sábado, 3 de outubro de 2009

A intervenção cirúrgica no HU - parte 2

Quando comecei a escrever esta história, o companheiro de equipe do Massa para 2010 ainda era o Kimi, para vocês terem uma ideia... Mas vamos nessa. Antes tarde do que nunca.
Aconteceu que, na data prevista, fui encaminhado ao hospital no dia da cirurgia, despido, medido, analisado, rapado na axila (porque nenhum pelo podia ficar lá de bobeira). Doutor Dino acompanhou todo o procedimento até alguns minutos antes da anestesia. O fato é que, para me tranquilizar, ele garantiu que daria tudo certo, que era uma operação com poucos riscos. Mas alertou, sem alterar o semblante:
- O máximo que pode acontecer de errado é voce perder os movimentos do braço esquerdo, e ter de fazer uma fisioterapia.
Jesus Cristo, eu tremi na base! Nossa, saber desse risco alguns minutos antes de operar me fez suar frio. Como eu ia tocar violão? Eu ia ficar torto? Eu não conseguiria mais me mexer direito? Deu vontade de chorar. Mas eu corria risco de vida, não podia voltar atrás. Hoje entendo muito bem porque isso foi dito só naquele momento. Doutor Dino fez bem: se havia risco, era melhor só me preocupar com isso quando não houvesse nenhuma possibilidade de desistir. Eu teria de conviver com a dúvida por alguns minutos apenas; depois, fecharia os olhos para apenas abri-los quando já não houvesse dúvida.
A descrição acima parece referir-se à vida depois da morte. Intencional. Aquelas horas de cirurgia, aqueles momentos na mesa de operação, foram para mim um apagão total. Não lembro de ter visto, nem ouvido, nem sequer sonhado nada. O sentimento mais próximo da morte que já vivenciei.
Abri os olhos dentro de uma sala escura, com um aparelho ligado ao meu peito e um bipe constante na tela. No outro leito, um sujeito urrava de dor desesperadamente. Eu fui recobrando a consciência aos poucos. Estava todo costurado, cheio de agulhas enfiadas pelo corpo, e com uma máscara no meu rosto. "Penso, logo existo", passou pela minha cabeça, "acho que deu certo". E foi então que recordei das palavras do Doutor Altmann antes da cirurgia, sobre os movimentos do braço. Subiu uma agonia na minha garganta, e sem pensar se podia ou devia fazer aquilo, tentei mover o ombro esquerdo cheio de costuras e curativos e quase que imobilizado de tanta parafernália sobre ele. Ergui só um pouquinho. O suficiente para me considerar o sujeito mais feliz da face da terra. Tinha dado realmente tudo certo. Em breve, eu estaria pronto para a próxima, sem perder nenhum movimento do corpo. A sensação de pensar isso, naquele momento, era a de descobrir que se não morreu, ou o mais perto disso que já cheguei.
Tive de ficar ainda uns dias de recuperação. Manhoso, mimado e exagerado, sei que dei trabalho às enfermeiras, às quais peço desculpas publicamente agora, mesmo que nem lembrem de mim nem nunca leiam este blog. A cena mais terrível que protagonizei foi minha enjoada e contínua reclamação de dor de barriga no primeiro dia pós-operação. Toquei tantas vezes a campainha em cima da cabeceira que devo ter deixado a moça de mau humor. Quando ela veio, disse que minha barriga doía. Ela se prontificou a resolver meu problema. Dali a pouco, voltou com uma injeção de Voltarem, que lascou no meu bumbum. A aplicação da injeção doeu três vezes mais que a dor na minha barriga. Em verdade, devo dizer que até esqueci a dor de barriga, porque a dor no meu traseiro ficou incomodando por algumas horas. Tanto que, um pouco mais tarde, quando a enfermeira voltou com a segunda dose de Voltarem, eu fiz um esforço de sorriso para dizer:
- Não precisa, minha barriga não está doendo mais.
Graças a Deus ela acreditou em mim. E, por incrível que pareça, durante todo esse processo que aqui descrevi, foram essas as duas únicas dores que senti. O ombro, mesmo, nunca doeu, nem quando estava inchado, nem durante, nem depois da operação.
Por desleixo meu e falta de orientação adequada, acabei tendo problemas com o dreno e a cicatrização, o que acarretou o desenvolvimento de uma marca bem maior do que a prevista. Revi o Doutor Dino para refazer os pontos da cirurgia, tomei a bronca devida, voltei para casa, retirei o dreno depois de um tempo e nunca mais tive qualquer problema que fosse com o ombro.
Doutor Dino, a partir de então, ficou na minha memória como um benfeitor longínquo, e eu tinha até perdido alguns detalhes da fisionomia dele, quando, afortunadamente, vi que ele falava na televisão, a respeito do jogador Serginho, do São Caetano. O caso da morte do rapaz era bem triste, mas o ser humano pode sentir várias coisas ao mesmo tempo, e percebi certa alegria no meu coração em poder vê-lo atuando com a competência habitual. E, algum tempo depois, quando posso revê-lo cuidando de Felipe Massa, cedendo entrevistas à TV sobre o quadro de saúde do piloto, fico mais contente ainda, por perceber que o tempo coroou sua capacidade médica e seus méritos foram reconhecidos. Massa está em boas mãos. Agradeça esse homem por nós dois, Felipe, com suas vitórias e sua saúde exuberante nas pistas. Eu agradecerei com este texto e uma oração esta noite, com a mão direita sobre meu ombro esquerdo.

Um comentário:

Unknown disse...

Nossa!
Seu texto é fantástico!

Não consegui parar de ler...
:)