quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Valiosas contribuições para formação de minha autoimagem de macho

Desde pequeno, acumulei uma série de informações que deveriam servir para me guiar nas minhas incursões pela estrada afora. Sempre fui muito atento ao que as pessoas me diziam, e extremamente crédulo em relação às máximas morais que recebia. Indivíduo ingênuo e bom, acreditava em tudo o que ouvia, sem questionar a fonte. Ainda mais quando era alguém estimado ou da minha família. O tempo passa, e a gente cresce e descobre que incorporou à mente um monte de bobagens que só serviram para nos atrapalhar. É então que percebemos que aquelas intuições e desconfianças que sempre nutrimos em relação a certas conversas-moles deveriam ter sido alimentadas.
Abaixo, listei algumas pérolas com as quais convivi ao longo dos anos. Lendo-as, e sabendo que as encampei em algum momento, é possível entender um pouco do porquê de sempre ter tido dificuldades com minha autoimagem. Até hoje não sei por que dei tanta trela a esses mitos. Talvez por não saber lidar direito com a insegurança e a necessidade de integração a uma sociedade que cultiva outros valores. Enfim, olha só o que ouvi, ouço e sei que ouvirei ainda a respeito de "ser homem" (entendido como "ser macho"):

1) Homem usa cabelo curto.
Deixei crescer o cabelo aos 14 anos porque sempre gostei dele longo, em mim e nos outros. É uma coisa que vem desde a infância e nada tem a ver com rock'n'roll, nem comportamento hippie. Eu me sentia melhor cabeludo, e ponto final. Minha mãe nunca aceitou bem isso. Volta e meia, me mandava cortar. Eu não cortava, de jeito nenhum. Ainda mais porque a cabeleira me dava um ar rebelde, de que eu já gostava muito naquela época. As pessoas foram se acostumando, e hoje acho que incorporaram de vez esse traço à minha imagem. Mas a batalha ainda não está vencida. Uma professora, companheira de escola, disse-me várias vezes que cabelo comprido não é coisa de homem. Uma vez ela disparou: "Corta esse cabelo! Parece um gay com o cabelo desse jeito!". Invasivo, não? E eu sei que muitas pessoas pensam assim. Já sofri discriminações de vários tipos por causa do comprimento do cabelo. Mas a coisa mudou bastante nos últimos tempos, graças a Deus, e as pessoas têm falado menos. Mas pensar, garanto que ainda pensam.

2) Homem não chora.
Meus amigos de infância faziam uma tremenda força para não chorarem na frente dos outros. E se viam alguém às lágrimas, chamavam de viado e mariquinha. Era comum todo mundo se aproximar quando um mais falador anunciava: "Olha lá, 'tá chorando!". Isso sempre foi um problema para mim, chorão contumaz. Não consigo controlar as lágrimas nem na tristeza, nem na comoção. Passei vergonha algumas vezes por chorar em situações que as pessoas não compreendiam. Hoje, não sinto mais vergonha. Mas sei que sou emotivo demais, e isso causa estranhamento. Homens tem de ser durões, não é? Simplesmente não consigo.

3) Homem tem de ser moreno e peludo.
Há muito tempo, reclamei com minha tia que não arranjava namorada, e ela gentilmente veio com essa. "Vinicius, homem ter de ser moreno e peludo. É disso que a mulherada gosta. Você precisa tomar sol".
A visão de macho de titia sempre foi difícil de engolir. Primeiro, porque eu gostava de ter poucos pelos. Nunca isso me incomodou e, sinceramente, acho que é um detalhe irrelevante para as pessoas que se sentem atraídas por mim. Mas a segunda parte é que é dose. Não tenho como ficar moreno. Não gosto de tomar sol, minha pele fica vermelha e ardendo muito rápido. E não vejo nada de feio, sinceramente, em ser branquinho. Minha namorada é branquinha. Conheço muitas pessoas lindas e branquinhas. Há vários tons de pele que podem ser bonitos, não precisa ser apenas o jambo.
Quer perder pontos comigo? Comente assim: "'Tá precisando de um sol, hein?". Eu vou olhar para sua cara e pensar: por quê? É mais bonito para quem? É mais saudável para quem? Acaso você sabe se as pessoas que gostam de mim se incomodam com isso?
E o mais engraçado é que acreditei nisso. Eu achava realmente que as meninas gostariam de mim quando eu fosse moreno. Como eu era besta.

