parte da plateia eletrônica civilidade e respeito em relação ao adversário.
Apreciar também é diferente de meramente acompanhar. Quem meramente acompanha, cria uma certa distância do espetáculo, perde determinadas concentração e capacidade de observação que são próprias de quem está envolvido com o que vê. Podemos acompanhar o Brasil na Copa do Mundo por n razões, mas, se realmente apreciamos o futebol como espetáculo, não nos desinteressamos imediatamente após a eliminação. Ainda persistimos como espectadores para ver gols bonitos, jogadas empolgantes, nós táticos. E principalmente para ver talento, venha de onde vier (Messi, Cristiano Ronaldo, Zidane, Maradona..).
Creio que a apreciação, como é menos irracional que a torcida, não seja tão conveniente à forma como o esporte, em geral, é vendido na sociedade do espetáculo. A apreciação não fideliza o cliente em relação à marca. O cliente torna-se questionador: "sou corintiano, mas o futebol que meu time joga não vale pagar 500 reais num ingresso"; "gosto do tênis do Murray, mas Djoko mereceu vencer"; "o nado de Ian Thorpe é mais bonito que o de Phelps, mesmo que este último seja realmente invencível"; "ganhamos a Copa do Mundo em 94, mas o futebol da seleção de 82 era mais vistoso". E o cliente questionador quer qualidade, não preenchimento de suas angústias emocionais. Talvez seja por isso que nunca me dei bem com o estilo Galvão Bueno de narrar, nem com a obrigação de entregar-se de corpo e alma a um time só (comprei, por achar bonitas e coloridas, camisas de vários times diferentes de futebol), nem com a falta de educação de algumas hordas estúpidas que agridem verbalmente ou fisicamente os atletas, e muito menos com a transformação do esporte em palco alegórico de disputas políticas e babaquices nacionalistas. Talvez seja por isso que eu e meu amigo pudemos comentar, com equilíbrio e bom humor, tantos jogos bonitos, que vimos por serem bonitos, acima de tudo.

2 comentários:

Unknown disse...

Vi, embora não discorde da análise, farei uma pequena consideração de um torcedor fanático.

A rivalidade extremada, a meu ver, não é um componente intrínseco ao torcedor fanático, senão decorre de um determinado tipo de sociedade individualista e intolerante, em que o esporte é só mais um meio de exercício dessas características.

Corinthianos fanáticos, por exemplo, existem desde 1910. De relatos dos mais velhos sabe-se que antigamente as torcidas não ficavam separadas, torcedores não se viam como inimigos a serem eliminados da face da Terra. Por outro lado, muitos odiavam o Pelé, aquele que sempre ganhava do Corinthians MAS são raros aqueles incapazes de reconhecer o talento do Rei do Futebol. Pelo contrário, já ouvi muitos dizendo que iam ao Pacaembu ver jogo do Santos, só pra ver o Pelé. E não são apenas espectadores que falam isso, mas torcedores fiéis.

Penso, portanto, que a intolerância não é conseqüência do fanatismo futebolístico, é causa.

Um torcedor do Los Angeles Lakers e um do Boston Celtics são tão rivais quanto um Corinthians x Palmeiras, mas em nenhum momento o desejo de vitória impede o desejo de assistir a uma partida espetacular de basquete. Há torcedores fanáticos da mesma forma, mas isso não priva, necessariamente, ninguém de reconhecer a qualidade de um Kobe Bryant ou de um Kevin Garnett.

O ponto fulcral não está no fanatismo, mas na intolerância.

De fato, torcer e assistir são coisas diferentes. As pessoas não torcem para um filme do Woody Allen quando vão ao cinema vê-lo, mas podem torcer para o filme, no Oscar. Certamente, são sentimentos distintos os que estão sendo mobilizados em cada situação, contudo, não os considero excludentes.

Abraço,

Unknown disse...

Ah, e quanto ao time de 82, a seleção de 2002 era melhor no gol, na defesa, no ataque e inferior, mas nem tanto assim, no meio. E os jogadores piores de 2002, não tremeram na hora H.

Embora 3-5-2 x 4-4-2

Marcos > Valdir Peres
Cafu > ou = Leandro
Lucio = Oscar
Roque = Luisinho/Edinho
Roberto Carlos > Junior
Gilberto Silva < Toninho Cerezo
Edmilson < Falcão
Kleberson < Sócrates
Ronaldinho = Zico
Rivaldo >>>>>>>>> Éder
Ronaldo >>>>>>>>> Serginho

82 tem muita propaganda, decorrente de alguns lampejos do trio Zico/Sócrates/Falcão mas o futebol, como um todo não foi assim tão genial. Nosso ataque era um lixo, nosso goleiro frangueiro, nossa defesa quando apertada gemeu.

Ganhamos roubado da URSS, passamos por 2 ninguéns, fizemos uma grande partida contra a Argentina e sucumbimos diante de uma itália melhor preparada fisicamente.

Sugiro a leitura de "O Trauma da Bola de João Saldanha", para ter um ponto de vista menos oba-oba de 1982.