sábado, 2 de janeiro de 2010

Sobre os limites do estilo Letterman de entrevistar

Vi ontem uma das mais comentadas entrevistas dos últimos meses, a que Joaquin Phoenix concedeu a David Letterman no programa de variedades do sujeito. Como as pessoas tiraram muito sarro do visual e do comportamento de Phoenix durante algum tempo (até Ben Stiller brincou com isso no Oscar), achei que assistiria a um show de impaciência e má vontade do ator. Não li dessa forma. Letterman lidou com um indivíduo que estava pouco à vontade, e não teve competência para destravá-lo nem para conduzi-lo a um ponto em que se tornasse acessível. Ele simplesmente perdeu a entrevista. Preocupou-se em fazer gracinhas, em manter um clima up para sua plateia e para o espectador, e descambou para a grosseria e a provocação barata a la Pânico e CQC. Seria possível fazer daquelas análises detidas, colocando cada cutucada do apresentador e o momento cronometrado em que aparece no vídeo, mas não vou fazê-lo por preguiça. Foi provocação sistemática do princípio ao fim. Letterman terminou lamentando ironicamente que Phoenix não pudesse ter comparecido ao programa. Na verdade, Phoenix compareceu; foi Letterman que não o deixou entrar.
Ninguém tem obrigação de compreender a proposta de um entrevistador. Ele é que tem de se fazer claro, e tem de deixar o entrevistado à vontade, ainda mais num programa que se propõe a ser de humor, e que é conduzido por um humorista. Detonar uma pessoa que não reage não é engraçado, e esperar que ela entre esponeamente no clima de tiração de sarro é sempre um risco. O entrevistador não é o centro do processo, ele apenas o conduz. Se não conseguir extrair nada do entrevistado, nenhuma reação, nenhuma informação consistente, não tem gracejo que salve sua pele.
Não gosto do estrelismo que vejo em muitas figuras de mídia (jornalistas ou não) que trazem "convidados" ao seu programa. Eles são tratados como se fosse um grande favor recebê-los, e muitas vezes o papo vai para caminhos que absolutamente nada têm a ver com o trabalho que querem mostrar. Algumas intervenções grosseiras, deselegantes ou constrangedoras são vistas como "engraçadas", como meras brincadeiras para descontrair. Mas por que cargas d'água é preciso criar sempre esse clima de descontração em detrimento do conteúdo, que via de regra é muito mais interessante (podendo ser, inclusive, mais divertido)? E por que o entrevistado precisa necessariamente entrar nesse jogo? Por mais estranho que tenha sido o comportamento de Phoenix, o fracasso da entrevista não se deve a isso, e sim à incapacidade de Letterman de respeitar essa postura e lidar com ela de forma produtiva. Assim eu percebi.

3 comentários:

Herman disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Herman disse...

Não gosto do Jô Soares como entrevistador por razões bastante similares. Entrevistador estrelinha, arrogante, metido a piadista e que não se dá ao trabalho de montar uma boa pauta para a entrevista é coisa que ninguém merece...

Dan Dan disse...

Qualquer pessoa que já tenha visto o Letterman sabe que o Jõ só não é seu clone por conta da diferença de peso...