4) Homem tem de ter dinheiro.
Quem me falou isso foi um ex-cunhado, que se achava feio (e não era). Para ele, mulheres querem estabilidade financeira via homem, e era nisso que os machos deveriam investir, mais do que em qualquer outro aspecto.
Vamos separar as coisas neste ponto. Sustento, sim, que todo mundo tem de ter uma boa relação com dinheiro, podendo sobreviver com dignidade e comprar produtos úteis e que lhe sejam de gosto. Isso é uma coisa. Esta máxima que citei funciona a partir de um outro raciocínio: o ser humano do sexo masculino precisa ter dinheiro para pagar presentes, saídas, baladas, viagens e outros mimos para a mulher que seduz ou namora, e quanto mais dinheiro ele tiver, mais masculino ele se torna. Isso é outra coisa.
Se eu dependesse da verdade desse preceito, estaria completamente perdido. Nunca tive "dinheiro" - no sentido de esbanjar, ostentar. Aliás, isso nunca fez parte dos meus planos. Perdi alguns encontros por não aparentar ser rico, mas não sei se eles teriam valido a pena. Hoje, adulto e mais rodado, considero essa ideia uma das coisas mais estúpidas que existem. Até porque as mulheres vêm descobrindo, cada vez mais, que podem trabalhar, ganhar dinheiro, atingir posições, e pular a parte da análise financeira no momento da escolha de seus homens.
Mas há um outro fator a considerar aqui. Você olha um cara de terno, gravata, pastinha de executivo, cabelo cortado e cara de angustiado; você olha outro de chinelo, bermudão, camiseta velha e barba por fazer. Qual dos dois tem dinheiro? A sociedade ensina a responder: o primeiro. Mas a verdade é que ninguém sabe. As pessoas já descobriram muitas formas de adquirir a aparência de rico sem ser rico, de esbanjar sem ter contas pagas, de arrotar dólares sem nem ter onde cair morto. Quantos amigos meus, em nome dessa pseudo-necessidade, deixaram de ajudar suas famílias, deixaram até de pagar pensão dos filhos, para torrar dinheiro com baladas e ostentações? Aparentar sucesso e abastança é uma exigência social, mas não tem nada a ver com masculinidade, e o fracasso de certas figuras em suas posturas de exibicionismo monetário é gritante testemunho disso.

5) Homem tem de ser malhado.
Essa ouvi de uma colega professora, porque falei mal de um artista famoso, criticando seu comportamento. Essa fala seria equivalente a "prefiro ele, com esse comportamento, a você, que não tem formas musculares definidas". Foi uma brincadeira um pouco grosseira, eu sei, mas revela o que boa parte das pessoas assume como valor estético.
De novo, vamos separar as coisas. As pessoas devem cuidar de sua saúde, e podem, se lhes faz bem, trabalhar seu corpo para deixá-lo mais bonito. Ponto.
Ser malhado são outros quinhentos. Primeiro, porque não é objetivo de todo mundo. Segundo, porque não é garantia de beleza. Terceiro, porque dá trabalho e implica fazer opções nesse sentido, que nem sempre são as melhores.
Eu vou à academia quando o tempo permite, quando estou muito mal e quando tenho um pouco mais de disponibilidade psicológica. Algumas opções da minha vida fizeram com que, num certo período, minha frequência caísse bastante; não me arrependo de nenhuma dessas opções. Além disso, quando vou, deixo claro para os instrutores que não quero ficar fortão. Quero ficar bem, mas não bombado.
E quer saber? Tem muito homem malhadão feio pra burro. E tem muita mulher que não liga a mínima para homem malhadão. Aliás, é preciso parar com essa paranoia de que só existe um tipo de beleza de corpo. Isso é besteira, existem homens bonitos com vários biotipos diferentes, é só querer enxergar. Se eu levasse essa asneira a ferro e fogo, teria de admitir que nunca fui e nunca serei bonito, porque meu biotipo não fica fortão naturalmente. E eu não aceitaria jamais usar nenhum tipo de química para mudar o que a natureza me deu.

6) Homem tem de ter carro.
Tinha um amigo meu que sempre dizia isso. "Sempre" significa: todo dia, toda noite, toda vez que nos víamos. Meus vizinhos e meus colegas de ginásio acreditavam nessa assertiva piamente. E mesmo minhas amigas tinham completa convicção dessa máxima. Tem até o caso de um colega com quem fiz um comentário a respeito. Ele namorava uma aluna minha, superbonita. O que ele me disse? "Vinicius, isso é lógico. Por que você acha que a *** está comigo, que sou gordo e feio?".
Essa é uma afirmação dificílima de aceitar, porque minha relação com carros é complicada - já postei sobre o assunto. Carro é bom, útil, um conforto bacana, e uma necessidade para muitas pessoas. Mas apontá-lo como predicado da masculinidade é certamente excessivo. Até porque mulheres também dirigem, e, hoje em dia, se precisam de homem para fazer isso, contratam um motorista. Mas, enfim, isso ficou na minha cabeça por muitos anos, até eu começar a ter namoros mais longos e perceber que as meninas não se incomodavam de me dar carona e me deixar em casa...

7) Homem que é homem manda na mulher.
Eu não deveria nem comentar essa estultice, mas os mais velhos gostam muito dessa ideia. Eu não mando em ninguém, quanto mais nas pessoas que amo, admiro, e quero ao meu lado. E nunca me achei menos macho por causa disso. Mas vai dizer isso para certos tios e parentes que tenho! Sai briga.

8) Homem tem de ser comedor.
Isso eu ouvia nos tempos de estagiário na Cultura, e é a babaquice mor da lista. Parece compensação de complexo de inferioridade. Que diferença faz transar com cem, dez, uma ou nenhuma pessoa do ponto de vista da satisfação pessoal? Isso é de cada um, é estritamente íntimo.
Mas, não: se o cara não come fulana que dá a maior bola para ele, se brocha na cama com uma gostosona, se dá um corte em alguém que se insinua, o cara não é macho. Homens de verdade tem de ser máquinas de trepar, e não podem deixar suas preferências, seus sentimentos, seus medos e suas opções interferirem nisso.
Sexo é bom, experimentar com as pessoas que interessam é excelente, mas isso não torna ninguém melhor nem pior, e não é, de forma alguma, quantitativo. Saíram matérias na imprensa a respeito de homens que "traçaram" dez mil, treze mil, trocentas mil mulheres. Uma pessoa nunca deveria comentar uma coisa dessas a respeito de si própria. Como se sentem as pessoas que porventura se encontram nessa lista? Troféus, brinquedinhos, estatísticas? Em respeito aos sentimentos dos outros, o mínimo que podemos fazer é ter certa discrição e bom senso ao falar desse assunto. Ademais, se o número de parceiros definisse a felicidade dos indivíduos, ou sua masculinidade, ou feminilidade, todos os problemas sexuais do mundo já estariam resolvidos desde a revolução da década de 60. E estão? Pelo ibope alcançado por declarações desse tipo, creio que estamos ainda muito longe disso.

Comentados os mitos, permitam-me declarar algo importante. Se homem tem que ter carro e dinheiro, usar cabelo curto, ser malhado, moreno, peludo e comedor, mandar na mulher e não chorar nunca, afirmo com muito orgulho que NÃO SOU HOMEM. Não tenho nada a ver com nada disso, e creio que já não tenho nenhuma vontade de preencher algum dia esses requisitos de macheza que listei. Quem quiser se adequar, que seja feliz. Eu gosto do que sou, e sei que tem quem gosta. A única coisa que não posso admitir - que foi o que me levou a gastar algumas horas fazendo este texto - é que esse tipo de fantasma social de virilidade masculina continue a apavorar a cabeça de garotos inseguros e ingênuos, como fui na adolescência e ainda posso ser hoje, em momentos de pouca vigilância.

2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns, gostei de seu depoimento e relação ao tema abordado, homem que é homem, é isso aí.

Unknown disse...

Parabéns, gostei de seu depoimento em relação ao tema abordado, homem que é homem, é isso aí.
Grande abraço, dê sinal de vida!